O MADEIRA E SEUS SEGREDOS

O vinho Madeira vem de uma pequena ilha que, embora geograficamente faça parte do continente africano, é uma província de Portugal. Para a produção dessa deliciosa bebida, acrescenta-se aguardente de uvas antes de o vinho ter sua fermentação feita por completo. Dessa forma, as leveduras não consomem totalmente os açúcares do vinho, que pode adquirir certo toque de doçura. Os diferentes estilos do vinho são determinados de acordo com o grau de doçura atingido. No final do século XVII, esse vinho era mais um item entre as tantas mercadorias levadas nos navios mercantes e, com o calor, adquiria seus tons caramelos da coloração. Nos tempos modernos, sua forma de produção foi adaptada. Hoje, para obter sua tonalidade específica e seus aromas amendoados e de caramelo, os recipientes contendo os melhores Madeira ficam guardados nos sótãos dos armazéns, cuja temperatura pode remontar à dos interiores de navios, devido ao sol escaldante que ronda por lá. Depois do aquecimento, o vinho fica em descanso por pelo menos um ano, até se recuperar do choque da temperatura e só então vai para o amadurecimento. Os barris em que amadurecem não são preenchidos totalmente. Dessa forma, o vinho terá uma oxidação leve e gradativa que irá deixá-lo mais elegante. Um Madeira pode amadurecer entre 3 e 20 anos ou mais. Sendo assim, os vinhos de excelência podem demorar mais de 40 anos para serem produzidos. As uvas prescritas para a produção desse verdadeiro néctar são: Sercial, Verdelho, Bual e Malmsey (também conhecida por Malvasia). Porém, para os Madeira mais corriqueiros, também podemos encontrar a Tinta Negro Mole. Os nomes das uvas também servem para descrever os diferentes estilos de Madeira. O Sercial e o Verdelho têm estilo mais leve e fresco, tornando-se aperitivos instigantes, enquanto o Bual e o Malmsey ficam perfeitos com sobremesas ricas em chocolate. Para servir o vinho, é interessante decantá-lo, pois a maioria pode apresentar sedimentos. Uma garrafa de Madeira raramente estraga depois de aberta, até porque, depois de fortificá-lo, aquecê-lo, resfriá-lo e oxidá-lo por um longo período, podemos ficar certos de que fraqueza não é um de seus fortes!

CHEIRO DE ROLHA? PODE REJEITAR!
Algumas semanas atrás, tive a oportunidade de
participar do serviço de vinhos de um evento primoroso. Onze grandes produtores de vinhos – entre eles o lendário Château Mouton Rothschild e o produtor do renomado vinho espanhol Vega Sicilia – cederam seus belos exemplares para uma megadegustação em prol do combate à exploração e ao abuso infantil. Muitos dos vinhos degustados eram de safras especialíssimas, grandiosas! O evento estava marcado para as 21 horas, porém o trabalho dos sommeliers (éramos cinco no total) teve início por volta das 15 horas. Todas as garrafas já estavam devidamente climatizadas, bastava abri-las e prová-las! Cerca de 400 garrafas de vinho foram abertas naquela tarde e, incrivelmente, apenas uma apresentava defeito, o famoso cheiro de rolha, ou bouchonée. Esse defeito deixa o vinho sem seus aromas e, pior ainda, confere a ele um cheiro de papelão.

Mas o que é efetivamente o bouchonée? Como as rolhas são confeccionadas de uma matéria vegetal, ficam vulneráveis ao ataque de fungos e, quando atacam a rolha, uma substância é formada: o TCP (abreviatura do composto químico 2, 4, 6 – tri-cloro-anisol). Além das rolhas como porta de acesso para esse defeito, estudos mais modernos apontam que barris de vinho afetados também podem contaminar o vinho, assim como todo o resto dos materiais e equipamentos de uma vinícola podem ser vetores para a transmissão do TCP. Não existe previsão para saber se um barril contendo vinho ficou contaminado, uma vez que os aromas que caracterizam esse defeito só são potencializados após o engarrafamento. Nos tempos do Império Romano, era comum a pessoa responsável por servir o vinho aos imperadores bebê-lo antes, para ter certeza de que o líquido não estava envenenado. Hoje, o sommelier o faz para impedir que o vinho chegue à mesa insosso ou desagradável. Pode parecer difícil detectar o defeito nas primeiras provas, mas acredite: um nariz bem treinado tem o poder de rejeitar incisivamente um vinho bouchonée, mesmo depois de 400 garrafas.


*Gabriela Monteleone é graduada em Gastronomia, com especialização em Enogastronomia, e maître-sommelier do restaurante Gero, em São Paulo.

BEBIDAS – Edição 41


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