Como vimos na primeira parte de sua história, publicada na edição de março, nosso herói Olmir Stocker, o Alemão, voltou para o circo. Tocava bastante e era soterrado por moedinhas, imediatamente recolhidas pelos irmãos. Para completar a chateação, ainda havia os ciganos, que, pouco a pouco, assumiram as companhias. O pessoal antigo não gostava, os ciganos faziam os ursos dançarem na rua, passavam o chapéu, eram saltimbancos. A vida do circense era parecida com a do cigano: viajar, acampar. Segundo Alemão, enquanto “aqui” a mulher queria ser uma estrela de teatro, de televisão, o sonho da mulher cigana era ser artista de circo. O parque de diversões da família empregava ciganos, e o Olmirzinho acabou tendo um caso com uma ciganinha, sem saber que as meninas deles são prometidas desde que nascem. “Quando isso é cortado, a coisa fica feia”, lembra-se ele. Assim, aos 14 anos, o pai lhe deu um dinheiro e mandou que sumisse, fugisse para a casa de um tio no meio do mato, onde passou um bom tempo enquanto as estradas ficaram cheias de ciganos procurando o “Romeu”.
E entre um susto e outro, Olmir foi ficando cada vez melhor. Como viajava muito, ia assimilando as coisas do Uruguai e da Argentina. Aos domingos, a pedida era o Programa do Garoto (Aníbal Augusto Sardinha, virtuose das cordas e membro do Bando da Lua de Carmem Miranda). A Rádio Nacional era captada com um radiozinho de ondas curtas. Foi por meio do rádio que o menino conheceu também o guitarrista argentino Oscar Aleman, um mulato que tocava como Django Reinhardt. Para Olmir, que no circo se limitava a milongas e valsinhas, aquilo era “um jazz meio francês”. Alemão se lembra de um programa infantil comandado por nada menos que Elis Regina, em suas palavras: “Uma menina de cinco anos do (bairro) IAPI, criada pelos avós, que conhecia Sarah Vaughan e já cantava muito bem em inglês, francês e espanhol. Ela até fazia dupla com um menino, o que viria a repetir com Jair Rodrigues”. Ou seja, o menino estava longe de tudo, mas era bem antenado. Quando se alistou e serviu em Santa Cruz do Sul no 9o Regimento de Infantaria, seu talento logo foi notado pelo coronel-comandante, um fã de jazz que pedia para o menino tocar enquanto a autoridade dormia. A recompensa foi uma guitarra, a primeira guitarra do Alemão. “Italiana e ruim pra caramba”, diverte-se o músico. Ao dar baixa, em vez de se reintegrar à trupe familiar, Olmir caiu no mundo.
[nggallery id=14983]
Em Porto Alegre, fazia de tudo. Tocava cavaquinho em grupo de choro, acompanhava conjunto vocal no violão e no Trio Farroupilha – fãs de bolero e imitadores do Trio Los Panchos -, atacou de requinto, que é um violãozinho 18% menor que o normal. Chamado pela Rádio Gaúcha, integrou o Conjunto Melódico, de Rui Barros, “com carteira assinada e tal”, orgulha-se. Mas a maioridade musical se deu quando entrou para o grupo de Breno Sauer, um acordeonista vidrado no colega americano Art Van Damme. Logo, eles foram chamados para tocar em Curitiba pelo “rei da noite” local, Paulo Wendt. Entusiasta de Van Damme, o empresário providenciou até um vibrafone para emular o grupo original. Sua boate, La Vie em Rose, era frequentada “por gente de São Paulo e do Rio”. Celebridades como o jornalista Haroldo Barbosa, o maestro Enrico Simonetti e o diretor artístico da CBS, Roberto Corte Real. Foi a ponte. O grupo de Breno gravou no Rio e Wendt abriu uma filial do La Vie em São Paulo. Na rua Major Sertório, então a boca do luxo.
O La Vie en Rose paulistano tinha o teto com estrelas e era frequentado por gente fina, como os Monjardim, a família de Maysa, a cantora. Na Major, havia ainda O Galo Vermelho e o João Sebastião Bar. Assim como a boate Tetéia, onde o pianista era o Edmundo Villani-Côrtes, compositor-arranjador que mais tarde voltou-se para o erudito, e o Club de Paris, onde quem se sentava no banquinho era o organista Walter Wanderley, então casado com Isaurinha Garcia. O conjunto do Breno se revezava com o argentino Hector Lagna Fietta, celebrizado como autor das trilhas de Mazzaropi. O tempo foi passando, e o Alemão pulando de boate em boate, Baiúca, Black and White e tantas outras, noite após noite. Foi chamado para gravar pelo Poly, nome artístico de Ângelo Apolônio, o rei da guitarra havaiana, dono de sucessos como Moendo Café e Noite Cheia de Estrelas. Foi Poly quem deu para Alemão um método de guitarra, editado pela própria Gibson, de 1939, até hoje com ele.
Em Curitiba, Alemão havia conhecido um trombonista chamado Raulzinho, ou melhor, Raul de Souza, sargento da aeronáutica que sempre dava um jeito de escapar do plantão para dar canja na boate. Acabou sendo expulso porque improvisou em cima do Hino Nacional, garante Alemão. O fato é que Raul foi chamado para tocar com Roberto Carlos, um ídolo emergente. Passou um tempo e Bruno, primeiro baixista do RC, viria atrás do Alemão para se juntar à banda. Olmir pediu que ele tocasse um pouco de baixo e, quando viu que o músico era fraco, saiu fora. Roberto logo estourou. Em seguida, quem também estourou foi a mulher do Alemão, que sabia da esnobada que o marido havia dado. Assim, o guitarrista amargava a dupla penúria de ser um talento mal remunerado e um abstêmio na noite, quando o carteiro bateu pela segunda vez na sua porta. Desta vez, era Vicente Sálvia, o Vitché, um tecladista de sua confiança que, ao lado do baixista Newton Siqueira Campos, veio com uma proposta de montar um grupo para Wanderléa. Ao lado de Vitor Manga, sobrinho de Carlos Manga, na bateria, e de Carlos Alberto Alcântara (hoje na Jazz Sinfônica), no saxofone e flauta, Alemão se tornou um Wandeco. Mas o irascível guitarrista não estava enganado. Em uma das edições do programa Jovem Guarda, Roberto Carlos resolveu interpretar Ruby, canção de outro rei, o Ray Charles. Por questões óbvias, os Wandecos foram convocados para acompanhar sua majestade. E no próximo episódio, Alemão conhece Hermeto Pascoal e Lanny Gordin.
|
|
Deixe um comentário