Baixa resolução e alta fidelidade

Camila Picolo
Em ação – Repórter da Mídia NINJA entrevista manifestante durante protesto contra o governador Geraldo Alckmin, em São Paulo

Um grande painel retangular da Coca-Cola, composto de centenas de latas multicoloridas de alumínio, está instalado em uma das mais famosas avenidas do País. Indignado com a ocupação do espaço público por uma empresa privada, um grupo de pessoas decide destruí-lo. Recicladores de lixo surgem, festivos, para coletar a fartura de latas que despenca da caixa vermelha. Um grupo de policiais militares tenta evitar a destruição completa. Um homem negro é detido por quatro PMs, um deles praticamente enforcando com o cacetete o rapaz indefeso. Ignorando centenas de pedestres que estão no asfalto, viaturas surgem em alta velocidade, na contramão e freiam bruscamente diante do calçadão. Em meio aos jovens que tentam coibir a truculenta prisão, um deles surge tocando, em um saxofone feito de canos hidráulicos de PVC, o clássico Aquarela do Brasil, de Ary Barroso. Um repórter questiona a legitimidade e os excessos da operação a um comandante da PM. Insiste em saber ainda por que ele e outros membros da corporação haviam tirado a identificação da farda. Silêncio.

Surreal, a cena descrita acima poderia estar em Terra em Transe, se Glauber Rocha não nos tivesse deixado há 32 anos, e o anárquico filme fosse feito hoje. Mas o “plano-sequência” aconteceu, de fato, no final de junho, em plena Avenida Paulista, em São Paulo, às 23h30 de uma quinta-feira. O ritual de destruição foi um dos pontos altos da manifestação ocorrida naquela noite. Carregado de simbolismos e contrastes de nossa realidade, a aniquilação do painel em comemoração à Copa do Mundo que será realizada no País em 2014, e o confronto entre manifestantes e policiais foram flagrados e transmitidos em tempo real, via internet, pela câmera trêmula e precária do smartphone de um repórter da Mídia NINJA.

A rede de jornalismo independente – ou “midialivristas”, como preferem seus integrantes – foi idealizada por um núcleo de “quatro ou cinco jovens”, em novembro de 2012, liderada pelo jornalista Bruno Torturra e o produtor cultural Pablo Capilé, do coletivo de cultura Fora do Eixo. Como verdadeiros ninjas, eles têm sido quase onipresentes na série de protestos que vem assolando o País desde o início de junho – movimento chamado por parte da grande imprensa de Outono Brasileiro, em alusão à Primavera Árabe. Eles foram notícia até mesmo no periódico francês Le Monde, que chamou o grupo de “a mídia social dos protestos no Brasil” e assim o definiu: “Eles estão por quase toda parte. Eles incorporam os olhos e a voz dos acontecimentos que abalam o Brasil desde 10 de junho. Eles competem com o poderoso canal Globo para explicar eventos ao vivo. Eles não têm um helicóptero ou a benevolência das autoridades. Mas eles têm uma vantagem para os manifestantes e a massa de brasileiros que os acompanham em tempo real: suas fotos e transmissões são postadas em redes sociais e acessíveis em telefones móveis.” Em sua coluna no jornal O Globo, Caetano Veloso mostrou-se estupefato e entusiasmado com a descoberta da Mídia NINJA em uma madrugada de protestos no bairro nobre do Leblon, Zona Sul carioca, onde tem apartamento.

Fotos: Mídia Ninja
[nggallery id=16203]

Composta hoje, em âmbito nacional, por mais de uma centena de colaboradores voluntários – repórteres, fotógrafos, programadores e editores de conteúdo nas redes sociais – a Mídia NINJA foi antecedida por outra experiência inovadora, um canal de transmissões audiovisuais em tempo real, na internet. Chamado de Pós-TV, foi a plataforma de cobertura das eleições municipais de 2012 e da realização de debates entre candidatos de mais de 50 cidades ao redor do País. O “piloto” da Pós-TV foi uma cobertura feita por Torturra durante a Marcha da Liberdade, de 2011, realizada uma semana após a Marcha da Maconha (evento anual que pede a descriminalização da droga) ser severamente repreendida pela Polícia Militar de São Paulo (depois desse episódio, a manifestação foi liberada em diversas capitais do País). A Marcha da Liberdade foi uma resposta dos manifestantes à ação truculenta da polícia e Torturra, que também afirma ter sofrido violência da PM, acompanhou e cobriu o pro­tes­­to pacífico por mais de seis horas.

