Ganhar ou perder eleições faz parte do jogo democrático. O importante é o candidato sair de qualquer campanha eleitoral maior do que entrou, mesmo perdendo.
O maior exemplo disso é o próprio Lula, que perdeu três eleições presidenciais e saiu maior de cada campanha, acumulando força e votos, antes de conquistar sua primeira vitória, em 2002.
Recordo-me bem da primeira campanha, em 1989. Em meio àquela baixaria toda de Fernando Collor, quando partiu para o ataque no desespero, ao se ver ameaçado na reta final do segundo turno, Lula proibiu seus marqueteiros e assessores de utilizar as dezenas de denúncias sobre a vida pessoal do adversário que chegavam ao comitê.
Recorro a um trecho do meu livro de memórias (“Do Golpe ao Planalto – Uma Vida de Repórter” – Companhia das Letras) para contar o que aconteceu naqueles dias:
Diante da nova tática do adversário, que botou no ar um coquetel de tabus – aborto, racismo, filha fora do casamento – dirigido às camadas menos esclarecidas da população, havia duas alternativas: responder no mesmo nível, já que a vida pregressa do oponente oferecia farto material para jogar no ventilador, ou manter a campanha na linha definida desde o início, ou seja, de só discutir os grandes problemas nacionais e apresentar propostas viáveis para a sua solução. Lula escolheu a segunda, o que levou o deputado federal Paulo Delgado, do PT mineiro, a definir com bom humor os acontecimentos daqueles últimos dias de campanha para o segundo turno: “Eles vieram de Chicago, e nós continuamos de Woodstock”.
Desta vez, aconteceu o contrário. Quem veio com armas de Chicago foi o PT de Marta Suplicy, na eleição em São Paulo, partindo para a baixaria contra Gilberto Kassab, do DEM, e quem continuou de Woodstock foi o bom e velho Fernando Gabeira, no Rio, covardemente agredido pelo candidato Eduardo Paes, do PMDB (ex-PV, ex-PFL de Cesar Maia, ex-PTB, ex-PSDB, um verdadeiro homem de partido).
Pensei que este tempo de levar a campanha eleitoral para a lama, quando as pesquisas mostram um cenário desfavorável, tivesse ficado para trás e nunca mais eu fosse obrigado a escrever sobre este esgoto da política que, na falta de argumentos, parte para atacar a vida pessoal do adversário.
Começou à tarde com as inserções do PT no rádio e na televisão e continuou à noite com os debates promovidos pela Bandeirantes no Rio e em São Paulo, quando a campanha eleitoral atingiu seu ponto mais baixo e deprimente nestas eleições de 2008.
“É casado? Tem filhos?” O que quis dizer a campanha de Marta ao ficar martelando estas perguntas sobre a vida de Gilberto Kassab? Por acaso tem algum eleitor em São Paulo que não saiba que o atual prefeito candidato à reeleição é solteiro e não tem filhos?
Qual é o problema? O que isso tem a ver com a decisão dos eleitores na hora de votar para escolher o candidato ou a candidata que considerem melhor para administrar a cidade?
Como os comentaristas anônimos da internet, o locutor da campanha petista faz uma insinuação covarde, sem coragem de assumir o preconceito implícito.
Da mesma forma, o eclético e multipartidário Eduardo Paes, na falta de outros argumentos para enfrentar o adversário que passou à sua frente nas pesquisas, veio com aquela história mofada de insinuar que Fernando Gabeira faz a apologia das drogas, que é muito liberal em relação a esta questão.
Em São Paulo, o tempo todo parecendo bastante alterada, Marta Suplicy, ela própria vítima de todo tipo de preconceito durante sua carreira, resolveu desconstruir o adversário, partindo para o ataque diante de um assustado Kassab, na certeza de que os anúncios da tarde haviam abalado o oponente.
Pouco importa que um tenha chamado o outro de mentiroso e os “juristas” (quem são?) da Bandeirantes tenham dado direito de resposta a Kassab e negado a Marta, e que seus jornalistas tenham levantado a bola para o prefeito enquanto interrogavam a ex-prefeita como se ela estivesse num tribunal.
O que ficou ao final do debate foi a imagem de Marta Suplicy parecendo Collor em seus piores momentos de 1989. A diferença é que Collor acabou vencendo a eleição e Marta, 17 pontos atrás de Kassab no Datafolha, sem que o mais fanático petista alimente a mais remota esperança de uma virada, agora corre o sério risco de sair da eleição muito menor do que entrou.
Embora no Rio a disputa esteja mais apertada, Gabeira já se saiu vencedor para os que defendem um mínimo de ética na política e não se dispõem a pagar qualquer preço para ganhar uma eleição, como faz Eduardo Paes, que já perdeu o respeito, depois de rastejar atrás do apoio do presidente Lula que ele ofendeu gravemente na CPI dos Correios.
Quem quiser saber mais sobre quem é Eduardo Paes, o adversário de Fernando Gabeira no Rio, não deve deixar de ler o artigo de Ricardo Noblat, “O Rio de quem mesmo?”, publicado hoje no jornal “O Globo” e no seu blog: www.oglobo.com.br/noblat.
O pior de tudo é que estas baixarias só fornecem farta munição para os oldneocons da imprensa que encontraram um belo nicho de mercado com seu antipetismo e antigovernismo militantes, deitando e rolando agora ao combater os preconceitos que antes defendiam alegremente.
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