“Não tenho a pretensão de dar uma aula de negociação, mas quero passar a vocês a experiência que vivi”. Assim Ingrid Betancourt iniciou a sua palestra no Fórum HSM de Negociação, nesta quarta-feira (29), em São Paulo, depois de se desculpar por não falar português. Nem precisava.
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Em bom espanhol, Ingrid Betancourt deu, sim, uma aula sobre a vida e a liberdade. Fatores essenciais a qualquer ser humano e que a colombiana teve reiteradas vezes ameaçados por seis anos. De fevereiro de 2002 a julho de 2008, Ingrid foi mantida em cativeiro pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), no meio da floresta tropical colombiana. Ela foi libertada com outros 14 reféns pelo exército colombiano, em ousada operação. Todo seu drama está no livro Não há silêncio que não termine – Meus anos de cativeiro na selva colombiana (Companhia das Letras, 453 páginas), lançado agora no Brasil.
Na palestra, em evento de dois dias (28 e 29) em São Paulo, com o apoio da Brasileiros, Ingrid falou por mais de uma hora para uma plateia que a aplaudiu em pé por diversas vezes. Em várias oportunidades, ela se emocionou ao se lembrar dos horrores passados nas mãos das Farc, que definiu como “cartel militarizado de drogas”, depois de pergunta sobre ideais políticos da organização.
“Também pensei, durante anos, que as Farc tinham ideais políticos. Depois de passar seis anos refém da organização, percebi que, se havia ideais, eles se foram. O que ficou é uma organização militarizada do narcotráfico, enfraquecida e quase controlada pelo exército colombiano”, analisou, já ao final da palestra, lembrando da ação que matou o chefe militar da organização, Jorge Briceño, o “Mono Jojoy”, há poucos dias, um duro golpe para os narcotraficantes colombianos.
Voltando ao início do debate realizado no Teatro Alfa, no Hotel Transamérica, Ingrid Betancourt falou sobre a dificuldade de negociar quando não se tem nada a oferecer em troca, como foi seu caso e de outros reféns que estavam com ela. “Tínhamos de aceitar perder coisas essenciais ao ser humano, como a dignidade, para negociar certas coisas com eles. É importante se lembrar de princípios éticos e ter respeito por nós mesmos nessas horas”, contou.
A colombiana contou duas situações de negociações com os terroristas. Por exemplo, quando os sequestradores disseram para os reféns entregarem os rádios de pilha. Na Colômbia, com mais de 3 mil reféns políticos nas mãos das Farc, existem emissoras que transmitem recados de parentes e amigos dos sequestrados. “É um cordão umbilical, um canal que mantém a nossa ligação com os parentes”.
Ingrid escondeu o seu rádio, porque não conseguiria viver sem ter mais o contato com familiares. No entanto, outros reféns souberam do fato e houve um racha no grupo. No final, depois de uma negociação interna, todos assumiram a responsabilidade pelo rádio, assim como todos o usaram sem que os sequestradores o encontrassem.
“Depois de anos de cativeiro, aprendi que o mais valioso que temos é a palavra. O mais importante em uma negociação é a palavra que você usa, o tom que você usa e quando você a utiliza. A palavra, quando tem intenção real e nobre, desarma e derruba qualquer muro”, afirma.
O terrível período sem liberdade também aproximou Ingrid Betancourt a outro tipo de palavra, ao que ela chamou de “palavra sagrada”, ou seja, de Deus. Hoje, ela crê em uma força superior e se dedica mais à própria espiritualidade. Além disso, a fez enxergar a vida de outra forma. “Não existem problemas que me tirem a serenidade. Há coisas muito maiores do que nossos problemas diários. Aprendi outros valores, a ouvir mais, ter atenção aos demais e mudei minha visão de felicidade”, contou.
Ela também falou abertamente sobre duas polêmicas envolvendo seu nome. Sobre as acusações de americanos que conviveram com ela no cativeiro (e que escreveram um livro sobre o assunto, Out of Captivity (Fora do cativeiro)), a colombiana preferiu dizer que entende o lado dos reféns.
“Estávamos em uma situação extrema. Se em uma família, há diferenças com alguns, imaginem nessa situação. Prefiro enxergar os diamantes em meio a todo o barro. Tenho respeito pelas críticas deles, porque é a expressão de suas dores e angústias vividas”, resumiu, se lembrando de que fala até hoje com alguns dos companheiros de cativeiro.
Já sobre a polêmica em torno da indenização a que todo sequestrado político tem direito, ela não se estendeu. Resumiu-se a reafirmar que desistiu de um direito seu para proteger a família de mais exposição. Em julho deste ano, Ingrid Betancourt abriu mão de uma indenização de US$ 6,5 milhões (mais de R$ 11 milhões) do Estado colombiano.
Sobre o futuro, a colombiana, hoje morando na França, disse que pretende continuar com o projeto de fundação para ajudar os reféns políticos em seu país. Por ora, não quer se envolver novamente na política institucional do país, mas que pode repensar a decisão.
Dentro ou fora da política, é certo que Ingrid Betancourt vai ajudar a Colômbia com seu exemplo de liberdade.
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