Ao chegar em casa, o repórter, que trabalhou em publicações como a revista Trip e foi roteirista do programa Esquenta, apresentado pela atriz Regina Casé, na TV Globo, descobriu que sua transmissão teve uma audiência de mais de 90 mil pessoas. Uma semana depois, com uma rede de colaboradores e o apoio do Fora do Eixo, Torturra deu início à Pós-TV, embrião da Mídia NINJA e um dos principais canais de transmissão utilizado pelos colaboradores – que também pulverizam as coberturas utilizando o canal gratuito Twitcasting.

Vadias e Black Blocs

Na contramão da grande imprensa, a cobertura NINJA tem revelado a íntegra de conflitos e insurreições de grupos emergentes

Luiza Sigulem

Mídia Ninja

Ódio e humor – Integrantes do BB destroem agência bancária, em SP. No RJ, a Marcha das Vadias pede passagem

Programada desde janeiro para ser realizada em Copacabana, a edição 2013 da Marcha das Vadias, do Rio de Janeiro, acabou, por acaso e em consequência de um planejamento desastroso, colidindo com os milhões de fiéis agrupados na orla da praia da Zona Sul carioca para receber o papa Francisco. A Vigília e a Missa do Envio, realizadas respectivamente nos dias 27 e 28 de julho, deveriam ter acontecido em Guaratiba, na Zona Oeste, mas tiveram de ser transferidas para Copacabana devido às intensas chuvas que inviabilizaram a realização do evento no local – um pântano, diga-se.

O encontro casual de duas correntes tão divergentes foi marcado por ofensas recíprocas e protestos que chocaram os fiéis. A Marcha das Vadias surgiu, em 2011, em Toronto, no Canadá, como resposta à infeliz declaração de um policial, afirmando que se as mulheres não quisessem ser estupradas, deveriam evitar se vestir como sluts (em bom português: vadias, putas). Em oposição ao machismo, à misoginia, à violência contra a mulher e em defesa de pautas históricas do feminismo, como o direito ao aborto, o evento ganhou repercussão mundial e é realizado anualmente em diversos países. Em uma tática de choque, manifestantes utilizaram símbolos da Igreja, como cruzes e a imagem de Nossa Senhora Aparecida, destruída por um deles. Em resposta, católicos exibiram terços, crucifixos e até cuspiram em mulheres com seios à mostra. A manifestação foi coberta pela Mídia NINJA, por mais de seis horas. A análise de tais fatos passou longe da cobertura da imprensa oficial, que ignorou o bom humor das manifestantes – entre outros gritos de guerra, cadenciados por tambores de maracatu, entoaram “Doutor, eu não me engano, quem tá doente é o Feliciano” –, e resumiu o encontro conflituoso como uma demonstração de intolerância de quem justamente pede tolerância (as vadias).

