Banquete de ritmos

Nos anos 1980, vez ou outra Nova York assistia a uma invasão curiosa. Astronautas vestidos de alumínio desciam a Sixth Avenue empunhando surdos, pandeiros e tamborins, no embalo do telecoteco. Mas não se tratava de mera algazarra e sim de um timaço de ritmistas que incluía, entre vários craques, Guilherme Franco – colaborador do lendário pianista McCoy Tyner -, Manolo Badrena e Alyrio Lima, ambos do seminal grupo norte-americano de jazz fusion Weather Report.

No meio deles, o jovem Cyro Baptista, paulistano recém-chegado à Big Apple, aprimorava seu ritmo. “Naquela época, tocar nas ruas de Nova York era uma coisa incrível. Havia músicos geniais”, lembra o percussionista, radicado na cidade há mais de 30 anos que, desde sua mudança para lá, é colaborador de nomes como Herbie Hancock, Yo Yo Ma e Sting.
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Atualmente com a banda Banquet of the Spirits, Cyro prepara uma visita ao Brasil. Ele vem ao País em setembro para mostrar Caym, seu novo trabalho em que faz leituras de obras do compositor vanguardista John Zorn. O disco tem cheiro de jazz, mas é o choro e o baião, auxiliados por timbres do gamelan da Indonésia e escalas do Oriente Médio, que dão estrutura às composições. Trata-se de uma versão mais compacta da miscelânea musical que trouxe reconhecimento a Cyro no início dos anos 2000, época em que o coletivo Beat the Donkey, do qual fazia parte, chamou a atenção da crítica americana. Ele caiu nas graças do New York Times e da revista britânica The Wire, além de receber o título de melhor percussionista pela revista de jazz norte-americana DownBeat. “Na música brasileira, não só comemos e digerimos, como regurgitamos e comemos de novo, sempre reaproveitando, como os pássaros, a psicodelia do Hendrix, o sax do Coltrane”, diz ele.

Com o pandeiro ou a profusão de instrumentos que toca, essa antropofagia a que se refere praticamente define sua obra e tem origem na década de 1980. Ao chegar a Nova York, conseguiu uma bolsa para estudar música em uma escola em Woodstock, a famosa vila ao norte da cidade. “De repente, me deparei com feras como Don Cherry, Naná Vasconcelos e Jack DeJohnette, músicos que definiram a linguagem da world music. Tinha gente da África, do Brasil, todos juntos fumando maconha em uma fazenda. Em vez de ficar naquele ufanismo de ‘minha música é a melhor do mundo’, eles viram que se tirassem uma nota daqui, atrasassem um pouco ali, poderiam tocar juntos”, conta.

Depois de comer o pão (ou o bagel) que o diabo amassou, tendo, em seus momentos mais difíceis, dormido no metrô por falta de dinheiro, Cyro encontrou nele mesmo a identidade musical que vislumbrara na música de seus mestres. Isso aconteceu depois que ele começou a frequentar a cena de free jazz no downtown nova-iorquino, âmbito de Zorn, Anthony Braxton, Cecil Taylor e outros expoentes do gênero. “Consegui subir ao palco sem ter a obrigação de ser brasileiro. Ninguém esperava nada de mim. Era música do planeta”, explica. Foram as primeiras braçadas em um rio que desembocaria em Vira Loucos (1997), seu primeiro e emblemático disco, em que adapta a linguagem de Villa-Lobos à sua geleia musical.


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