As mil e uma noites

Voltei do Oriente com a Capadócia na cabeça.  Amei Istambul, enlouqueci com Roma, mas a Capadócia, para mim, é um filme de ficção.

Não é possível conceber uma cidade que foi se construindo geologicamente pelas erosões, em um terreno de três milhões de anos, em estilo totalmente “fálico”, com uma torre atrás da outra. No ano de 452 d.C., as torres se transformaram em esconderijos para os cristãos que fugiam de outras religiões – espécies de “aparelhos” gigantes, como eram chamados os esconderijos dos jovens engajados no Movimento Estudantil durante a ditadura militar no Brasil.

Dentro das torres foram construídas salas, quartos, lugares para animais, que serviam também de banheiros, dentro de dez, 12 andares subterrâneos, um trabalho que levou muitos anos para ser finalizado.

Os cristãos fizeram ainda igrejas, que foram ornadas com afrescos de santos e Jesus nas paredes e nos tetos de pedra, onde se vê, em uma delas, Judas segurando a bolsa de dinheiro, como um mensaleiro da época. Em uma das igrejas, chamada Santo Onofre, vê-se o retrato dele em um afresco na parede, com dois sexos expostos: um feminino e outro masculino. Eu, que sou católica, nunca tinha ouvido falar desse fato curioso, nem de um hermafrodita concebido naquela época, sem plásticas nem tecnologia. Não sei se algum dia esse fato foi comentado na Igreja Católica, apesar de o afresco estranho chamar a atenção.

Tudo na Turquia é exagerado e extremamente belo. Entendi o porquê de o Oriente agora virar moda. Acho que antigamente o conceito de exagero era considerado brega. Pois não é. Tudo lá é estonteante, como a arquitetura, os jardins, a decoração dos palácios, as joias e bijuterias que enfeitam as mulheres magras e chiquérrimas com jeans apertados, botas altas, casacos justos e lenços ou burcas no rosto.

O exagero do tamanho dos tapetes, dos jardins ou das joias devem ter arrasado por muitos séculos, até a França lançar uma moda sóbria, mudar o sentido de elegância e transformar o significado de chique que, na certa, queria dizer: uma elegância discreta, sem chamar atenção. Sóbria.

Mas acho que tudo depende da atenção que se quer chamar, se por meio de um design discreto ou outro e espetacular, segundo o ponto de vista da  criatividade excepcional do Oriente mostrada em seus muitos estilos.

Desde a minha infância e até pouquíssimo tempo atrás, sempre vi as pessoas viajarem para a Europa e os Estados Unidos, ou seja, Paris e Nova York. Adoro as duas cidades. Mas agora que o mundo se abriu para o Oriente, sinto que foi uma descoberta de que estávamos precisando, como As Mil e Uma Noites que explodiram ao raiar do dia, ao sol nascente, proporcionadas pelos balões da Capadócia por meio de uma simples cestinha de palha que carrega o mundo, em uma interação das raças, fazendo as pessoas voarem como anjos ou fadas, transformando a paisagem em designs exagerados que explodem do inconsciente e despertam a felicidade contagiante recalcada dentro de nós.


*É atriz, atuou em mais de 50 filmes, 15 telenovelas e minisséries, além de peças de teatro. Também é cronista do Jornal do Brasil e autora do livro O Quebra-Cabeças (Imprensa Oficial, 2005), uma compilação de crônicas publicadas pelo jornal.


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