Artista polivalente

Grafite de Deco Farkas

André Farkas – ou Deco, como é mais conhecido – não era lá um aluno exemplar nos tempos de escola. Recuperações todo trimestre e professores pegando no pé, essa era a rotina no Colégio Vera Cruz, em São Paulo. Preferia andar de skate, jogar bola ou passar horas desenhando e produzindo filmes e animações com sua câmera. O que parecia ser só hobby, no entanto, acabou revelando uma enorme criatividade do hoje artista plástico. O talento de Deco – não em Matemática e História – talvez não tenha sido bem compreendido pelo sistema escolar, mas claramente não passaria muito tempo despercebido.

“O sistema escolar faz parte do sistema. E o sistema todo, na minha opinião, vai de mal a pior. Por isso, acho natural que o ensino seja péssimo para alguns”, afirma ele, agora formado pela FAAP. Por outro lado, o ambiente familiar certamente ajudou. Filho do designer gráfico Kiko Farkas, neto do revolucionário fotógrafo e cineasta Thomas Farkas, ele teve referências em casa. Mas foi com independência que seguiu seu caminho.

Hoje, aos 27 anos, seja com um pincel, spray ou câmera na mão, Deco tem feito videoclipes para músicos como Arnaldo Antunes e ilustrações para capas do caderno Ilustríssima (do jornal Folha de S. Paulo), além de ter produzido o cenário de um balé apresentado em Gramado, um curta em animação stop-motion e passado a integrar o quadro de artistas da Galeria Transversal.

De qualquer modo, não é esse o currículo do qual mais se orgulha, e sim aquele que construiu pelos muros, caixas de luz e pontos de ônibus da cidade, sob a assinatura de Treco. Se já na escola se sentia mais atraído pelo lado de fora do que de dentro dos muros, depois não seria diferente.

“O grafite, diferentemente da arte de galeria, tem a vantagem da acessibilidade. É mais popular e livre. Basta chegar e pintar. O sucesso depende exclusivamente de você, não de seus contatos. A arte na rua é direcionada ao espectador comum, não exige uma bagagem de referências que esteja fora da realidade do cotidiano.”

De fato, mesmo sem saber quem é o autor, é improvável que milhares de paulistanos nunca tenham reparado nos coloridos “seres” grafitados por Treco em tantos muros das zonas oeste e central de São Paulo. Elefantes, peixes, galinhas, seres humanos ou, ainda, “misturas” de todos eles: personagens um tanto surrealistas, que carregam ao mesmo tempo humor, ironia e um tom crítico – marcas da obra do artista também em vídeos, ilustrações, etc.

Soa natural, portanto, a afirmação de Deco de que se sente um tanto “peixe fora d’água” em uma galeria e em relação à arte contemporânea como um todo. Mesmo que de algum modo faça parte desse meio, ele demonstra clareza nos caminhos que prioriza, em busca de um diálogo mais abrangente.

“O problema surge quando a arte parece não querer comunicar, como se apresentasse um enigma. A maioria das pessoas parece não possuir as ferramentas necessárias para ‘utilizar’ grande parte da arte contemporânea. Assim ela se torna um campo específico como a biologia celular ou a química orgânica, restrita a aqueles que possuem acesso a sua estrutura.” E com a mesma ironia fina com que pinta muros ou faz vídeos, conclui: “Não sou contra essa arte. O que seria de nós sem a biologia celular ou a química orgânica?!”.


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