Assim como um ano e meio atrás

 

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…“ O jogo atual tem de ser mudado, e não é através de delirantes e ilegítimas
propostas de impedimento de candidatos legitimamente eleitos.
Muito menos pela psicopatia do saudosismo patológico que berra pela volta de militares.
Isto só serve mesmo é para adubar a estultice dos bolsonaros”…


O texto reproduzido abaixo foi escrito em novembro de 2014 para a edição de dezembro. Peço permissão aos leitores da Brasileiros para, 17 meses depois, recomendar a leitura que me parece atual, inclusive o título. A capa daquela edição, a de número 89, hoje esgotada, reproduzida na página ao lado, pedia uma reforma política. O seu conteúdo abordava a mudança das regras do jogo como caminho para combater a corrupção. A reportagem tinha o sugestivo título “Mãos à obra”, apelo que não foi atendido. A procrastinação e a incompetência por um lado, e a desfaçatez, a canalhice e o oportunismo, por outro, permitiram que hoje o pior acontecesse. Quem colocou brilhantemente a mão na massa foi o fotógrafo brasileiro Mauricio Lima, vencedor do Prêmio Pulitzer 2016, ao lado do russo Sergey Ponomarev, do americano Tyler Hicks e do alemão Daniel Etter. Entrevista exclusiva com Mauricio Lima, feita por Simonetta Persichetti, abre com esperança nossa edição 106.


Estutice e constrangimento

por Hélio Campos Mello, Edição 89 de dezembro de 2014

Na capa desta edição, um assunto recorrente em efervescentes tempos de eleição, como os que hoje vivemos. Sob os cuidados de nossos repórteres Luiza Villaméa, Manuela Azenha e Vinícius Mendes, o material que a Brasileiros produziu sobre reforma política é bastante caudaloso e essencialmente didático. Verdadeiro colecionável – tanto para quem a defende quanto para quem deve implementá-la –, nossa reportagem aborda desde as modalidades de financiamento de campanhas até os vários sistemas de votação. Em foco também as maneiras de mudar o jogo, seja por meio de plebiscito, referendo ou assembleia constituinte, e os temas a serem debatidos, como o voto facultativo e uma eventual mudança no calendário eleitoral.

O jogo atual tem de ser mudado, e não é através de delirantes e ilegítimas propostas de impedimento de candidatos legitimamente eleitos. Muito menos pela psicopatia do saudosismo patológico que berra pela volta de militares. Isto só serve mesmo é para adubar a estultice dos bolsonaros.

Há muito que reformar. E há muito tempo. A corrupção é uma realidade histórica, não uma exclusividade atual.

O tesoureiro de Dom João VI até inspirou trova popular: “Quem furta e esconde/passa de barão a visconde…”. O de Fernando Collor aumentou “excessivamente” as taxas de corrupção. Já Fernando Henrique Cardoso conseguiu um segundo mandato com a ajuda de deputados, como Ronivon Santiago, que declarou ter recebido 200 mil dinheiros para mudar a constituição a favor da reeleição.

No Brasil, à Casa Grande tudo se perdoa, já à senzala… Bem, a ela a Justiça.

Há de reformar também as maneiras, os modos. Não faz bem saber, ao ler a Folha, que o candidato derrotado Aécio Neves disse: “Nós vamos perder, mas vamos sangrar estes caras até de madrugada”. Constrangedor – pelo menos deveria ser – até para quem não é petista, até para quem não votou em Dilma.

Mesmos sentimentos provoca a leitura do Estadão, cujos repórteres flagraram José Serra contando vantagem da maldade que fez ao sabotar o projeto do trem-bala. O senador não só admitiu o feito como acha que merece ser condecorado por isso. Afinal, o que teria motivado o ex-governador? O transporte sobre trilhos é prioridade em países da Europa e no Japão por motivos simples: ajuda a solucionar o trânsito, barateia custos da viagem, polui menos e costuma ser rápido. Serra aproveitou para espalhar a cizânia, elogiando o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, com quem, segundo ele, arquitetou o plano para retardar o projeto. Parece até que um sorrisinho acompanhou o relato do tucano, à maneira daquele competidor da corrida maluca dos desenhos animados.

