Baianidade cantada

Mas, afinal, o que é que a Bahia tem? Ô mistério, ô metafísica, ô “não-sei-o-quê”, como escreveu o fotógrafo Pierre Verger, que faz todo mundo ficar encantado quando chega à região metropolitana de Salvador e do Recôncavo.

A jornalista Agnes Mariano, que cresceu na capital baiana, mas nasceu e vive em São Paulo, decidiu investigar o causo. Para isso, pediu a bênção do deus da música, um dos que certamente abençoa a Baía de Todos os Santos, e preparou o livro A Invenção da Baianidade (Editora Annablume), com base em sua dissertação de mestrado – sob a orientação de Albino Rubim -, na Universidade Federal da Bahia. Nela, Agnes analisa 200 canções, muitas delas de Dorival Caymmi, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gordurinha, Riachão, Moraes Moreira, Carlinhos Brown, Lucas Santtana e até Nizan Guanaes. Seu estudo mostra, por exemplo, que a maioria canta a fartura e as delícias da mesa afro-baiana, mas raros exaltam a sofisticação e o tempo gasto no preparo desses pratos. Exceção é Caymmi: “Todo mundo gosta de acarajé/mas o trabalho que dá para fazer é que é“.

Com a chegada da industrialização, a partir da segunda metade do século XX, e a liberação oficial do candomblé, em 1976, as músicas deixam de falar tanto da religiosidade católica e dos costumes antigos e passam a enaltecer a alegria, como estado de espírito constante, o otimismo, apesar da pobreza, o despojamento material e o orgulho de ser baiano.

O livro traz ainda a história dos famosos blocos afro que são atração do Carnaval e explica a origem de suas letras como a do hit gravado por Daniela Mercury, O Mais Belo dos Belos (1992), composição de Guiguio, Poesia e Farias: “Quem é que sobe a ladeira do Curuzu? É a coisa mais linda de se ver/É o Ilê Ayê“. A canção homenageia o Ilê Ayê, que completava, na época, 18 anos de trabalho de valorização da beleza negra no bairro da Liberdade, onde fica a ladeira do Curuzu, em Salvador. Agnes Mariano, que também é autora de Obaràyí – Babalorixá Balbino Daniel de Paula (Barabô), concedeu entrevista a Brasileiros.

Brasileiros – Você concorda com a expressão “A Bahia é o Brasil ao extremo”?
Agnes Mariano –
Salvador e as cidades do Recôncavo participaram da formação do Brasil desde o começo e de forma muito intensa. Salvador era a capital da colônia, uma das cidades mais importantes da América Latina e ocupava um espaço central no tráfico de povos africanos. E, como nós sabemos, a escravidão sustentou a economia brasileira durante séculos. Por isso, até hoje a Bahia nos oferece um panorama privilegiado de muito do melhor e do pior de nossa história.

Brasileiros – Que novas músicas tem ouvido e acrescentaria ao estudo, se pudesse?
A.M. –
Difícil responder. Uma pesquisa como essa não é feita só com as músicas que eu ouço e gosto. O maior esforço da investigação é justamente descobrir as que eu não conheço e que tratam do tema. Sempre descubro músicas que ficaram de fora. Algumas antigas, como Ê, baiana, gravada por Clara Nunes; Saudosa Bahia, regravada agora por Seu Jorge; músicas sobre a Bahia que Jorge Ben Jor gravou. Entre os artistas baianos que tenho ouvido recentemente, sem dúvida, acrescentaria Roque Ferreira.

Brasileiros – O que há de baianidade em você?
A.M. –
Gosto de muitos costumes e rituais relacionados à Bahia, ainda que o meu diálogo com eles seja parcimonioso. O que sempre me interessou mais foi cultivar certos princípios e valores da baianidade. Há anos não vou ao Carnaval, mas continuo achando que é fundamental celebrar a vida. Aprendi a acreditar na possibilidade do convívio com o diferente, nas vantagens do despojamento e que o que define uma pessoa é o tamanho da sua generosidade. Principalmente, aprendi a escolher ter esperança. Focar nos problemas ou buscar as soluções é uma questão de escolha. Busco cultivar a Bahia que mora dentro de mim abrindo espaço, todos os dias, para aquilo que me anima, que me traz alegria. Entendi que, com esse estado de espírito, as soluções sempre aparecem.

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» A invenção da baianidade, Agnes Mariano, Editora Annablume, 312 páginas


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