Foto: Mauro Munhoz Arquitetos |
O Museu do Futebol, uma fina adaptação nas estruturas do tombado prédio do Estádio do Pacaembu, de 1940, ganhou, no final de 2008, o prêmio concedido pelo Instituto de Arquitetura Brasileiro (IAB/SP) na categoria Restauro e Requalificação. O projeto teve autoria de Mauro Munhoz e coautoria de Daniel Pollara e Paula Bartorelli, todos da Associação Casa Azul, da qual Mauro é diretor-presidente.
O Museu do Futebol foi inaugurado em outubro de 2008, depois de um longo período de reformas, em que a estrutura original sofreu radicais mudanças com o objetivo de transformar o espaço subutilizado no mais moderno museu do País. Elevadores, escadas e paredes foram postos abaixo. “Quando se depara com um projeto histórico, o bacana é olhar para os aspectos que fazem deste um projeto histórico. O importante num caso como este é fazer uma intervenção radical, porque era necessário ser feita, sem se perder os valores singulares da construção original. E até exaltando eles”, declara o arquiteto Mauro Munhoz.
Para a reforma do prédio tombado, os órgãos de preservação do patrimônio histórico uniram-se em parceria com Mauro Munhoz, Daniela Thomas e Felipe Tassara, responsáveis pela cenografia e museografia, que dialogaram fortemente para a construção de um projeto único. O museu foi concebido embaixo de toda a estrutura do estádio, das arquibancadas e das pilastras de sustentação. “Não tem nada fake, nada escondido, que não é mostrado, fachadas que encobrem estruturas, é tudo cru, você enxerga o funcionamento da coisa, que nem por isso deixa de ser linguagem”, ressalta o arquiteto, que revela a impossibilidade de todo o projeto sem a união das partes: conteúdo, museografia e preservação histórica.
Em frente ao estádio, um local revela a falta de integração dos espaços urbanos em São Paulo. A Praça Charles Miller representa a carência de aproveitamento de espaços públicos. Segundo Mauro Munhoz, o museu foi construído na área frontal do Pacaembu para dialogar com a enorme área pública subutilizada, justamente a praça. Durante o percurso de visitação interna do museu, no segundo pavimento, passa-se por uma passarela em que se tem uma nova vista da praça e de toda a região do Pacaembu até a o bairro da Barra funda. A passarela permite que o percurso do museu seja linear e deixa clara essa harmonia entre conteúdo e estrutura. É uma nova vista da Praça Charles Miller, que tem 33 mil m² de área livre mal aproveitada pela população.
“Com o museu ali há um número maior de pessoas circulando, tem o café voltado para a praça, que traz um pouco desta vida que faltava ao local. Não que isso seja suficiente, mas é um passo para fazer o paulistano acostumar-se a utilizar seus espaços públicos. Preservar um edifício histórico não é deixá-lo intacto, mas sim deixá-lo relacionar-se com seu tempo, ver como o público pode absorver estas questões.” relata Mauro.
Foto: Nelson Kon |
A questão dos espaços públicos utilizáveis está na ordem do dia das pessoas que pensam em cidade mais profundamente. Hoje mais de 50% da população mundial vive nas cidades. “A cidade é o nosso meio ambiente, temos que aprender a lidar com isso e torna-las mais saudáveis”, diz o diretor-presidente da Associação Casa Azul, que tem como mote a revitalização urbana sustentável e também trabalha, entre outras coisas, com a cidade histórica de Paraty (RJ).
Apesar de ser um espaço público, o museu cobra uma entrada simbólica no valor de R$ 6,00 inteira e R$ 3,00 meia-entrada. Às quintas-feiras, a entrada é gratuita. O museu não tem fins lucrativos. Com monitores prestativos e empolgados com o tema paixão nacional, é um museu completo, multimídia e que dialoga com um assunto nada habituado a museus.
Sua existência por si é polêmica. De certa forma, a existência de um museu do futebol representa a morte deste futebol e escancara o fato de que o esporte retratado nas paredes e telas de TV do local talvez não seja mais o mesmo que rola nos gramados de hoje. É nostálgico como qualquer outro museu. Conta a história de um tempo que passou. No entanto, esta ambiguidade de um museu dentro de um estádio em atividade não é ignorada. Pelo contrário. Há diversos momentos em que passado e presente são colocados lado a lado. Na sala “Anjos Barrocos”, craques do futebol-arte fulguram no ar, por meio de placas de acrílico, projeções digitais e uma forte trilha sonora. Os “ex-jogadores” estão exatamente abaixo do setor laranja da arquibancada, normalmente ocupado nos jogos do Corinthians pela “Gaviões da Fiel”, uma das maiores torcidas organizadas do Brasil. Qualquer acaso não é mera coincidência. Fiéis, catedral, anjos.
Na subida para o segundo pavimento, toda a ambientação faz com que o contato com o subsolo da arquibancada laranja seja dramático. Projeções de imagens das 30 maiores torcidas do Brasil, em um vão úmido por debaixo da terra, traz um pouco da força que é estar ali, logo acima, em um dia de jogo. No entanto, este é um museu que estará em constante mutação, aberto a novos personagens e ídolos. Mas, ainda, por precauções, a organização decidiu mantê-lo fechado em dias de jogos.
“Participar desta construção foi uma experiência fantástica. É apaixonante devolver um espaço público para a cidade, que começou há décadas. Ganhar este prêmio é um reconhecimento oficial de todo um trabalho conjunto que tenho como ponto de partida para muitos outros que estão por vir”, conclui Munhoz, orgulhoso.
História
Foto: Nelson Kon |
O Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, popularmente conhecido como Estádio do Pacaembu, foi desenhado pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo – Severo e Villares, símbolo da alvenaria burguesa das décadas de 1930 e 1940. Construído em terras cedidas pela Companhia City, foi inaugurado em 27 de abril de 1940. Influenciado pelo estilo art déco, o estádio sofreu várias intervenções; a mais significativa foi a introdução de uma grande arquibancada, o “Tobogã”, no lugar onde antes havia a concha acústica. No entanto, permanece com a mesma fachada há mais de 50 anos.
Barry Parker, que viveu do fim do século XIX até meados do século XX, foi um arquiteto e urbanista inglês, que veio para o Brasil e trouxe consigo o ideal de instaurar em São Paulo o modelo inglês de construção de bairros-jardins, ou mais popularmente conhecido como Cidade Jardim. Foi nesse contexto que o bairro do Pacaembu começou a se configurar, como uma região urbana mais integrada à natureza, no período em que a economia cafeeira impulsionava o crescimento da cidade de São Paulo. Décadas depois, o espaço mais baixo do bairro, um vale para o qual era desviada água, foi pensado como lugar ideal para abrigar um grande símbolo do esporte paulistano e nacional. “O único espaço em que pensei ser plausível a existência de um museu do futebol era no Estádio do Pacaembu, e em sua fachada, não nas arquibancadas laterais como era proposto a princípio. O estádio é de uma enorme importância para a cidade, um símbolo tratado com muito carinho por todos”, conta Munhoz.
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