A cadete Déborah de Mendonça Gonçalves, uma moça risonha de 20 anos, aluna do segundo ano da Academia da Força Aérea (AFA), em Pirassununga (SP), alinhou o monomotor T-25 da FAB na cabeceira da pista e se preparou para a decolagem. E uma idéia lhe veio à cabeça: “Eu tenho dois anos de carteira de motorista e até hoje meu pai, motorista de táxi, não me deixa dirigir sozinha em São Paulo. E esse pessoal me dá um avião para eu voar”. Sorrindo para si mesma, concluiu: “Eles devem saber o que fazem. Então, vamos lá”. Acelerou o avião e decolou para seu primeiro vôo-solo. Era o dia 6 de março e Déborah, uma paulistana da Vila Olímpia, depois de cumprir sem falhas as duras 13 etapas do treinamento básico, realizava o sonho de todo candidato a piloto: voar sozinho, sem a presença inibidora, mas protetora, do instrutor a bordo.
Mulheres na carreira de pilotos militares – aqueles que, em algum momento, podem participar de combates aéreos, missões de transporte de tropas ou resgate em lugares inóspitos – são uma novidade que poucas forças aéreas no mundo já adotaram. Déborah – junto com cinco colegas do segundo ano – faz parte da quarta turma a entrar na AFA.
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No ano passado, 11 moças pioneiras da aviação militar brasileira se formaram, depois de quatro anos de estudos pesados e dura rotina militar. Este ano, três alunas do quarto ano tentam repetir a façanha. Das três que iniciaram o curso em 2004, hoje no terceiro ano, somente uma conseguiu ser aprovada em todas as etapas preliminares da preparação de piloto. Em 2006, 11 garotas passaram nas provas de admissão. Por enquanto, elas enfrentam nove aulas diárias de disciplinas relacionadas a administração pública, atividades militares e, claro, muita educação física e esportes. No ano que vem, vão encarar o primeiro avião de suas vidas, o T-25.
E o que leva moças de 18 – 20 anos de idade a se aventurar em uma carreira que, além de predominantemente masculina, exige dedicação integral? Para os responsáveis pela AFA, voar tem sido igualmente o sonho de mulheres e homens. As moças da AFA confirmam: “Quando morei nos Estados Unidos, no final dos anos 1990, acompanhando meu pai, coronel da FAB, soube que lá as mulheres podiam ser pilotos militares e até pensei em me inscrever na Força Aérea norte-americana. Felizmente, logo que voltamos, a FAB abriu a carreira para nós. E aqui estou”, comemora a cadete Marília Landgraf Malta, do terceiro ano.
A FAB testou a abertura de sua academia para as mulheres em 1997, com o curso de oficiais intendentes. Hoje, as mulheres somam mais da metade dos cadetes da especialização. Derrubado o primeiro bastão do machismo, o comando da FAB decidiu destruir mitos ainda mais arraigados: mulheres como pilotos de combate. E a AFA se abriu de vez às mulheres. Das 11 já formadas, três foram selecionadas para pilotos de caça e, em Natal (RN), começam a conhecer os novos Super Tucanos – os A-29. Daí poderão passar aos jatos supersônicos e, em poucos anos, pilotar máquinas de combate como os recém-chegados Mirage 2000.
“As cadetes têm demonstrado aptidão para o vôo e desempenho idênticos aos dos homens”, comenta o major Ricardo Beltran Crespo, instrutor de vôo que comanda o Segundo Esquadrão de Instrução Aérea, destinado às alunas do segundo ano. Piloto de helicóptero, mas com uma década de experiência na instituição e três anos como um dos ases da Esquadrilha da Fumaça, ele chefia cerca de 50 oficiais instrutores encarregados de ensinar os primeiros passos da arte de voar aos cadetes. A tarefa é dura e, muitas vezes, ingrata.
“Um cadete tem de cumprir com eficiência 13 missões, pilotando um avião junto com o instrutor, antes de fazer o vôo-solo”, explica Beltran Crespo. Depois, faz dezenas de vôos, manobras e acrobacias, em formatura e navegação visual. No terceiro ano, somente estudos acadêmicos, e, no quarto, a alternância diária entre estudos em sala de aula e vôos, manobras mais arriscadas, formações com quatro aviões, navegação visual em circuitos de longa duração e vôo noturno.
A competência das mulheres é confirmada pelo chefe do Esquadrão de Instrução Aérea do quarto ano, o major Marcelo Gobett Cardoso – outro com uma década na função de instrutor e também ex-integrante da Esquadrilha da Fumaça. “Elas são exatamente iguais aos homens, tanto em termos de disciplina e comportamento, quanto de aptidão para o vôo. Seu desempenho nesses dois anos é uma boa prova disso”, afirma.
