Artistas que fizeram moda

Parte da coleção Brazilian Fashion Team foi publicada em edição da revista Jóia, da editora Bloch, em 1966. Foto: Acervo Rhodia
Parte da coleção Brazilian Fashion Team foi publicada em edição da revista Jóia, da editora Bloch, em 1966. Foto: Acervo Rhodia

De um lado, a multinacional Rhodia querendo mudar o gosto brasileiro por tecidos naturais pelo fio sintético, criado em laboratório. De outro, as propostas pouco convencionais do publicitário italiano Livio Rangan. Essa parceria revolucionou a comunicação da marca, e a Rhodia, que nunca fez moda, ironicamente acabou fazendo história ao unir, no início dos anos 1960, indústria têxtil, artes plásticas, teatro e música. As roupas criadas apenas para divulgar a então nova tecnologia saíam das tesouras de costureiros (ainda não existia o termo estilista), a partir de estampas criadas por artistas plásticos, e eram apresentadas em desfiles-espetáculos que marcaram época.

A temporada de desfiles, de fato, colocou o fio sintético no armário predominantemente feminino em peças além das íntimas, como vestidos, saias, calças e blusas, como a cacharel – quem lembra? Mas, em 1972, dois anos depois da saída de Livio Rangan da Rhodia, parte das coleções acabou acomodada no acervo do Museu de Arte de São Paulo, o Masp. Pietro Maria Bardi (1900-99), que dirigiu o museu desde sempre, enxergou nelas potencial de obra de arte. Estava certo. Agora, depois de 43 anos,  voltam a ser expostas em manequins estáticos. São 79 roupas em que prevalecem, no corte e nas estampas, os conceitos artísticos da época – a op art, o pop, o cibernético, o figurativo.


Patricia Carta, diretora da Harper’s Bazzar no Brasil e uma das curadoras da exposição, enaltece a importância de abrir esse acervo. “Esta é uma mostra inédita e um dos desejos do Bardi era justamente travar uma discussão entre arte e outros campos artísticos, apesar de as roupas não terem sido pensadas nem como arte nem como varejo.”

Mas o cenário da época era bom para a indústria no País. Brasília tinha acabado de ser inaugurada, a economia crescia e havia uma forte intenção de imprimir uma identidade nacional. A Europa, que já usava minissaia, tinha Pierre Cardin, Paco Rabane, André Courrèges. A moda brasileira também sonhava com uma cara própria e contava com desenhos de Dener Pamplona, Clodovil Hernandez, Guilherme Guimarães e Alceu Pena. Rangan e eles já entendiam o corpo como suporte de novas propostas de percepção. Somado a essa ideia, um time de artistas plásticos, especialmente do Nordeste, criou estampas para traduzir o momento brasileiro.

O cearense Aldemir Martins, por exemplo, usou cangaceiros, cactos e futebol em suas estampas. Carmélio Cruz, também do Ceará, se inspirou em motivos afros. Os pernambucanos Francisco Brennand, Gilvan Samico e Lula Cardoso Ayres usaram flores, cores e também futebol, nessa ordem. Carlos Vergara, gaúcho de Santa Maria, brincou com cores, assim como os paulistanos Hercules Barsotti e Nelson Leirner. Até Carybé, que nasceu na Argentina, mas se naturalizou brasileiro, entrou no time da Rhodia.

Cartaz do desfile Tropicália, apresentado em 1968, na Fenit,  com vestidos estampados com rostos femininos. Foto: Acervo Rhodia
Cartaz do desfile Tropicália, apresentado em 1968, na Fenit,
com vestidos estampados com rostos femininos. Foto: Acervo Rhodia

O primeiro desfile aconteceu em 1961 na Fenit (Feira Internacional da Indústria Têxtil), no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Impactou, mas não muito. Depois, no entanto, com a coleção Brazilian Look, o evento da Rhodia ganhou proporções. Com cenário que enaltecia o Brasil, o desfile recebeu mais um ingrediente importante: as jovens modelos apresentaram as roupas com cortes geométricos, retos e simplificados, confeccionadas com os fios sintéticos, ao som do pianista Sérgio Mendes e do Sexteto Bossa Rio.

Depois vieram outros artistas. Rita Lee fez seu primeiro show solo, sem os Mutantes, em um desfile da Rhodia. O jornalista e crítico musical Carlos Calado, em A Divina Comédia dos Mutantes, conta: “Além de cantar e dançar, interpretava o papel de uma garota caipira, a Ritinha Malazarte, acompanhada por um bandinha interiorana. A coleção exibida por Rita e as manequins do elenco (entre elas Mila Moreira, que depois veio a se tornar atriz) adaptavam para o contexto brasileiro a moda paysan, inspirada no vestuário das camponesas europeias”.

A máquina de vender o fio sintético também criou a Brazilian Octopus, banda instrumental de Hermeto Pascoal que foi formada sob encomenda por Rangan para tocar nos desfiles e chegou a lançar um álbum em 1970. Mas muitos outros passaram por ali: o produtor Roberto Palmari, os maestros Rogério Duprat e Diogo Pacheco, o bailarino Ismael Guizer, o ator Paulo José, os cantores Jorge Benjor (que era só Jorge Ben) e Tim Maia, entre outros.

As criações, claro, atiçaram o mercado editorial e as revistas Claudia, do grupo Abril, Jóia, da editora Bloch, e O Cruzeiro, dos Diários Associados, também foram grandes parceiras.

Fotos: Acervo Rhodia
Fotos: Acervo Rhodia

Nos anos 1980, a Rhodia era mesmo sinônimo de modernidade. Montou um casarão na avenida Brasil, em São Paulo, onde organizou outros eventos de moda badalados, mas sem a riqueza dos espetáculos de Rangan, que seguia na publicidade com a Gang Propaganda – na agência, ele deu vida a personagens memoráveis, como a “barata falante” do inseticida Rodox, numa experiência que durou até a sua morte, em 1984.

Há pouco mais de quatro anos, a Rhodia foi adquirida pela belga Solvay – o Brasil é o único país a manter a antiga marca da empresa francesa, quase centenária no mercado local. Renato Boaventura, presidente da unidade global de negócios, afirma que os tempos de glória na Fenit foram um momento de a Rhodia  trazer tecnologias para o Brasil. “Agora, é a partir do Brasil que desenvolvemos tecnologia para o mundo.”

Ele se refere aos fios inteligentes que a empresa desenvolve em Santo André, na Grande São Paulo. O  amni soul eco é o primeiro do mundo que tem a qualidade de ser biodegradável. Foi lançado no ano passado durante a São Paulo Fashion Week, em uma parceria com o estilista Ronaldo Fraga. O outro é o emana, que possui aplicações em roupas e acessórios, como lingeries, jeans e moda fitness. “Introduzimos minerais nessa fibra que interagem com o corpo, melhorando a qualidade da pele, a firmeza e a elasticidade, além da circulação sanguínea”, garante Boaventura.

A banda Brazilian Octopus, de Hermeto Pascoal, foi criada sob encomenda pelo inventivo publicitário Livio Rangan. Fotos: Reprodução
A banda Brazilian Octopus, de Hermeto Pascoal, foi criada sob encomenda pelo inventivo publicitário Livio Rangan. Fotos: Reprodução

 

Arte na Moda: Coleção Masp Rhodia
Masp – Avenida Paulista, 1.578, Cerqueira César, São Paulo. 
De 23 de outubro a 14 de fevereiro de 2016.

 


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