Em São Paulo, na noite da sexta-feira anterior aos acontecimentos de Copacabana, cerca de 300 manifestantes reuniram-se no vão livre do MASP, na Avenida Paulista, para demonstrar apoio ao movimento que pede a saída de Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro. A manifestação tinha características de um protesto pacífico. Tinha. Por volta das 20 horas, mais de uma centena de manifestantes deu início a uma marcha ostensiva de destruição. Mais de dez agências bancárias tiveram suas fachadas destruídas. Cerca de uma hora depois, os manifestantes bloquearam a Avenida 23 de Maio, com uma van da Rede Record, e tentaram capotar e atear fogo ao veículo da emissora. Os responsáveis pela ação, até então, eram praticamente ignorados pela grande imprensa: integrantes do movimento Black Bloc. De orientação anarquista, o grupo surgiu na década de 1980 em países europeus, motivado por protestos contra a globalização, o capitalismo, e se espalharam ao redor do mundo depois da Primavera Árabe. Seus principais alvos são instituições financeiras e grandes corporações multinacionais. Agem em grupos vestidos de preto, com o rosto encoberto, e são extremamente desafiadores. Na Avenida 23 de Maio, chegaram a fazer um cordão de isolamento diante de policiais da Força Tática. Na noite de 31 de julho, o núcleo carioca do Black Bloc deu outra demonstração de insolência: invadiram a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro por mais de quatro horas, em mais um protesto que exigiu a deposição de Cabral. Dois dias depois, novo protesto, em São Paulo, resultou na prisão de 12 manifestantes. O ato foi organizado contra o governador Geraldo Alckmin, envolvido em um suposto desvio de R$ 425 milhões das obras do Metrô paulistano, denunciado pela revista IstoÉ. Como o conflito entre as Vadias e os Católicos, as ações também foram cobertas em tempo real e integralmente pela Mídia NINJA.


Um ninja no Egito  

Concentrados em São Paulo, por iniciativa do Movimento Passe Livre (MPL), que exigia a revogação do aumento das tarifas de trens, ônibus e metrôs, os protestos que paralisaram dezenas de capitais do País tiveram como estopim a violenta repressão da PM e da Tropa de Choque paulistana à quarta manifestação organizada pelo MPL no dia 13 de junho, uma quinta-feira. Naquela noite explosiva, a Mídia NINJA esteve no olho do furacão, com dois repórteres em campo. Torturra, um deles, relembra o episódio. “Uma linha lateral de policiais entrou gratuitamente na passeata, dando borrachadas, na rua Maria Antônia (centro de São Paulo). Quando as primeiras pessoas caíram, começou a gritaria, o desespero, e a Tropa de Choque passou a atacar. Foi uma ação criminosa e covarde. Um recado dado aos manifestantes com o aval da mídia. A Globo, a Folha de S. Paulo e o Estadão assinaram um cheque em branco, dizendo que o Estado estava sendo fraco. Protegida por seus comandos e por parte da imprensa, a polícia fez o que fez. Evidentemente, a grande mídia mudou o discurso no dia seguinte, mesmo porque teve vários profissionais presos e agredidos. Mas esses veículos estão sofrendo uma série de constrangimentos e perdendo credibilidade. Eles também são alvo dessas manifestações.” 

Dezenas de coberturas depois – uma delas no Egito, quando um colaborador foi destacado para cobrir os protestos que derrubaram o ex-presidente Mohamed Morsi –, dois xarás e repórteres da Mídia NINJA, Filipe Peçanha e Filipe Gonçalves, foram presos no Leblon, Zona Sul carioca, no dia da chegada do papa Francisco ao Brasil, 22 de julho, acusados de incitar violência no protesto que tinha como alvos o sumo pontífice, o governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, e a PM carioca, acusada de ter supostamente executado o pedreiro Amarildo de Souza, morador da Rocinha, de 43 anos, que foi levado à Unidade Pacificadora de Polícia (UPP) local e jamais retornou ao seio familiar (até o fechamento desta edição, a mulher e os seis filhos de Amarildo amargavam mais de 20 dias sem notícias dele). Legitimada pela recém-criada e polêmica Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (CEIV), instituída três dias antes da chegada do papa Francisco, com um decreto sancionado por Cabral, que depois seria abrandado, a ação da PM carioca foi rechaçada pelos manifestantes, e eles seguiram até a 9a DP para exigir a soltura dos repórteres e de outros nove manifestantes – o grito de “Fora Cabral!” foi ouvido com força inédita no caminho da DP e atravessou o mês de julho.

