Best-seller de província

No inverno de 2007, estive na casa de Cristovão Tezza para entrevistá-lo. Na ocasião, o escritor estava animado com a reedição de alguns de seus livros (Aventuras Provisórias e Trapo) e, em especial, por causa do novo romance que acabara de escrever, O Filho Eterno, marcando seu retorno à Editora Record. Quase quatro anos depois, esse livro se tornaria um dos maiores fenômenos da ficção nacional. Ganhou todos os prêmios que disputou e tem sido apontado pela crítica especializada como a obra mais importante da literatura brasileira nos últimos dez anos (o romance já vendeu mais de 60 mil exemplares em dez edições).

Publicado na França, Itália, Austrália e Espanha (em catalão), O Filho Eterno consolidou Tezza como um dos mais importantes autores brasileiros, lhe tirou da universidade depois de 20 anos de magistério e lhe proporcionou momentos célebres, como o encontro com o escritor sul-africano John Maxwell Coetzee, Nobel de Literatura. Ainda assim, garante Tezza, o sucesso de seu best-seller foi incapaz de lhe deixar deslumbrado.
Depois de mais de duas décadas em uma espécie de semianonimato literário, Tezza deixou para trás sua condição de escritor de província – exilado em Curitiba -, para desfrutar de um status reservado a poucos autores no País: àqueles que fazem o leitor brasileiro entrar em uma livraria para comprar um livro.

Escritor formado em meio às utopias dos anos 1970, Tezza diz que, largar o emprego de professor, aos 58 anos, para viver de literatura (e seus derivados) foi uma escolha existencial, não literária. Ainda assim, os projetos literários parecem florescer com mais intensidade, agora que Tezza é um escritor full time. Além do inédito livro de contos Beatriz, que sai em outubro, Tezza planeja um ensaio sobre a prosa e um romance chamado O Professor, que o escritor diz, em um tom jocosamente sério, que será a sua obra-prima.
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Autor de romances como Trapo e Ensaio da Paixão, livros que descreveram as sensações e desejos de sua geração, Tezza recebeu a reportagem da Brasileiros em seu apartamento, em Curitiba, para explicar, entre outras coisas, de que forma sua literatura confessional o moldou como escritor.

Brasileiros – O Filho Eterno fez um enorme sucesso, ganhou vários prêmios e tem sido apontado como um dos melhores livros da década. Como foi escrever um novo romance, Um Erro Emocional, depois dessa avalanche de sucesso?
Cristovão Tezza – Não me incomodei muito com essa expectativa. Tenho uma pauta literária que me acompanha há 20 anos. Ou seja, já tinha um roteiro mais ou menos na cabeça para Um Erro Emocional, que nasceu de um livro de contos. Para mim, todo livro novo é como se fosse o primeiro da carreira. A publicação de Um Erro Emocional serviu também para tirar esse carma: “O que ele vai fazer depois desse best-seller?” (risos).

Brasileiros – Desde o final dos anos 1980, você publica por grandes editoras e, desde os anos 1990, é considerado um dos principais escritores do País. Mas foi só depois de vários romances que você ficou conhecido pelo grande público. Como foi esse período pré-consagração?
C.T. – Até os anos 1990, eu era um escritor escondido, exilado em Curitiba. Mas não tenho dúvida de que, com a obra que eu tinha, com romances como Trapo, Uma Noite em Curitiba e A Suavidade do Vento, se eu morasse no Rio ou em São Paulo, certamente seria um autor muito mais conhecido. Foi só depois que comecei a escrever em jornal (Folha de S.Paulo) e meus livros começaram a ganhar prêmios, que tive maior repercussão nacional.

Brasileiros – Depois de 20 anos como professor, agora você é um escritor full time. 2011 é o seu primeiro ano como não-professor. O que o fez tomar essa decisão? Largar o emprego e viver de literatura soa como um sonho juvenil, não?
C.T. – De certa forma, sim. Mas é um pouco de exagero dizer que eu larguei a universidade para virar uma espécie de operário da literatura. Eu simplesmente queria ter um padrão de vida melhor, ler mais e escrever com maior tranquilidade. Na verdade, foi uma escolha existencial, não literária. Eu simplesmente abri mão de uma estabilidade, mas de forma muito bem calculada. Eu não aguentava mais a vida acadêmica e faltava muito tempo para me aposentar. Não podia esperar mais dez anos, porque não ia sobrar nada para a literatura. Pulei fora em tempo.

