Berlim, 20 anos sem muro

Comemorações em vários formatos, publicações, lembranças pessoais, fotos e lágrimas novamente despertadas marcam esse aniversário tão particular. Há vinte anos desmoronava o muro de Berlim e, junto com ele, a divisão de um país, a separação de famílias e de amigos. O muro, construído em 1961, foi também, por anos, o símbolo dos tempos em que o mundo esteve dividido em dois blocos e da guerra fria travada entre eles.

A história é bem conhecida. No começo da noite da quinta-feira, 9 de novembro de 1989, em uma conferência de imprensa transmitida ao vivo por rádio e televisão, Günter Schabowski, membro do Politburo do Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED, sigla em alemão), lê um comunicado do conselho de ministros, segundo o qual as regras para autorização de viagens internacionais seriam modificadas e as restrições abolidas. Quando perguntado por um jornalista a partir de quando valeriam as novas regras, Schabowski respondeu: “Imediatamente”. Na verdade, a decisão ainda não era oficial. Mas a notícia foi levada na hora pelos ventos a leste e a oeste. Logo se espalhou, também pela República Federal da Alemanha (RFA), a informação de que o muro estava aberto. Na hora, muita gente se dirigiu aos postos de fronteira e pediu aos guardas que abrissem. Esses não tinham recebido instruções sobre como reagir; obviamente, era uma situação imprevista em meio a um período de muitas mudanças e manifestações, na República Democrática da Alemanha (RDA) e em outros países socialistas europeus. Sem violência, a primeira passagem pelo muro foi aberta ainda naquela noite, em torno das 23 horas, e milhares de pessoas foram de um lado para o outro. Mesmo antes da construção do muro, desde junho de 1952, os berlinenses ocidentais não podiam mais passar livremente à parte oriental. Destruir com marretas o símbolo da separação e da falta de liberdade era o mínimo a fazer naquele momento…
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A história de quem viveu em um país dividido, do reencontro com parentes, da recepção dos alemães orientais no oeste, da explosão na demanda por bananas – inacessível no leste antes da “virada” – são episódios carregados de emoção. Qualquer pessoa que se propusesse a reconstituir, mesmo se apenas por pequenos trechos, a “história da vida privada” da reunificação alemã, encontraria rico e interessante material on-line nas conversas com quem participou de um momento ou outro da história e até nas recordações de quem por lá passou antes ou depois de o muro cair. Desde os alemães no exterior, que não hesitaram em pegar o primeiro voo para assistir à transformação de sua própria história, como os cidadãos dos dois lados, curiosos em se conhecer e a seus tão distintos modos de vida. É divertido o blog de um alemão ocidental (adolescente em 1989), que conta ter tomado um avião em Frankfurt na sexta-feira 10 de novembro e só voltado na segunda-feira seguinte, feliz e atordoado, mas certo de que seu professor de história não se importaria por ele ter perdido a prova.

Deixemos para outras mídias os relatos mais emocionados.

O antigo chanceler alemão ocidental Willy Brandt, prefeito de Berlim na época da construção do muro, conseguiu que fosse assinado, em dezembro de 1972, um tratado entre as duas Alemanhas no qual os países renunciariam ao uso da força e respeitariam a soberania de cada um. Ficou conhecido como o Chanceler da Paz. Foram muitos os passos e as iniciativas para a reaproximação, mas a real transição política nos regimes socialistas europeus começou para valer em 1985, com a abertura na URSS. Entre conversas com os Estados Unidos, com vistas à redução dos conflitos armados pelo mundo, visitas e entrevistas transmitidas por TV aos soviéticos, as relações entre os dois lados do mundo foram se distendendo.

Em 1989, a União Soviética se retirou do Afeganistão sem ter logrado uma vitória. Havia uma clara intenção de limitar seus gastos militares e de pôr fim à corrida armamentista. Ao mesmo tempo, foi concedido aos cidadãos soviéticos o direito de viajar para fora do país e de voltar. A União Soviética se afundava em uma crise econômica e política. A pressão por mudanças na RDA veio, primeiro, de fora. Na primavera daquele ano, os cidadãos esperavam por autorizações de viagem que não eram concedidas. Chegaram as férias de verão e milhares de alemães orientais ocuparam a representação permanente da RFA em Berlim Oriental, as embaixadas tcheca, húngara e polonesa, querendo sair do país. Muitos jovens foram para a Hungria com o objetivo de passar para a Áustria e depois para a RFA. Em setembro, os húngaros abriram a passagem para a Áustria aos alemães orientais. Aí começava a cair o muro, de fato.