Menos de três horas depois, os dois NINJAS e oito dos manifestantes foram liberados, com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Detido sob a acusação de ter jogado um coquetel molotov que atingiu um PM, o manifestante Bruno Ferreira Telles pernoitou no xilindró e foi conduzido, na manhã seguinte, ao presídio Bangu I. Bruno foi denunciado pelo Ministério Público, em ação da CEIV, por tentativa de homicídio. Perto de ser encarcerado, o rapaz foi liberado por meio de um habeas corpus. Dias depois, uma vergonhosa farsa foi revelada por intermédio de imagens captadas pela Mídia NINJA. A ação teria sido deflagrada por um policial infiltrado – os chamados P2 –, que portava uma mochila carregada de explosivos. A armação repercutiu em diversos veículos de imprensa após ser “revelada” em horário nobre e em alto e bom som, pelo âncora William Bonner, da Rede Globo. No Jornal Nacional, a emissora endossou as suspeitas levantadas pela Mídia NINJA e defendeu a inocência de Bruno. 

Na noite da prisão dos dois xarás, a página dos “midialivristas” na rede social Facebook era seguida por pouco mais de 80 mil pessoas. No final de julho, a audiência quase havia dobrado: eram 150 mil entusiastas. Para continuar crescendo, a Mídia NINJA, que ainda opera com recursos do Fora do Eixo, parceria que envolve polêmicas, espera agora estabelecer uma rede de financiamento público, com o apoio de sua própria audiência, em assinaturas semestrais e anuais, de baixo custo. Reportagens investigativas e projetos editoriais – o grupo pretende publicar, em breve, um livro sobre o Outono Brasileiro – terão financiamento via crowdfunding (espécie de “vaquinha” virtual). Para Pablo Capilé, líder do Fora do Eixo, a parceria pública é a saída para driblar ingerências da iniciativa privada. “A Vivo, a Oi, a Tim e a Claro, por exemplo, vivem nos procurando para oferecer patrocínio… Ou seja, dinheiro tem, mas qual é a contrapartida? Lógico, o comprometimento editorial. E não queremos abrir mão de nossa independência, pois o momento é propício, exige narrativas independentes.” A declaração de Capilé foi expressa em uma reunião com mais de cem pessoas, no centro de São Paulo, intitulada Ficaralho, uma brincadeira com a nada cômica situação de parte dos trabalhadores da imprensa, assolada pelos “passaralhos”, no jargão do meio as demissões em massa que vêm fechando redações de veículos de toda sorte e plumagem: da Folha de S. Paulo ao Valor Econômico; da gigante Editora Abril, a revista Caros Amigos. O público majoritário presente no Ficaralho era composto por jornalistas, repórteres e fotógrafos que, por cerca de quatro horas, queimaram neurônios para pensar em saídas e foram entender como funciona a Mídia NINJA.

A reunião evidenciou que é preciso ater-se a cada momento desses dias turbulentos, de olhos bem abertos, e perto do campo de batalha, como fazia o mestre da fotografia de guerra Robert Capa, que morreu ao pisar em um campo minado, na Indochina, em 1954, de câmara em punho. Capa certa vez afirmou: “Se uma foto não está suficientemente boa, é porque você não se aproximou o suficiente do fato”. É exatamente isso que tem feito os NINJAS, e esse parece ser mesmo um bom caminho para encontrar saídas (ou ao menos se esquivar em trincheiras). 

A estratégia do “Little Brother”

Bruno Torturra, 35, um dos idealizadores e líderes da Mídia NINJA, defende que o grupo é uma resposta das redes à onipresença dos grandes veículos de imprensa e à ultravigilância na internet. Leia, a seguir, a entrevista

Brasileiros – Em 2011, como era constituído e como surgiu o grupo que criou a Pós-TV?

