Bruna Lombardi é atriz, poetisa, escritora e hábil entrevistadora. Observadora atenta da alma humana, é uma roteirista que sabe ouvir os seus personagens.

Carlos Alberto Riccelli já trabalhou como ator em mais de 30 títulos, entre cinema e TV; produz e dirige filmes, documentários e programas jornalísticos para todas as mídias, em português e em inglês.
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Bruna e Riccelli dividem seu tempo entre São Paulo e um subúrbio de Los Angeles, nos Estados Unidos, onde o filho do casal, Kim, estuda cinema.

Por Marta Góes

Bruna percorreu o caminho inverso da turma que daria a vida por um minuto de fama. Centro das atenções desde que apareceu em público pela primeira vez, ainda adolescente, num anúncio em 1967, ela exerce o direito de ser a que olha, e não apenas a que é olhada. Bruna se especializou em prestar atenção nas outras pessoas, em observar, de preferência, figuras anônimas, distantes de seu mundo habitual, tipos que nunca apareceriam numa foto de publicidade. São esses personagens – um enfermeiro, uma agente de viagens, um travesti, a astróloga -, desenhados com delicadeza e precisão, que povoam o filme O Signo da Cidade, roteiro original dela, dirigido por Carlos Alberto Riccelli. Não por acaso, o acender das luzes tem surpreendido espectadores enxugando lágrimas furtivas, tomados de um amor inesperado pela multidão invisível com quem compartilham as calçadas, as vozes do rádio, a vida na grande cidade.

Faz muito tempo que ela cultiva olhar e voz próprios. Começou escrever aos 8 anos e publicou oito livros, desde os poemas de Gaia, em 1980, até O Signo da Cidade, o roteiro do filme, em janeiro de 2007. Sucesso literário não é um acontecimento novo em sua vida. O Perigo do Dragão, por exemplo, de 1984, foi reeditado sete vezes. Mas uma coisa é brilhar no mundo das livrarias, em que bastam poucos dígitos para configurar um sucesso. Outra é lidar com as escalas do cinema, que chegam à casa dos milhões.

Em 1992, Bruna se matriculou num curso de roteiro em Los Angeles. “Roteiro é matemática, é engenharia, é ciência”, descreve. Ela aprendeu as leis do gênero, mas respeitou seu próprio caminho. Ao contrário do que recomenda a dramaturgia tradicional, que coloca personagens e enredo a serviço da idéia central, Bruna é comandada por seus personagens e se recusa a traí-los. “Como atriz, passei muitas vezes pela experiência de ver a integridade do meu papel sacrificada às conveniências do roteiro. Eu não pertenço a essa escola”, avisa. “Acho que o melhor que um autor pode fazer é ficar quieto”, recomenda Bruna. “Se você souber ouvi-los, os personagens o levam a lugares inesperados e exigem soluções novas”, ensina. O filme é a melhor demonstração das vantagens dessa conduta.

O filme mostra também uma inédita ternura por São Paulo, seus becos, ruas decaídas, uma profusão de viadutos. O sentimento pela cidade foi intensificado pela distância – há 16 anos Bruna passa boa parte do seu tempo em Brentwood, bairro perto da Universidade da Califórnia. “Afastar-se da sua cidade é como se mudar da casa da mãe”, compara Bruna. “De longe você olha tudo com mais calma, mais compaixão.”

A distância também trouxe benefícios à família Bruna-Riccelli-Kim. “No Brasil, o Kim seria um filho de pais famosos, nos Estados Unidos ele pôde ser um garoto como todos os outros e eu uma mãe comum”, ela comemora. “Aqui ele ia ficar famoso antes mesmo de ter feito alguma coisa”, ela acredita. Aos 25 anos ele já pode classificar, por si mesmo, as nuances embutidas nos sorrisos à sua volta. Para orgulho da mãe, ele é capaz de muito mais. Respondeu com uma interpretação generosa para o seu belo personagem em O Signo da Cidade – um jovem que quer dar uma viagem de presente à mãe deprimida -, é um bom aluno de cinema na Universidade da Califórnia, toca com poder quase hipnótico um instrumento musical chamado hang e domina um extenso cardápio vegetariano.

Acolhido calorosamente desde as primeiras exibições, da Mostra de Cinema de São Paulo, em outubro passado, até o lançamento, no dia 25 de janeiro, data da fundação da cidade, O Signo da Cidade vem colecionando prêmios, mas deixou o casal exausto. Como são, além de roteirista e diretor, produtores, participam de decisões sobre a distribuição, tomam providências burocráticas, discutem o preço do ingresso, aprovam folhetos e cartazes, fazem inscrições, pedem autorizações, comparecem a debates, escrevem ofícios, mailings… “Filmar é fácil”, brinca Bruna, que não consegue sequer enumerar numa lista a onda de tarefas (tsunami, segundo ela) que se abateu sobre eles.

Nem por isso Bruna interrompeu seu velho hábito de rabiscar poemas em cadernos, laptops, pedaços de papel e guardanapos. Aprendeu com Rubem Fonseca uma técnica para fazer anotações no escuro e conseguir decifrá-las na manhã seguinte. “Você tem de começar cada linha do ponto onde seu polegar segura o papel, e fazê-lo descer com pequenos intervalos”, ensina, divertida.

