Ato, seu signo é Amor

A fronteira que delimita o que é ficção e o que é documentário há muito tempo foi rompida. Hoje, o documentário ganhou força e, com ele, o formato foi se tornando cada vez mais híbrido. Assim, fica difícil classificá-lo como somente documentário ou somente ficção. O filme Amor?, do diretor João Jardim, que chega a algumas salas de cinema do Rio de Janeiro e de São Paulo nesta sexta-feira (15), vem entremeado com as várias possibilidades de se fazer um documentário. Mas esse hibridismo nasceu não como uma maneira de filmá-lo, mas pela necessidade de preservar as pessoas que deram os depoimentos ao diretor e sua equipe durante o período da pesquisa.

E de que se tratavam esses depoimentos? – foram gravadas 50 entrevistas durante um ano em centros, organizações e delegacias de algumas cidades brasileiras. São depoimentos que revelam o lado, digamos, doentio das relações amorosas: o ciúme, a posse, a culpa, a relação de poder, etc. E são esses sentimentos desencontrados e incontroláveis que levam o parceiro(a) ao ato da violência como uma maneira de subjugar o outro lado. “Esses relatos revelam o lado descontrolado e desconhecido que todos nós estamos sujeitos a ter quando nos envolvemos com alguém”, disse, com exclusividade para o site da Brasileiros, o diretor João Jardim, no hall do Espaço Unibanco, em São Paulo, em uma das sessões de pré-estreia do filme.

A feitura do documentário
Alguns críticos viram no filme de João Jardim algo semelhante ao que Eduardo Coutinho realizou há alguns anos, com Jogo de Cena. O diretor nos explica que o formato, no qual atores dão os depoimentos no lugar dos entrevistados, nasceu não da necessidade de mistura ficção com documentário, mas como maneira de preservar a identidade das pessoas que foram entrevistadas.
[nggallery id=13983]

“O teor dos depoimentos era muito forte. Além disso, os depoimentos sempre envolviam uma outra pessoa. Então, decidimos que não mostraríamos as pessoas que nos cederam as entrevistas, e sim os seus depoimentos”, explica.

A partir da decisão, o diretor chamou os atores Lília Cabral, Eduardo Moscovis, Letícia Colin, Silvia Lourenço, Fabiula Nascimento, Cláudio Jaborandy, Mariana Lima, Ângelo Antônio e Júlia Lemmertz para interpretar alguns dos depoimentos escolhidos pela equipe durante a pesquisa.

“Quando chamei os atores para interpretar aqueles depoimentos, não queria que eles tentassem atuar conforme cada um dos depoentes, e sim tentassem incorporar aquelas histórias como se fossem deles próprios”, completa. Além dessas entrevistas ficcionadas, o diretor intercala o seu documentário com cenas dirigidas e inserções de cenas de um filme.

Um futuro diretor de filmes ficcionais?
Indagamos ao diretor João Jardim se, por trás dessas cenas gravadas com atores, há alguma intenção inconsciente de dirigir, no futuro, um filme ficcional. “Não saberia te responder com certeza. Mas só posso afirmar que gostei muito de dirigir aquelas cenas e, consequentemente, de dirigir atores”. Sobre a pretensão futura de fazer um filme ficcional o diretor foi enfático. “O projeto já está a caminho”.

João Jardim começou a carreira como codiretor do documentário Janela da Alma, que realizou com o diretor Walter Carvalho, em 2002. Seguiu-se, depois, com o documentário-solo Pro Dia Nascer Feliz (2005) e o filme Lixo Extraordinário (2010), com outros dois diretores, a inglesa Lucy Walker e Karen Harley. O filme concorreu ao Oscar deste ano.

Talento para enveredar para a ficção João Jardim mostrou que tem de sobra, ao realizar esses três documentários, mas, principalmente, por suas experiências, no início da carreira, como diretor assistente de cineastas como Cacá Diegues e Murilo Salles. Foram três documentários que trazem três assuntos bem distintos: o olhar subjetivo e em construção de Janela da Alma, o problema da educação brasileira, em seu melhor filme, Pro Dia Nascer Feliz, e o trabalho social do internacional artista plástico Vik Muniz. O que o atrai em um documentário?, perguntamos. “A possibilidade de tratar de um assunto que, a priori, não conheço com profundidade. Além disso, tudo que atinge o lado humano de todos nós me atrai, me instiga”, responde João Jardim.

O cineasta dos sonhos interrompidos


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.