Bruno Torturra – Um grupo pequeno, quatro ou cinco pessoas. Até hoje é difícil falar em números, pois somos apoiados por uma rede muito grande. O que sustenta a rede, não só financeiramente, mas principalmente em termos de trabalho e dedicação, é um esforço nacional. Em 2011, um cara do Live Stream (canal gratuito de transmissão audiovisual via internet) havia acabado de montar um escritório no Brasil e me ofereceu uma mochila com um kit para transmitir ao vivo a Marcha da Liberdade. Foram seis horas e meia de transmissão. No final, soube que mais de 90 mil pessoas tinham assistido à cobertura. Concluímos que deveríamos fazer um canal colaborativo, de utilidade pública. Foi então que nasceu a Pós-TV, com a compreensão de que a gente tinha de entender mídia e jornalismo como um fenômeno cultural, pois as pessoas, cada vez mais, estão emergindo como jornalistas e opinadores.

Brasileiros – E quais foram as primeiras coberturas da Pós-TV?

B.T. – Cobrimos as eleições de 2012, em mais de 50 capitais e municípios. Conseguimos promover o primeiro debate entre candidatos de várias cidades do País que nunca tiveram uma emissora de TV disposta a fazê-lo. Encaramos a Pós-TV como embrião de algo que, acreditamos, será um novo paradigma: a web vai ser a nova concessão pública de comunicação. Temos a convicção de que uma mídia realmente democrática precisa estar pulverizada em todo o País.

Brasileiros – E quando surgiu a Mídia NINJA?

B.T. – Começou a ser constituída há uns nove meses. Depois de cobrir as eleições, concluímos que precisávamos fazer uma redação, produzir textos, fotos, fazer investigações, com essa lógica de rede que já estava sendo traduzida dentro de um novo mercado cultural. Lógica, que a música tinha entendido o melhor. Até mesmo os movimentos sociais já estavam se articulando em rede há muito tempo e o jornalismo, não. E ele deveria ter sido o primeiro mercado a compreender essa novidade, pois é o mercado da informação, e a grande revolução que vivemos é justamente da informação. E qual é o significado revelador do jornalismo ter sido resistente a assumir essa nova lógica? É que a grande imprensa se apegou ao papel exclusivista que tinha antes, de ser dona da verdade e de ter o monopólio da informação.

Brasileiros – E quem deu ao grupo o nome NINJA?

B.T. – Uma amiga nossa, Debora Pill (produtora cultural), sugeriu ninja, pois achava que o nome deveria ter apelo internacional. Na época, demos à sigla a denominação “Núcleo Independente de Jornalismo e Ação”. Mas depois consideramos que não fazia o menor sentido falar em núcleo, pois somos justamente o oposto, um grupo pulverizado. Então, mudamos para Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação, pois a questão da narrativa é super importante para nós.

Brasileiros – A Mídia NINJA é sustentada financeiramente pelo coletivo Fora do Eixo. Recentemente, foram publicados textos acusando vocês de envolvimento com o PT, e Pablo Capilé, liderança do Fora do Eixo, de ter relações estreitas com o ex-ministro José Dirceu. Frequentemente, o grupo também é acusado de ser favorecido pelo Ministério da Cultura. Como é isso mesmo?

B.T. – Os integrantes do Fora do Eixo vivem dentro de um caixa coletivo, compartilham tudo e até moram em algumas sedes do grupo. Conseguiram transformar essa rede virtual em uma realidade analógica de relacionamento e de posse. Acho que o tipo de “denúncias” que estão sendo feitas é uma grande mistura de ignorância, preconceito e má-fé. As pessoas têm uma visão muito rasa do que significa dinheiro público, e o Fora do Eixo não vive só de dinheiro público. Longe disso. A grande maioria da grana que sustenta o coletivo é recurso próprio produzido por meio de eventos. São feitos mais de 300 festivais por ano, em todo o País. O grupo está em mais de 200 cidades brasileiras.

Brasileiros – E quanto à relação de Capilé com José Dirceu?

