Viciado em ler jornal _ de papel mesmo _ desde que aprendi a falar e ler em português quando entrei na escola, com seis anos, sempre me chamaram mais a atenção as fotografias do que os textos. Fotografia não engana, não esconde, não tem como manipular os fatos.
Por isso, quando virei jornalista, sempre procurei trabalhar com bons fotógrafos e dei muita sorte nisso (não vou citar nomes porque foram muitos). Até porque, uma boa foto sempre ajuda a conseguir espaço para a matéria na primeira página, objetivo principal de qualquer repórter, moço ou velho.
Como meu primeiro trabalho na área foi de ajudante de jornaleiro, aos 12 anos, podia ler todos os jornais e revistas de graça. No fim do dia, eram as imagens que levava guardadas na memória para casa, não a opinião dos donos de colunas.
Agora que vivemos no império do audiovisual, em que as pessoas, dizem, têm cada vez menos tempo para ler, acho que as imagens ganharam mais poder ainda.
Pude constatar isso ao fazer um balanço da última campanha eleitoral em São Paulo. Mais do que tudo que se escreveu sobre as razões da sua derrocada, foram as fotografias mostrando cenas da campanha do candidato tucano Geraldo Alckmin que me chamaram a atenção para o drama humano, que sempre me toca mais do que o político.
Foi uma série sem fim de imagens retratando a solidão do candidato, que chega aos últimos dias da campanha eleitoral acompanhado apenas da mulher e da filha para distribuir pessoalmente seus panfletos pela Radial Leste, enquanto dois correligionários seguem atrás, segurando bandeirinhas com o nome de Alckmin.
Tudo bem que ele mais uma vez forçou a barra para ser candidato, contra a vontade do governador José Serra, e por isso mesmo não conseguiu unir nem seu partido, ficando sem alianças fortes e com escasso tempo na televisão.
Há muitas formas para explicar porque chegou a esta situação, sem esperanças, segundo todas as pesquisas, de sequer ir para o segundo turno.
Mas nada será capaz de explicar melhor o que aconteceu e apagar da minha memória aquela cena patética do candidato almoçando absolutamente só num fim de semana, sem mais ninguém sentado com ele à mesa ou à sua volta.
Candidatos em campanha, quaisquer candidatos em qualquer eleição, estão sempre cercados de muita gente, nem que sejam apenas assessores e puxa-sacos ou cabos eleitorais remunerados.
Lembro-me das várias campanhas presidenciais de Lula em que trabalhei, quando uma das dificuldades era, justamente, arrumar algum lugar em que o candidato pudesse comer em paz, sem ninguém para pedir um autógrafo ou uma foto ou simplesmente para dar um abraço _ geralmente, isso só era possível nos quartos dos hotéis.
Uma vez, em Salvador, já tarde de noite, depois do último comício do dia, ele resolveu fazer uma brincadeira com o garçon no quarto do hotel. Enquanto esperávamos pela canja pedida ao room service, ficamos vendo na televisão uma entrevista gravada por Lula no programa do Jô Soares.
Lula se escondeu debaixo do lençol para dar um susto no garçon. Assim que entrou no quarto com o carrinho de comida, perguntei para ele, como foi combinado, quem era o barbudo na tela. O cara olhou, olhou, fez cara de não sei, e lascou:
“O gordo é o Jô Soares, agora este barbudo não sei quem é, não”
Lula permaneceu debaixo do lençol e, quando o garçon lentamente se afastou, comentou, desenxabido, botando a cara pra fora:
“É, pessoal, acho que não estamos com esta bola toda, não”
Estávamos no início da primeira campanha presidencial pós-ditadura, em 1989, mas Lula já era uma figura nacionalmente conhecida, quer dizer, pelo menos achava que era.
Hoje, este garçon certamente já sabe quem é aquele barbudo (conto este episódio no livro “Do Golpe ao Planalto _ Uma vida de repórter”, lançado pela Companhia das Letras, em 2006).
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