Julgamentos de acidentes de trânsito têm sido mais rigorosos em casos com carros caros, diz especialista

Fotos reprodução

Na mesma semana em que as regras da Lei Seca se tornaram mais rígidas, saiu a notícia de que o motorista que se envolveu em um acidente com seu Porsche, em 2012, em São Paulo, responderá por homicídio doloso (com intenção de matar) pela morte da advogada que dirigia o outro carro. A decisão é rara em acidentes do tipo.

Se ambos os casos parecem demonstrar um endurecimento nas leis e punições quando se trata da associação “álcool e velocidade” – respondendo a um anseio da sociedade –, há diversos riscos de exageros e hipocrisias por trás das decisões. É isso o que afirma o presidente da Comissão de Trânsito da OAB-PR, Marcelo José Araújo, procurado pela Brasileiros para comentar os casos.

Araújo não economizou palavras para falar da situação atual: “As pessoas julgam, mas fazem igual. Até os juízes e promotores, que acusam e condenam, também bebem e dirigem”, diz ele, que é também professor de Direito do Trânsito.

Julgando ricos e famosos

O caso do motorista do Porsche, para o professor, é símbolo de um tipo de julgamento arriscado, cada vez mais comum. Quem havia ingerido grandes quantidades de álcool e passou no sinal vermelho, no acidente, foi a advogada Carolina Santos, que não sobreviveu. O grande vilão da história (e é importante lembrar que ele estava a mais de 100 km/hora), no entanto, virou o motorista Marcelo Lima, do Porsche. “Me parece que os referenciais de marcas de carro estão servindo para rotular, e isso é perigoso. Daqui a pouco você ter um Camaro ou um Mercedes pode gerar um preconceito.”

Nessa linha, Araújo está longe de defender o motorista do Porsche, mas considera que o crime em que ele se envolveu tem a ver com negligência e imprudência, mas não com intenção de matar (dolo). “Há uma tentativa de se fazer julgamentos exemplares em casos com pessoas ricas ou famosas. Se o cara estivesse em um Uno, não acho que ele estaria sendo julgado desse jeito”, afirma.

“Os juízes estão pegando mais pesado, mas só nos casos de grande repercussão, e isso alimenta um certo sadismo da sociedade. Porque há tragédias semelhantes acontecendo todos os dias por aí, mas não com Porsches ou com o filho do Eike Batista”, continua Araújo.

O julgamento com dolo, segundo o professor, permite penas maiores, que não seriam possíveis com casos “culposos” (sem intenção). Uma possibilidade para equacionar a questão seria a existência de uma categoria intermediária. “Existe uma proposta de criar uma categoria ‘culpa gravíssima’, que significa que a pessoa não quis matar, mas agiu de forma que excedeu muito o que seria uma imprudência ou negligência. Poderia ter uma pena intermediária.”

Lei Seca

Em outro ponto polêmico, a diminuição na margem de tolerância nos exames de bafômetro de 0,1 mg de álcool por litro de sangue para 0,05 mg “não muda nada”, segundo o professor. “O que não aparecia no teste antes, como um bombom de licor ou um remédio homeopático, continuará não aparecendo”, diz ele.

Araújo também não parece muito otimista quanto à mudança no comportamento das pessoas, que deveria ser um resultado da Lei Seca. “As obrigatoriedades do uso de capacete e de cinto de segurança, anos atrás, pegaram, viraram hábitos. No caso da não ingestão de álcool a expectativa é que isso contamine mais, mas ainda não é o que se vê. Por exemplo, nas festas de fim de ano, nos eventos, em que as pessoas bebem e saem de carro. Não há ainda uma grande mudança”.

 


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