B.T. – Tem uma foto circulando nas redes sociais do Capilé com o José Dirceu, entre outras pessoas, e essa imagem foi apresentada como denúncia. Muita gente a compartilhou como se tivesse caído a máscara da Mídia NINJA. Acontece que essa foto foi tirada da página do Facebook do próprio Capilé. Foi clicada em um evento público realizado, em 2011, na casa Fora do Eixo de São Paulo, em um evento da revista Fórum. Dirceu falou na Pós-TV, assim como Fernando Haddad, integrantes do PSOL e outros políticos. Do mesmo jeito que tem foto do Capilé com o Dirceu, tem foto dele com Marina Silva, com Jean Wyllys e com Lula. Eu também já conversei com Dirceu, assim como conversei com FHC, com a Marina, com Marcelo Freixo. Tem desde petista acusando a gente de ser pelego, porque retuitamos uma mensagem do Marcelo Tas, até gente dizendo que a Mídia NINJA é uma conspiração petista para quebrar os bancos do Brasil, que estamos alinhados com o Black Bloc e o Dirceu está planejando essas ações.

Camila Picolo
FICARALHO Torturra e Pablo Capilé, líder do Fora do Eixo (no destaque), em debate realizado no bar A Balsa, em SP, que discutiu o “passaralho” (demissões em massa de jornalistas)

Brasileiros – Falando na Marina Silva, você já manifestou publicamente empatia por ela e foi, inclusive, um dos fundadores da Rede Sustentabilidade, o novo partido que ela tenta constituir.

B.T. – Não tenho alinhamento automático com ideologia, partido ou candidato algum. Me sinto livre para defender uma série de pessoas e também criticá-las quando acho que estão fazendo algo ruim. Votei no Haddad e continuo achando que ele é um político melhor do que a média, mas também acho que ele cometeu uma série de deslizes nas manifestações de junho. Quanto à Marina Silva, fui convidado e aceitei fundar a Rede Sustentabilidade, pois acredito que não existe pauta mais urgente no País do que a questão ambiental. Está na base da nossa economia e o governo Dilma é uma tragédia em relação a isso. Até por isso, insisto, não sou petista, pois não gostaria de estar alinhado com um partido que está fazendo o que faz com a Amazônia, com os índios, com as concessões feitas à bancada ruralista. A Rede é cheia de contradições? Sim, bem-vindos ao mundo real! Tem uma série de posições da Marina que eu discorde? Evidente que sim. Mas não vou eleger um santo. O não questionamento das grandes lideranças, seja o Lula, a Dilma ou o FHC, representa grande parte da falência política do século 20.

Brasileiros – As manifestações recentes deram grande visibilidade à Mídia NINJA. Em um cenário de normalidade, como será a atuação do grupo?

B.T. – E quem disse que a situação vai normalizar? Estamos cada vez mais próximos da Copa do Mundo e de uma eleição presidencial que promete ser inflamável. E mesmo que a temperatura baixe, continuaremos fazendo debates sobre temas sociais, como a necessidade de atualização do sistema político e as pautas de liberdades civis. Lógico, também queremos fazer jornalismo em seus outros campos – cultura, esportes, comportamento e até moda, por que não?

Brasileiros – Acompanhei uma reunião da Mídia NINJA, no início de julho, e você cunhou o termo little brother para definir o grupo…

B.T. – Há questões sérias que deveriam ser discutidas, como o estado de vigilância que vemos em todo o mundo, com os casos do Assange, do Snowden e do Bradley Manning, que no Brasil também estão colocadas em um contexto menor. Muita gente veio dizer que estou grampeado e não vejo problema algum nisso, pois existe esse contraponto que eu chamo de “little brother”. Em vez do Big Brother (termo cunhado no romance 1984, de George Orwell), o cidadão também consegue, hoje, escrutinar o Estado e a Polícia. Policial infiltrado em movimentos sociais, por exemplo, nunca foi novidade. E qual é a novidade? É que, agora, nós também estamos infiltrados. E não estou falando apenas da Mídia NINJA, falo de cada cidadão que tenha a compreensão de que essa ultravigilância também pode ser libertadora. Não me sinto mal em ser vigiado, desde que eu também possa, em contrapartida, vigiar. O little brother é o antídoto ao Big Brother.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.