Artista político essencial

Integração – O novo diretor do Memorial e a escultura de Oscar Niemeyer que simboliza a união dos povos latino-americanos

A trajetória do cineasta e escritor João Batista de Andrade é do tipo que pode despertar no entrevistador uma espécie de “medo do repórter diante da fonte”. Um tipo de receio de que sua pesquisa possa ter deixado algo passar, devido ao tamanho e variedade de suas colaborações para a cultura e política brasileiras desde os anos 1960 – ou ainda de encontrar o entrevistado em um momento de indisposição, compreensível depois de décadas concedendo entrevistas. Tal impressão, no entanto, desaparece assim que se chega a sua sala no segundo andar do prédio administrativo da Fundação Memorial da América Latina, instituição dirigida por ele desde setembro do ano passado. É de forma calorosa que ele recebe a reportagem da Brasileiros para falar sobre os projetos e a nova cara que pretende dar ao Memorial. “O cinema e a política são parte de minha vida desde que vim para São Paulo. Foram anos de luta e a direção da Fundação é mais uma volta na minha carreira, que pretendo abraçar com a mesma disposição.”

Polo irradiador da produção artística e cultural da América Latina, o Memorial nasceu de um projeto cultural desenvolvido pelo sociólogo Darcy Ribeiro, com a missão de promover a integração entre os povos do continente. Inaugurado em 18 de março de 1989 com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, tornou-se um dos principais cartões-postais de São Paulo, com destaque para a escultura Mão, instalada na Praça Cívica, também conhecida como Praça do Sol, onde também estão localizados o Salão dos Atos, a Galeria Marta Traba e a Biblioteca Latino-americana Victor Civita. Fundação de direito público, sem fins lucrativos, mantida pelo Governo do Estado, o Memorial é referência na realização de eventos, reunindo grandes nomes do cenário artístico, político, cultural e literário do País e de seus vizinhos.

Apesar da boa fama que o Memorial já carrega, João Batista pretende popularizar ainda mais o espaço. “A Fundação vem cumprindo bem sua missão, mantendo o ideal proposto por Darcy Ribeiro. Por outro lado, o espaço parece ter ganhado uma carga de elitização. A minha gestão busca acabar com essas barreiras e trazer o cidadão comum para cá. O Memorial é voltado para a confraternização entre as Américas, está localizado na cidade de São Paulo e pertence a seus cidadãos, mas muitos nem sabem da disponibilidade dessa estrutura. Nossa intenção é devolver o Memorial para o povo de São Paulo.”

Novo Memorial

Sob essa perspectiva democrática, foi lançado em março o Novo Memorial – a cerimônia ocorreu em meio às comemorações dos 24 anos da instituição, com uma programação nitidamente popular, composta por shows e espetáculos gratuitos, previstos para acontecer até este mês de abril. A abertura foi marcada pela apresentação de Alceu Valença, que confirmou a receptividade do evento junto à população – cerca de três mil pessoas estiveram na Praça Cívica só no primeiro fim de semana. O VI Festival Ibero-Americano também integrou o evento e homenageou o ator Lima Duarte, que deu prosseguimento às comemorações com o monólogo A Língua de Deus.

Além da grade de atraentes programações culturais, o projeto de João Batista inclui mudanças estruturais na casa, como a instalação de um parque infantil, aparelhos de ginástica, feira de artesanato e, mais para frente, a construção de uma ciclovia.

Entre abril e maio, as atividades culturais continuam com apresentações da Banda Sinfônica do Estado, Encontro de Corais e Sarau no Memorial, com poetas populares da cena hip hop. A série de simpósios e debates também permanece, assim como os cursos de pintura e fotografia. O Memorial participa ainda do projeto Brasil Estampa 2013, promovendo a intervenção gráfica coletiva O Humano no Urbano, que propõe a criação de um grande painel.

O Memorial também passou a abrigar o ECOCINE – Festival de Cinema Ambiental e Direitos Humanos, que, neste ano, chega à 20a edição. No final deste mês de abril, está prevista a abertura da mostra coletiva Primeiro de Maio, composta de fotografias, desenhos, pinturas e intervenções em torno do Dia do Trabalho e do Trabalhador. “Os eventos tradicionais, como o Festival de Cinema Latino-americano, idealizado por mim que, neste ano, chega à 8a edição, aliados a uma maior participação popular e uma série de atividades pretendem intensificar nossas relações com a América Latina”, afirma João Batista.

Mineiro de Ituiutaba, ele veio a São Paulo em 1959 para estudar Engenharia. “São Paulo foi um divisor de águas, no sentido que, na época, eu já tinha consciência e o ímpeto de meu papel político e artístico. Mas aqui me dei conta de que, apesar de já ter formação, me faltava informação. Assim, em um curto período de tempo, passei a pesquisar e a ler tudo que chegava às minhas mãos, fosse literatura, história, cinema, filosofia, política e cultura geral.”

Militante do PCB e parte de um grupo chamado Escola Psicorrealista, João Batista descobriu o cinema em 1963, quando ainda era estudante de Engenharia na Escola Politécnica da USP – ele abandonou o curso no ano seguinte. Se a situação política atrapalhou – em 1964, ocorreu o golpe militar –, os planos do estudante deram carga extra ao cineasta. “Sempre tive ciência da importância do audiovisual como instrumento político e é isso que pauta a minha obra, seja na ficção, seja nos documentários.”

E foi justamente com o documentário Liberdade de Imprensa (1967) que João Batista inaugurou uma de suas marcas: o “Cinema de Intervenção”. A obra reflete o conturbado momento do Brasil nos anos 1960, foi apreendida pelo Exército, mas iniciou uma série de outros filmes que deu voz ao povo para discutir os problemas do País – a maioria exibida no programa A Hora da Notícia, dirigido por Vladimir Herzog na TV Cultura. “Herzog e eu tínhamos consciência de que não queríamos aderir à luta armada. Esses filmes e reportagens de A Hora da Notícia refletem nossa luta por vias democráticas. O que eu tinha em mente era que, se o Estado naquela época tirava da população o direito de discutir a realidade, essas reportagens funcionavam como uma forma de dar voz ao povo”, afirma o diretor.

A partir daí, João Batista dirigiu importantes títulos da cinematografia brasileira, como Doramundo (1978), O Homem que Virou Suco (1980), A Próxima Vítima (1983), O País dos Tenentes (1987), Vlado, Trinta Anos Depois (2005), entre outros.

Sua participação política inclui a coordenação da Comissão de Cultura da campanha de Franco Montoro, em 1982, e o cargo de secretário de Cultura do Estado de São Paulo, entre 2005 e 2007. Sobre o engajamento político de artistas, João Batista apenas diz: “Quanto aos outros, não sei. Para mim, é essencial”.


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