Armado até os dentes

Em um domingo no começo desse mês, fui voluntariamente pagar US$ 4.50 por um café com leite, num Starbucks da aprazível cidade de Pittsfield, nas montanhas de Massachusetts. E estava lá saboreando aquela média glorificada, quando adentra o salão um sujeito com dois revólveres em cartucheiras em um cinturão. A minha primeira reação foi dizer: “O que é isso, Ringo?”. Mas a frase ficou retida no pensamento. Rasgo dinheiro, mas não sou louco. Interpelado pelo barista, o freguês maquinado se explicou: “Como cidadão americano, tenho o direito ao porte de armas. Está garantido na Constituição!”.

Quem iria argumentar ao contrário? Primeiro: a princípio, o Ringo está mais ou menos certo. E, depois, um debate jurídico no qual um dos participantes tem dois 45 na cinta, provavelmente não acabará de modo agradável. Claro que não esperei para ver se alguém se aventuraria a reclamar. Bati em retirada abjeta. No dia seguinte, voltei ao local e o barista me disse que situações como aquela estão acontecendo por toda a parte. Parece que os defensores da Segunda Emenda pegaram o Starbucks para provocar conflito que resultará em ação popular. Esta, espera-se, reformará as garantias da Segunda Emenda. Mas ninguém ainda mordeu a isca, há o medo de que a refrega acabe em chumbo, e não nos tribunais.

E assim, estamos agora sujeitos a compartilhar, não apenas o cafezinho, mas também os bancos de igrejas, arquibancadas em estádios, banhos turcos, e outros logradouros públicos com pessoas armadas. Isso, em um país onde malucos invadem esses mesmos locais para chacinar o maior número possível de vítimas. Tirou nota baixa nos exames? Vá à escola e mate a garçonete da cafeteria e mais uma dúzia de estudantes. Brigou com a namorada? Entre na firma onde ela trabalha e mande chumbo nos funcionários.

O contra-argumento da malta “constitucionalista” é que em tais ocorrências, se as pessoas vitimizadas estiverem também armadas, poderão tirotear com o desatremado. Imagina-se capacidade de reação defensiva. Mas a polícia, ao entrar, não sabe quem é o criminoso e quem é o salvador da pátria. Está com um berro na mão: toma chumbo. É de se levar em consideração, também, que aquele tentando alvejar o assaltante, deve ter boa pontaria. Pela minha experiência em tiroteios, pouca gente possui essa destreza. A coisa vira troca de tiros entre cegos. Acaba sempre sobrando para os incautos.

Dezenove de abril último foi marcado como o “Dia Nacional de Protesto Contra o Governo Obama”. Até aí, nada de mais: em uma democracia, os cidadãos têm o direito de se manifestar. O problema é que em alguns desses comícios, os participantes resolveram comparecer armados até os dentes. As principais artilharias foram reservadas para pontos próximos da capital Washington. Pelas leis locais, a turba pode fazer isso. O que surpreende mais é que as palavras de ordem não ficaram apenas na defesa da Segunda Emenda da Constituição do país. A gritaria foi além, investindo contra um suposto totalitarismo imposto pelo presidente e pelo Congresso democrata. Acreditam que há um complô para implantar o comunismo nos Estados Unidos da América.

E eu que achava que comunismo exigia a estatização dos meios de produção! E o fim da propriedade privada, entre outras coisas. Ao que parece, o fato de se aprovar lei universalizando o seguro saúde já é prova de que Karl Marx inspira o governo Obama.

É bom lembrar, também, que no dia 19 de abril completaram-se 15 anos da bomba que o patriota Timothy McVeigh detonou em Oklahoma City. Destruiu ou danificou 324 prédios, 86 carros, em uma área de seis quarteirões. Matou 168 pessoas, 19 das quais eram crianças com idade até seis anos, e feriu 680 outras vítimas. McVeigh, se não tivesse sido executado por decisão judicial, certamente aprovaria as manifestações de agora. Estaria em um comício, armado como um huno, e pedindo a cabeça do presidente. Depois, para celebrar, iria a um Starbucks mostrar seu arsenal e tomar um latte/venti.


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