A indústria do disco mudou muito nas últimas décadas. O LP deu lugar ao CD, que teve sua importância reduzida pelo MP3 e pelo YouTube. Mas há outra prática que também foi abandonada ainda no tempo dos vinis: lançar discos modificados em países diferentes, cujo volume de consumidores era importante. Tanto The Rolling Stones quanto The Beatles tiveram álbuns originais vendidos apenas no Reino Unido. Essas mesmas edições tiveram a ordem das músicas alterada, faixas excluídas ou acrescentadas, além de títulos e capas refeitos, com o propósito de se adequar às peculiaridades de cada mercado. Os Beatles chegaram até a gravar em alemão e italiano versões de seus principais sucessos.
Tudo funcionava dentro de uma lógica já abandonada nos anos 1980 , que hoje soa exagerada: especialistas da indústria organizavam os dois lados de cada LP de acordo com o que acreditavam ser as canções com mais chances de agradar aos programadores de rádio e TV e, consequentemente, ao público. Assim, uma música considerada obscura e jogada no B, para onde iam as faixas menos promissoras, podiam ser promovidas para o lado nobre (A). Até mesmo as capas e os títulos de cada disco podiam ser radicalmente modificados. “Adaptação de mercado total”, observa Keco Geronimo, gerente de tecnologia e beatlemaníaco.
Assim aconteceu com os 13 discos dos Beatles que saíram nos EUA entre 1964 e 1970. Ficaram conhecidos como The U.S. Albums e acabam de ser lançados no Brasil para marcar os 50 anos do início da beatlemania mundial. Os álbuns americanos diferem dos lançados pela banda no Reino Unido de várias maneiras: trazem outras faixas, mixagens de canções, títulos e capas diferentes. Somente Rubber Soul (1965), Revolver (1966) e Hey Jude (1970) respeitaram o título e a capa originais. Alguns tiveram modificações importantes, como a trilha sonora A Hard Day’s Night (1964), com faixas instrumentais do filme.
Os outros eram, na verdade, coletâneas ou traziam faixas extras de compactos: Meet The Beatles! (1964), The Beatles (2o álbum, 1964), Something New (1964), The Beatles’ Story (1964), Beatles’ 65 (1964), Help! (1965), The Early Beatles (1965), Beatles VI (1965) e Yesterday and Today (1966). Nessa edição em CD, os álbuns são apresentados em versões mono e estéreo, com exceção de The Beatles’ Story e Hey Jude, que são apenas em estéreo, como gravados originalmente. Tudo foi fielmente reproduzido, como se fossem micro LPs, incluindo as capas internas dos álbuns.
A história desses discos começou no dia 7 de fevereiro de 1964, quando a banda inglesa desembarcou no aeroporto John F. Kennedy, em Nova York. Entre gritos e desmaios, cerca de três mil fãs correram para ver John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. Cada segundo foi documentado pelos meios de comunicação e rendeu fotos e boletins de notícias nos quatro cantos do mundo. Cada movimento que os Beatles fizeram foram registrados. Elvis Presley, maior estrela da América na época, enviou um telegrama aos meninos de Liverpool, desejando-lhes boa sorte na estreia na TV daquele país.
Duas noites depois, no domingo, 9 de fevereiro, 74 milhões de espectadores nos EUA e outros milhões no Canadá sintonizavam a CBS para assistir aos Beatles no programa The Ed Sullivan Show. Ao anunciar a atração, Sullivan falou sobre o frenesi sem precedentes em sua memorável primeira apresentação dos Beatles: “Agora, ontem e hoje nosso teatro foi tomado por jornalistas e centenas de fotógrafos de todo o país, e esses veteranos concordaram comigo que esta cidade nunca testemunhou uma emoção como essa causada por esses jovens de Liverpool que se chamam os Beatles”.
O fato tornou-se um divisor de águas na história americana e um dos eventos da televisão mais vistos no mundo. Naquela noite inesquecível, The Beatles tocaram cinco músicas na transmissão ao vivo. No dia seguinte não se falava em outra coisa, e as lojas de discos registraram movimento recorde. Na verdade, era uma espécie de operação de guerra de marketing, cujas consequências superaram todas as expectativas. Já no início de dezembro do ano anterior, como parte do esforço para fazer a fama da banda cruzar o Atlântico, seus promotores tinham conseguido que o jornal The New York Times publicasse uma reportagem de capa em sua revista dominical e o CBS Evening News exibisse um relatório detalhado sobre o furor em torno da banda de Liverpool.
Antes do Natal de 1963, as estações de rádio em todo os Estados Unidos começaram a tocar os mais recentes singles ingleses dos Beatles em altíssima rotação, para atender à demanda insaciável dos ouvintes. A Capitol Records correu para lançar o compacto simples americano de I Want to Hold Your Hand (cujo lado B era This Boy) em 26 de dezembro, três semanas antes do previsto e um mês após o lançamento do single no Reino Unido. Mais de um milhão de cópias foram vendidas em dez dias. Em 3 de janeiro de 1964, a Capitol lançou Please Please Me (com From me to You no lado B), e o primeiro álbum dos Beatles por este selo – Meet The Beatles! – veio em seguida (20 de janeiro).
Depois de chegar ao 1o lugar e ficar por cinco semanas no Reino Unido, I Want to Hold Your Hand chegou ao topo dos compactos nos EUA em fevereiro. Manteve a posição de liderança por sete semanas consecutivas. Em dois meses, mais de 3,5 milhões de cópias de Meet The Beatles! foram vendidas na América do Norte. O país mais rico do mundo se rendia à beatlemania. Mas o sucesso dos garotos no Reino Unido já se espalhava pelo continente europeu. A invasão britânica no cobiçado mercado fonográfico americano havia começado e seria alimentada nos anos seguintes por The Rolling Stones, Pink Floyd, Led Zeppelin e outras grandes bandas que tomaram para si o rock’n’roll.
Deixe um comentário