Em 40 anos de profissão, o olhar de Nair Benedicto acompanhou a história do Brasil. Engajada, política e consciente do papel da fotografia, com sua câmara ela esteve presente nos momentos importantes da vida cotidiana brasileira e os transformou em inesquecíveis.
Batalhadora, seu olhar é amoroso perante cenas e personagens que consegue vislumbrar. Um olhar aguçado que se forjou no fotojornalismo desde o início dos anos 1970. A fotografia não foi sua primeira opção profissional, Nair queria trabalhar na televisão e foi estudar rádio e televisão na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP. Foi ali que se engajou no movimento estudantil. Foi presa pela ditadura. Na cadeia, fez encontros que se transformaram em amizades da vida toda. Ao sair, escolheu a fotografia como sua forma de expressar o que acontecia no País.
Hoje, sem dúvida, é figura importante da história da fotografia e do fotojornalismo brasileiros. Merecidamente, foi a fotógrafa homenageada no Festival Internacional de Fotografia de Porto Alegre (FestFotoPoA) neste ano. A homenagem resultou no livro Vi Ver. “Não é uma retrospectiva, não queria isso”, diz Nair. “Na verdade, foi um mergulho em meus arquivos e, quanto mais eu via e revia fotos, percebi que o fio condutor inexorável era o tempo.” Imagens que foram deixadas de lado em determinada época ou relegadas a um segundo plano retornaram à luz nesse livro, sendo ressignificadas e nos ajudando a reescrever ou a rever a história recente do Brasil: “50% das imagens são inéditas”.
O resultado é um belíssimo livro, não montado em ordem cronológica nem na ordem dos fatos. Dividido em dois grandes blocos – Amazônias e Desenredos –, procura por meio da metáfora fotográfica entregar sua visão, nunca sensacionalista. Embora muitas vezes silenciosa, suas imagens têm uma força profunda. Em seu olhar, o respeito pelos personagens mas também pela paisagem. Por isso, Amazônias: “São várias e muitas conheci nos anos 1980, 90, tempo em que o governo estimulava o desmatamento. Vi nascer várias cidades, conheci e trabalhei com os índios, soube e acompanhei o que era o extrativismo”, relembra-se.
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Em Desenredos, trabalhos esparsos, histórias sem fim. Imagens de personagens, nas ruas de várias cidades brasileiras, das metrópoles à praia, o olhar singelo no Jardim da Luz em São Paulo, o beijo no forró, os primeiros movimentos sindicais que anunciavam o fim da ditadura ou o surgimento de Lula como líder, o movimento dos sem-terra, a luta das mulheres por seus direitos, a fé religiosa em várias partes do Brasil. Como escreve o pesquisador e crítico de fotografia Rubens Fernandes Junior em um dos textos do livro: “Impossível não destacar que sua temática é política e social”. Ele acrescenta em outra parte do mesmo texto: “Trabalhou a vida inteira como free lancer, afirmando a cada trabalho sua independência. Essa coragem é que lhe deu liberdade para olhar e fotografar qualquer tema sem restrições”.
Mas não foi só como fotógrafa que Nair Benedicto trabalhou para manter viva nossa memória. Em 1979, com Juca Martins, Ricardo Malta e Delfim Martins, ela montou a agência de fotografia F4. Tempo difícil, época em que os quatro marcaram presença e se colocaram como autores e atores políticos. A F4 é referência até hoje quando se fala em agências fotográficas brasileiras. Nos anos 1990, Nair participou com outros profissionais do surgimento do NAFOTO, que foi responsável pelo Mês Internacional da Fotografia na cidade de São Paulo. Por meio dele, trouxe ao Brasil vários pesquisadores, historiadores e fotógrafos para discutir a imagem. E é isso que importa para Nair: “A certeza de que ninguém faz nada sozinho, sem os outros a gente não cresce”. E alguns desses outros estão presentes nas páginas do livro, escrevendo e testemunhando sobre a profissional.
O título livro Vi Ver foi tirado de um grafite de Mauro Neri da Silva, que ela encontrou há dois anos nas ruas de São Paulo. Uma brincadeira com as palavras “ver” e “viver” que, na verdade, podem resumir o trabalho de Nair Benedicto.
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