Nem é preciso sair dos aeroportos para notar as mudanças que ocorreram no comportamento de brasileiros e argentinos nos últimos anos. Bastou-me uma curta viagem com a família a Buenos Aires, com direito a sogra e três netos pequenos, para notar as diferenças, que vão além das antigas rivalidades na política, na economia e no futebol.
Em qualquer lugar do mundo, sempre há avisos de prioridade para idosos, gestantes, deficientes e crianças. Na área de embarque do aeroporto de Cumbica, nos espaços reservados à Infraero, Polícia Federal e Receita Federal para fiscalizar passageiros e bagagens, parece que os agentes receberam uma ordem exatamente ao contrário: cuidado com as famílias!
Acredite quem quiser, mas uma agente responsável pelo aparelho de raio-X pediu à minha neta, de cinco anos, que quebrou o pé, para tirar a bota ortopédica e examinou-a com o cuidado de um agente do FBI em Nova York no dia seguinte ao atentado ao WTC em 2001. Não satisfeita, pediu que a menina andasse sem a bota, com o pé quebrado, para passar novamente pelo aparelho.
“Você está brincando!”, falei para a agente da lei.
“São normas, meu senhor!”, respondeu-me com ar grave a jovem autoridade.
Sei lá que normas são essas, mas será que alguém como minha filha e meu genro, dois jovens ao que parece de boa índole, vão levar junto com eles os três filhos pequenos, mais os avós e a bisavó, para cometer um atentado num jumbo da British Airways com destino a Buenos Aires?
Meia hora na fila para passar pelo raio-X, mais meia hora na fila para mostrar o passaporte. Alguma prioridade para minha sogra de 84 anos ou para meu neto de um ano e meio? Imagina
Com os oito documentos nas mãos e uma familia diante dela, a agente federal conferiu cuidadosamente as fotos com as caras dos passageiros à sua frente, fez alguns comentários que não entendi, e balançou a cabeça. Deve não gostar de famílias que viajam juntas para o exterior.
Duas horas e meia depois, ao desembarcar no velho aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, aconteceu exatamente o contrário. Os rituais de segurança lá são os mesmos do Brasil ou de qualquer aeroporto do mundo, mas as pessoas eram diferentes. Gentis, prestativas, bem humoradas, vários funcionários foram abrindo caminho para que a família de brasileiros passasse o mais rapidamente pela alfândega.
Foi assim em toda parte nos quatro agradáveis dias que passamos nesta que é a cidade européia mais próxima do Brasil. Perdi a conta de quantas vezes fui a Buenos Aires a serviço ou a passeio. Já encontrei a cidade mais bonita e melhor cuidada em outros tempos, mas agora o que me chamou mais a atenção foi o modo afável como nos trataram.
No final da Segunda Guerra, Argentina já foi um país mais rico do que o Brasil e nos dava lições de civilidade, cultura e educação. Criou-se também o estereótipo do argentino arrogante e mascarado, que se achava o melhor do mundo em tudo. As ditaduras militares que vieram depois deixaram tudo igual.
Agora, após a grave crise econômica que se seguiu à maxidesvalorização de 2001, quando acabou a miragem da paridade entre o peso e o dólar inventado por Menem, parece que nossos amigos portenhos ficaram mais humanos, mais humildes e divertidos _ ao contrário dos brasileiros, que parecem ter seguido o caminho inverso.
Em tempo: em razão das minhas viagens na semana passada, o Balaio deixou de publicar o ranking das três matérias mais comentadas neste blog e nas duas publicações (Folha e Veja) que divulgam o mesmo levantamento. Nos dois únicos textos publicados na semana passada, ambos sobre o Caso Satiagraha, o Balaio recebeu 366 comentários; o assunto mais comentado na Folha foi a Crise Econômica (69) e, na Veja, A dor da garota Lucélia (149).
Sem palestras ou viagens marcadas para os próximos dias, pretendo retomar esta semana a rotina do Balaio. E aproveito para agradecer aos leitores que, mesmo durante a minha ausência, continuaram movimentando as discussões aqui neste espaço. Daqui a pouco, só falta alguém dizer que sou mesmo dispensável, o Balaio já ganhou vida própria
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