Quem entra pelo corredor lateral chega aos fundos da casa, assentada no espigão da Cerro Corá. É um terreno grande, coberto por uma enorme mangueira que emoldura a vista sobre as árvores da Lapa. Ao fundo, a Serra da Cantareira.

Há por lá também uns pés de mexerica, de lima da pérsia e de limão. Tem ainda carambola, romã e um solitário pé de uvaia que, em novembro, perfuma toda vizinhança.

Nesse quintal, há tempos, o Arlindo espalhou umas mesinhas com cadeiras de braço e um banco. Montou um bar que, por falta de nome, chamam de Bar do Arlindo. Abre quando ele fecha a mercearia. Aos que perguntam a que horas fecha a mercearia, ele diz: Na hora de abrir o bar. Assim é o Arlindo.

Ele cuida das bebidas e a mulher, Fátima, serve petiscos variados. Sempre sobre tábuas de cozinha. Assim, os dois atendem a vizinhança e os poucos que vêm de fora. Há por lá também os veteranos do dominó, e um casalzinho que namora sempre no banco da mangueira. O ambiente é sereno, silencioso, agradável. Não tem TV, não tem rádio. Só o canto de pássaros, soltos. Até Veludo, o cachorro do Arlindo, é tranquilo, respeitoso.

Dezembro passado, a uvaia estava perfumada, caindo do pé. Eu pedi pro Arlindo me amassar umas tantas com muito gelo e pouco açúcar. Que usasse gin.
Eu estava bebericando aquela maravilha ao pôr do sol, quando, sem mais nem menos, senta à minha mesa um chato que já me roubara a paz em outras ocasiões. Eu já tinha avisado o Arlindo: Esse cara vai acabar com o seu bar.

O sujeito, sem pedir licença, já sentou falando e não parou mais. Sem pedir perdão, sem dar descanso. Falando alto, falando de si. Sem misericórdia. Em poucos minutos, afugentou a turma do dominó e espantou o casalzinho do banco. Até o Veludo se inquietou.

O desgraçado, sem graça alguma, burro e pouco ilustrado, excretava palavras respingando saliva no meu rosto. Eu abaixava a cabeça e ele seguia descarregando seu lixo na minha mente desprotegida.

Porque respeito muito o Arlindo e não sou dado à violência, fui aguentando. Talvez alguém chegasse. Talvez alguém me salvasse. Talvez ele tivesse um enfarte. Mas nada disso ocorreu. O animal não parava de falar.

Eu já estava perdendo o controle, quando o Arlindo senta à mesa e oferece ao imbecil um enorme copo de uvaia gin: Brinde da casa! Até as sete a boca é livre.

Talvez ele quisesse afogar aquela cloaca, conter a evacuação verbal. Eu não conseguia mais pensar direito.

O idiota seguiu falando por mais dois longos copos. Falava e falava. De suas ideias, de sua importância, de seus feitos. Quanto lixo!

Lá pelas tantas, o Arlindo olhou para mim e disse que a Fátima precisava falar comigo. Eu levantei aliviado e fui para a cozinha.

Ela foi direta: O Arlindo pediu para você pegar essa tábua e, por trás, bater forte na orelha direita do cliente. Só depois entendi porque a direita.

Voltei à mesa decidido, lembrei dos meus tempos de taco, girei o corpo com tudo. Acertei uma tremenda chapoletada na orelha do animal.

O bicho desmontou na hora e a boca, enfim, parou de mexer. Restaurou-se a paz.

O Arlindo arranjou o corpo no chão, com a face atingida para baixo e pegou o celular dele na mesa. Fez umas buscas e ligou: A senhora é a esposa do Nicolau?

Disse que o marido dela havia enchido a cara além da conta, atacara a Dona Fátima e, por fim, desmaiara de cara no chão. Que ela tirasse o corpo de lá em meia hora.

A infeliz chegou com o desafortunado filho, arrastaram o corpo para o carro e pediram desculpas. O Arlindo disse que se ele aparecesse lá outra vez chamaria a polícia. Tinha testemunhas.

Assim é que o Arlindo, com critérios rigorosos e métodos pouco ortodoxos, vem mantendo o alto padrão da casa. Uma das mais exclusivas da noite paulistana. Sequer aparece nos guias da cidade.

*Marcos Rodrigues é engenheiro civil, professor titular da Escola Politécnica da USP e dedica-se também à literatura.


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