Embora cansada, Bruna está feliz com a acolhida que o filme obteve. O aplauso foi tão sonoro que encobriu até os resmungos que o talento de uma mulher linda pode despertar. “Quem tem medo de crítica fica paralisado”, comenta. E não se pode dizer que sua vida seja parada.

Por Luiz Chagas

Realista sem deixar de ser mágico, o longa-metragem O Signo da Cidade, que traz o casal Bruna Lombardi como roteirista e atriz e Carlos Alberto Riccelli na direção, revelou-se uma grata surpresa. Antes do seu lançamento, em 25 de janeiro, acumulou prêmios de público nos festivais de Brasília e do Amazonas e de crítica no de Goiânia (roteiro, ator e ator coadjuvante). Trazendo personagens vividos por um elenco que uniu veteranos como Juca de Oliveira e Eva Wilma a artistas das novas gerações como Denise Fraga, Miranda e Graziella Moretto, o enredo criado por Bruna é uma teia tecida a partir de Teca, astróloga e leitora de tarô vivida por ela própria. São histórias que se entrelaçam e se fundem, gênero consagrado por Robert Altman em Nashville (1975).

O Signo da Cidade é o segundo filme da dupla, precedido por Stress, Orgasm & Salvation (SOS), com elenco americano, filmado em Los Angeles, onde Bruna, Riccelli e Kim mantêm uma segunda casa desde 1990 – a primeira fica no Morumbi, São Paulo, onde funciona a empresa da família, Pulsar, co-produtora de Signo, ao lado da Coração da Selva (de Contra Todos e Antônia) e da Globo Filmes.

A virada na carreira de Bruna e Riccelli coincidiu com o fim do cinema decretado pelo governo Collor. Naquela época os dois haviam proposto para a Globo uma série de filmes batizada de Projeto Aventura.

Ele como um aventureiro, de sangue indígena, uma espécie de McGyver caboclo cheio de truques simplórios, e ela, uma patricinha deslumbrada às voltas com o jet set e os gadgets típicos dos anos 1980. Dos oito roteiros finalizados apenas o piloto, Programa de Índio, foi ao ar e o projeto foi suspenso. Logo Bruna, Riccelli e Kim, então com 8 anos, desembarcavam em Los Angeles, fixando-se em Brentwood, onde Kim cursaria teatro. Para Riccelli, L.A. é menos nova-iorquina que São Paulo, “todos os garçons têm um roteiro na gaveta e as balconistas esperam ser descobertas por Hollywood”, afirma.

E foi de lá, de L.A., que durante dez anos o casal produziu Gente de Expressão, programa em que Bruna entrevistou personalidades como Camille Paglia, Keith Richards, Oliver Stone, Francis Ford Coppola e Bernard-Henri Lévy – para inveja dos jornalistas brasileiros, acostumados aos papos telegráficos das junkets e round tables, ou seja, coletivas em hotéis. Riccelli atuou como diretor de campo e até Kim carregou cabos e baterias no programa dos pais. Foi com esse espírito que nasceu SOS, exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2006 e que deve estrear no segundo semestre deste ano. Riccelli jura que não teve dificuldades com o elenco norte-americano. Sua experiência como ator em cerca de 30 títulos entre televisão e cinema o credencia para lidar com colegas. “Ator é tudo igual, adora ser dirigido”, afirma. E, para ele, o segredo para trabalhar em família é a definição clara dos papéis. Nada de marido e mulher, “ainda mais no nosso caso, dois descendentes de italianos, ia ser uma briga só!”, diverte-se. “Bruna”, autora de prosa e poesia, “tem facilidade para criar histórias”, garante. Mas só mostra o que escreve quando já tem algo definido ou pelo menos encaminhado. Mostra o que tem e volta a trabalhar. E cabe ao diretor entender o universo do autor.

No caso de Signo, com seu emaranhado de histórias, foram vários os tratamentos. Alguns personagens foram escritos especialmente para determinados atores, outros tiveram de ser cortados. Diante dos elogios feitos para as locações, Riccelli, paulistano da Aclimação, se orgulha de ter filmado as cenas de hospital na Maternidade São Paulo. Ela foi fechada por ordem judicial logo após as filmagens devido a antigas pendências. Foi lá que o ator nasceu há 62 anos, idade que não aparenta.

Um dos trunfos do filme são a fotografia e a montagem, a cargo dos estreantes em cinema de ficção Marcelo Trotta e Marcio Hashimoto Soares, respectivamente. Além do elenco de apoio, no qual se destacam Malvino Salvador, Laís Marques, Sidney Santiago, Fernando Alves Pinto e as eternas musas Ana Rosa, Selma Egrei e Irene Stefânia. Quem também está bem no filme é Kim, que passa mais tempo nos Estados Unidos do que aqui. Sua estréia como ator se deu aos 8 anos, na minissérie global Riacho Doce (1990), fazendo o personagem de Riccelli quando menino e contracenando com Fernanda Montenegro. Enquanto não decide se fica na frente ou atrás das câmeras, Kim se dedica a tocar hang, um curioso instrumento suíço aparentado com o steel drum caribenho. Kim e o hang podem ser ouvidos na trilha composta por Zé Godoy e Sérgio Bartolo para O Signo da Cidade e que inclui “Sozinho na Cidade” (Bruna Lombardi e Carlos Alberto Riccelli), cantada por Caetano Veloso, e “Sorte” (Bruna Lombardi e Zé Godoy), por Maria Bethânia.


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