Neiriani Marcelli da Silva Costa
Quando a brasiliense Neiriani desceu do Tucano em que tinha acabado de fazer seu primeiro vôo-solo, três coisas a esperavam: um banho de mangueira, tradição destinada a todo piloto que “sola” pela primeira vez; um cachecol especial, colocado por seu oficial instrutor e que simboliza o novo status; e um abraço do pai, o suboficial da FAB especialista em eletrônica Paulo Roberto da Silva Costa, 50 anos, que viajou de Brasília para Pirassununga para testemunhar o momento mágico da filha. Emocionado, ele, que entrou para a FAB há 30 anos como sargento, dizia que a filha realizava um sonho de toda a família.
“A FAB faz parte da minha vida desde que nasci e ser piloto sempre foi meu sonho”, conta a moça. No entanto, ela lembra que, no segundo ano, quase foi desligada por falhas nos vôos. “Eu ‘plaquei’ no pouso, quase provocando um acidente. Chorei muito escondida, mas decidi que não ia errar mais.” O que ela quer no futuro? Neiriani responde, sem pestanejar: ser piloto de caça.
Déborah de Mendonça Gonçalves
Ex-aluna do tradicional Colégio Dante Alighieri, em São Paulo, Déborah, de 20 anos, sempre sonhou pilotar aviões. “No Dante, de tempos em tempos, apareciam pessoas falando de suas profissões. Mas a coisa mais parecida com Força Aérea de que ouvi falar lá foi o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica).” Foi só no cursinho pré-vestibular para o ITA que ela descobriu que lá aprenderia a projetar aviões, mas não a pilotá-los. “Foi quando um colega comentou que tinham aberto vagas para mulheres na AFA. Lá, sim, eu poderia ser piloto”, lembra.
Déborah fez o concurso duas vezes, até passar. “Só não esperava que o período de adaptação, em que se aprende a marchar, a fazer movimentos com armas, a conhecer os toques de corneta, a ter disciplina militar, fosse tão duro”, conta. Apesar de tudo, no final do ano passado conquistou o que considera um marco em sua vida: foi a primeira de sua turma a “solar”. Depois, neste ano, nas 14 missões recebidas, não teve notas negativas.
Débora Ferreira Monnerat
Débora Ferreira, 22 anos, de Nova Friburgo (RJ), filha de um professor de Artes Marciais e uma comerciante, sempre foi apaixonada por esportes. Aos 17 anos, percebeu que queria ser piloto. “Mas não de aviões comerciais e sim de aviões de combate”, conta. Em 2002, quando a AFA abriu vagas para mulheres, inscreveu-se para tentar o curso de Aviador. No primeiro ano, tomou pau em Matemática. No concurso seguinte, em 2003, lá estava ela de volta. Dessa vez foi aprovada.
Ela lembra dos 40 dias do período de adaptação, no qual, cada vez que ria, ouvia gritos e sofria punições. “A gente aprende a ser militar no susto”, diz. Agora, além de já ter “solado” no Tucano, Débora tem feito bom uso da genética de atleta herdada do pai, Márcio: foi campeã sul-americana de Pentatlo Militar, dura competição que envolve corrida em pista de obstáculos, natação também com obstáculos, corrida cross-country, tiro de fuzil e lançamento de granada. O sonho, agora, é ser indicada como oficial para a aviação de caça.
Marília Landgraf Malta
Marília, uma loura alta de 22 anos, é a típica filha de militar. Os pais são paulistas – conheceram-se quando o então cadete José Geraldo Malta estudava na AFA e a mãe, Graça, morava em uma cidade próxima a Pirassununga. Ela nasceu no Recife e o irmão Marcos, dois anos mais novo, no Rio. A paixão pela carreira do pai foi uma coisa natural. “Se ele nunca chegava em casa aborrecido, seu trabalho devia ser muito bom. E eu queria ser piloto da FAB”, afirma.
Em 2002, fez o concurso para a AFA. E foi reprovada em Física por dois anos seguidos. “Não desisti. Meu namorado, Thiago Junqueira, era ótimo em Física e péssimo em Inglês. “Eu dava aulas de Inglês para ele e ele me ensinava Física. E acabamos passando no concurso. Ele para o terceiro ano da Escola Preparatória de Cadetes do Ar de Barbacena (MG) e eu direto para a AFA.” Ela está no terceiro ano e ele, no segundo. Hoje ela treina para “solar” no T-25. E sonha com a aviação de caça, mas sabe que isso vai depender de seu desempenho no ano que vem.
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