Também é estranho que Rosângela Wolff de Quadros Moro, mulher de Sergio Fernando Moro, o juiz responsável pela Lava Jato, seja assessora jurídica de Flávio Arns, vice do governador do Paraná, Beto Richa, do PSDB.

Por outro lado, mais que constrangimento, dá vergonha presenciar a desfaçatez de Paulo Roberto Costa, o diretor de abastecimento da Petrobras, ao se declarar arrependido por ter aceitado apoio político para conseguir o cargo (e, por meio dele, ter garantido o próprio abastecimento, é bom acrescentar). E consta que em sua delação premiada – estranho isto, premiar delação… – ele ainda conseguiu manter um bom naco de seu patrimônio. Já a Petrobras não foi tão feliz. Ela paga o alto preço dos ataques que sofreu e vem sofrendo desde muito tempo e de todos os lados.

A corrupção por aqui se institucionalizou pelos idos de 1808, com a chegada de Dom João VI e a família real, corridos de Portugal por Napoleão e aqui desembarcados com a proteção dos ingleses. De lá para cá, ela só fez se aprimorar. Já é hora de combatê-la com eficiência. Reformas já!

Um ano e meio depois, o Supremo Tribunal Federal determinou, em sessão extraordinária na noite do dia 14, madrugada do 15 de abril de 2016, que o plenário da Câmara dos Deputados se ativesse às acusações de atraso no repasse de verbas aos bancos oficiais pela Presidência da República – as tais pedaladas fiscais –, consideradas crimes de responsabilidade pela comissão do impeachment da Câmara. Com isso o STF proibiu que os deputados juntassem mais pedras para atirar contra Dilma como, por exemplo, a delação premiada de Delcídio Amaral. Mas não foi obedecido.

No domingo, 17 de abril, os 342 votos necessários para que o processo de impeachment seguisse para o Senado foram alcançados. Dos 511 deputados presentes no domingo, 17 de abril, 367 votaram a favor do impeachment, 137 contra e sete se abstiveram. Dois se ausentaram.

O balanço mostra que, estranhamente, só 16 dos que votaram pelo impeachment de Dilma se ativeram à causa constitucional aprovada pelo STF como necessária para que o processo de impeachment da presidenta da República, ou seja, as pedaladas fiscais, fosse em frente.

Já Deus, família e corrupção foram muito citados. Meus netos, a tia Eurides, minhas noras, os corretores de seguro. Ah, o Sergio Moro, o fora Pezão e o fora Lula, entre muitos outros.

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O torturador-chefe do Doi Codi, Carlos Alberto Brilhante Ustra, mais que citado, foi homenageado, assim como os militares do golpe de 64.

O sim a favor do impeachment foi também justificado como defesa contra os bandidos que querem destruir a família brasileira “com propostas de que crianças troquem de sexo e aprendam sexo nas escola com seis anos de idade” e também em defesa de uma rodovia, a BR 400 e alguma coisa que agora não me recordo com precisão.

Ou seja, se o STF tivesse se feito respeitar, se fosse obrigatório aos deputados se ater unicamente às pedaladas, o impeachment não teria sido aprovado e hoje nós estaríamos pressionando o governo, pressionando a presidenta da República para que finalmente governasse até 2018, como assim determina a Constituição. E governasse com competência, coisa que ainda não aconteceu. Aliás, essa questão do gênero do substantivo presidente, que já foi aqui abordada, continua transcendendo a questão gramatical, virou mais uma pinimba ideológica neste caldeirão de ódio cretino com o qual convivemos. Aqui na Brasileiros continuamos a chamar Dilma Rousseff de presidenta porque está lá no Dicionário Houaiss. Isento como deve ser, não me consta seja ele um dicionário petisto, perdão, petista. E lá no Houaiss permite-se o uso de presidenta no feminino. Se ela preside ou não, são outros quinhentos, mas a palavra pode assim ser usada. No feminino. Diferentemente da palavra golpista, que não existe como golpisto, ou fascista, que também não existe como fascisto. Mas presidenta sim e independentemente de ela presidir ou não.


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