Foi com satisfação que vi o Estado do Rio de Janeiro reconquistar a sua dignidade e, por extensão, a dignidade do povo carioca. Em artigos anteriores nesta revista, eu escrevi sobre as minhas experiências vivendo na favela do Jacarezinho de 1965 até 1967. Eu costumava dizer que tive a sorte de nascer duas vezes: a primeira em Nova Jersey e a segunda quando deparei com a incrível beleza do Rio, em 1965. Eu tenho uma paixão pelo Rio de Janeiro e guardo lembranças preciosas dos meus anos lá. Trabalhei em um projeto de urbanização de favela e visitei em torno de 220 comunidades faveladas – muitas das quais acabaram formando o Complexo do Alemão. O projeto não foi para frente e lembro-me de ter escrito um memorando no qual afirmei que se estabelecesse o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, seria quase impossível erradicá-lo sem um banho de sangue. As favelas localizam-se perto do mercado consumidor, ocupam o terreno alto e são labirintos onde as autoridades teriam dificuldade em entrar e conduzir operações. Fiquei triste em ver a degradação do Rio ao longo dos últimos anos. Nas mãos de um poder paralelo, a cidade perdeu o seu rumo, o povo perdeu a sua alegria de viver e passou a sentir medo.
Muito mais que a restauração de lei e ordem aconteceu com a invasão da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, na semana de 25 de novembro. Podia-se ver nos rostos das pessoas a transformação de expressões de medo para de alívio e, por fim, de felicidade. O poder paralelo mostrou-se menos poderoso do que se pensava. E os traficantes foram atacados e vencidos justamente em seu reduto mais forte.
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As autoridades valiam-se de uma estratégia militar bem executada, enquanto os traficantes valiam-se simplesmente de poder de fogo, atirando incessantemente na vã esperança de que poderiam vencer. Perderam!
E agora? As autoridades deram claramente uma lição aos traficantes. O povo viu que eles não passam de um bando de rufiões que controlam as comunidades em que se escondem por meio do medo. Contudo, seria ingênuo achar que esse é o capítulo final na história de tráfico no Rio. A cidade tem em torno de mil favelas e os traficantes certamente tentarão reagrupar e transferir as suas operações para outras comunidades. Haverá mais conflitos. Porém, o Estado mostrou que é capaz de agir e agir com força e estratégia. Não há caminho de volta agora. O que aconteceu na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão terá de acontecer em outros redutos do tráfico. O que aconteceu na semana de 25 de novembro não foi uma “guerra” – foi apenas a primeira (e decisiva) batalha de uma longa guerra. Sem dúvida, os traficantes sofreram prejuízos enormes. Perderam armas, drogas, motocicletas e efetivos. Levarão tempo para a recuperação desse revés.
O próximo passo, a meu ver, será de frustrar as tentativas dos traficantes de se reorganizarem. Isso requer o uso de inteligência e informações sobre as suas atividades. O governo tem um grande aliado agora no povo. Na medida em que cada favela é ocupada, cria-se mais confiança do povo. Viu-se que é possível derrotar esses rufiões. Eles agora estão na defensiva. Cabe ao Estado mantê-los assim. Ocupar as comunidades é necessário, mas não será suficiente. Agora que a serpente foi atacada, será necessário achar onde estão os ovos. Haverá outras batalhas, talvez até mais duras e sangrentas que a da semana de 25 de novembro. Mas cada batalha deixará o tráfico mais debilitado e o Estado mais forte.
Não creio que seja possível erradicar o tráfico de drogas. Enquanto há consumidores dispostos a pagar para obter drogas ilegais, haverá quem as venda. Porém, isso não quer dizer que o Estado de direito tenha de abdicar da sua legitimidade. Um esforço permanente e eficaz para fazer valer a lei é suficiente para manter atividades criminais sob controle. Nesse sentido, creio que se torna mister reestruturar a segurança pública, tanto no Rio quanto em outras cidades. É uma questão institucional. Observamos que uma característica de qualquer Estado é o monopólio da violência em prol da ordem pública. A autoridade pública é a única que tem o direito de empregar a violência para fazer valer a lei. Por isso, a polícia anda armada. A arma é concedida para proteger o cidadão. Transgressores da lei têm de ser punidos com rapidez e justiça. E é de suma importância que o cidadão tenha confiança em suas instituições. O que vimos no Rio de Janeiro foi um exemplo do que acontece quando o Estado abdica da sua autoridade. O nível de violência para poder recuperar essa autoridade foi enorme. Pode-se arguir que não teria sido necessário aquela violência, se o Rio tivesse exercido o seu legítimo poder de Estado desde o início. Contudo, é uma discussão infrutífera. Creio que tivemos uma boa lição. A manutenção da legitimidade do Estado, de direito, é um exercício constante. Assim, poderemos eventualmente evitar confrontos como os que ocorreram na semana de 25 de novembro.
*Jim Wygand é consultor nas áreas de investigação de fraudes e gestão de risco, e é sócio-gerente do CCI – Critic Corporate Issues. Veio para o Brasil, em 1965, com o Peace Corps (Voluntários da Paz) para ações sociais na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro.
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