Na Polônia, um líder do Solidariedade, um sindicato de trabalhadores, foi eleito primeiro ministro. Em Leipzig, a Igreja de São Nicolau se transformou em um centro de resistência e orações pela paz. As manifestações reuniam cada vez mais gente. Em outubro de 1989, quando Mikhail Gorbachev visitava Berlim Oriental para as comemorações de 40 anos da RDA, os manifestantes gritaram por sua ajuda. As manifestações conti-nuaram sempre maiores. culminando no histórico 9 de novembro de 1989.

Derrubado o muro, era preciso reunificar o país. A data oficial da reunificação política foi 3 de outubro de 1990. As primeiras eleições na Alemanha reunificada aconteceram em dezembro do mesmo ano. Antes disso, estabeleceu-se uma unificação monetária, econômica e social. Dá para imaginar o esforço de integração de um país no outro, a começar pela conversão das moedas. O marco oriental seria substituído pelo marco alemão ocidental (o Deutschmark, DM), mas a que taxa de câmbio? Decidiu-se por várias: os salários, as pensões, os aluguéis seriam na base do 1 por 1; os créditos e as obrigações de empresas e particulares, 2 por 1; o valor de propriedades, as dívidas e as poupanças seriam convertidos a taxas diferentes em função de sua idade e dos valores. A produtividade nas duas Alemanhas também era muito diferente, assim como a qualidade dos produtos vendidos, dos imóveis e do padrão de vida.

O processo todo de reunificação custou tempo, dinheiro e muita solidariedade, especialmente porque os gastos foram cobertos por ampliação da carga tributária. O governo alemão utilizou-se de um dispositivo previsto na reforma fiscal de 1955, que permitia ao Estado cobrar um imposto adicional sobre a renda das pessoas e lucros das empresas por tempo indeterminado. O imposto solidário foi introduzido a partir de 1991 e depois renovado no âmbito do Programa Federal de Consolidação (Pacto Solidário), de 1995, sem prazo final. O valor arrecadado até meados da década atual gira em torno de 10 bilhões de euros ao ano. Os gastos foram enormes para construir um novo país, incorporando a antiga RDA ao padrão econômico e de seguridade social ocidental. Aí estão eles 20 anos depois, bem-sucedidos, cidadãos europeus, embora alguns – entre os mais velhos, mas também entre quem nem chegou a conhecer a RDA – com certa nostalgia dos tempos do leste (a chamada ostalgie). Dizem que o muro ainda existe na cabeça de algumas pessoas.

A dissolução da União Soviética e a reunificação alemã marcaram o fim do século XX, como disse o historiador Eric Hobsbawm. A queda do muro foi um processo democrático, de sucesso e emocionante. Mas ela representa muito mais que um fenômeno histórico marcante: chegou ao fim a separação do mundo em dois.

O mundo mudou muito desde então. Para pensar apenas no lado econômico, entraram em cena atores que estavam “do lado de lá” durante a Guerra Fria, como a Rússia e a China. Os volumes transacionados no comércio internacional, os fluxos de capital, a integração dos mercados, a interdependência entre países, tudo cresceu muito.

O sistema financeiro internacional, em particular, vem nos mostrando seu poder de criação e destruição. Houve liberalização excessiva no mundo pós-Guerra Fria? Deveríamos olhar de volta para os padrões de maior intervenção do Estado e controle sobre as atividades econômicas? Sim, não ou talvez… Abertura “selvagem”, desregulamentação, insuficiência dos mecanismos de controle e monitoramento podem permitir que os mercados produzam catástrofes. Mas controle excessivo, ausência de oportunidades e a burocracia produziram ineficiência, falta de liberdade e de democracia e ainda sofrimento.

Transformações nas relações econômicas internacionais estão sempre em curso. Assim como o muro caiu apenas depois de anos de Glasnost, de manifestações populares e negociações, a nova ordem econômica mundial vai sendo construída no curso da história. E agora estamos no momento-chave dessa história. O gigante país socialista remanescente diz que se cansou de acumular dólares. E agora? Isso é outro pedaço da história em movimento…

Fonte das informações sobre a economia alemã:
Hasse, Rolf H., Schneider, H. e Weigelt, K. Diccionario de Economía Social de Mercado. Política Económica de la A a la Z. 3a ed. Buenos Aires: Konrad


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