Brasileiros – Você disse que sua mais recente obra, Um Erro Emocional, começou como um livro de histórias curtas, mas acabou saindo um romance. O escritor não tem controle sobre esses aspectos do fazer literário?
C.T. – Eu não tenho muito controle, não. Depois que publiquei O Filho Eterno, recebi muitos convites para escrever contos em revistas e jornais. E fui tocando. Até que um dos contos tomou um rumo inesperado, foi crescendo e virou o romance Um Erro Emocional. E assim que eu fechar esse livro de contos, quero passar para dois outros projetos. O primeiro é um ensaio sobre a prosa, que será um texto bastante idiossincrático, pessoal, uma visão sobre o romance do ponto de vista de um romancista. Quase uma autobiografia teórica. Depois, vou escrever um romance chamado O Professor, que costumo dizer que será minha obra-prima (risos), um romanção.

Brasileiros – Vários de seus livros, como Trapo e Ensaio da Paixão, retratam personagens e situações anárquicas em um meio underground. Temas que tinham a ver com sua juventude utópica. Pretende um dia voltar a esses temas e personagens?
C.T. – Escrevi muito sobre minhas experiências imediatas, sensações da minha geração e de meu tempo. Isso é a alma da minha literatura, que tem um traço confessional. Sou obcecado pelo presente. Por isso, acho que teria imensa dificuldade em escrever um romance histórico. Então, eu fui sendo escrito pelos meus livros. Trapo era um retrato de geração, o personagem é um cara do final dos anos 1970, começo dos 1980, período que vivi intensamente. É um livro que também lida bem com a questão das gerações, do jovem rebelde, que é uma coisa mais ou menos eterna.

Brasileiros – Trapo, lançado em 1988, fez parte da importante coleção “Cantadas Literárias” e foi o livro que te revelou nacionalmente. Vinte anos depois, você escreve seu livro mais importante. Esses são os livros mais representativos da sua carreira?
C.T. – Comecei a virar escritor com Trapo, quando apareci nacionalmente. E com O Filho Eterno consolidei meu nome. Fazer um leitor brasileiro entrar em uma livraria para comprar um livro de um autor nacional é uma coisa muito difícil (risos). É um time pequeno de escritores que já tem uma faixa de leitores. O Filho Eterno me deu isso finalmente.

Brasileiros – O Filho Eterno já foi publicado em vários países. Durante muitas décadas, nosso escritor-símbolo fora do País foi Jorge Amado, autor que escreveu um tipo de literatura bastante diferente da sua. Como tem sido a recepção de um autor brasileiro que não fala de mulatas, violência, sexo e favela?
C.T. – Uma coisa que se percebe imediatamente ao lidar com editores internacionais é que a literatura brasileira não existe fora do Brasil. É totalmente irrelevante. Só existe em áreas especializadas, em nichos acadêmicos. Para o leitor comum, a literatura brasileira só existiu com Jorge Amado e, agora, com Paulo Coelho. Mas se o Paulo Coelho se chamasse Kenneth Taylor, seria a mesma coisa, porque a literatura dele não é representativa da literatura brasileira, da tradição machadiana, de Graciliano, de Guimarães Rosa. Não estou dizendo que é boa ou ruim, apenas que ela é um fenômeno global. E essa questão do Brasil exótico é um problema sério para mim, porque eu jamais correspondi a essa imagem do Brasil sensual, libertário. E o europeu não quer do Brasil uma literatura que fale de condição humana, de vida urbana de classe média.

Brasileiros – E como foi o seu encontro com J.M. Coetzee?
C.T. – Foi uma delícia. Eu e os escritores Geoff Dyer e Marina Lewicka jantamos na casa dele durante um festival literário em Adelaide, na Austrália, onde Coetzee mora. Ele é um sujeito bastante discreto, que tem uma grande curiosidade pelo Brasil. Não comentou nada sobre autores brasileiros, só sobre a questão racial.

Brasileiros – Você sempre é indagado a respeito de Curitiba e de como é, para um escritor, trabalhar em uma cidade tão idiossincrática, solitária e fria. Seus livros, desde o começo, nunca trazem orelhas assinadas por outros escritores e você também nunca se associou a grupos. Cristovão Tezza é um típico autor curitibano?
C.T. – (risos) Não sei, talvez sim. Eu fiquei meio traumatizado com o posfácio da primeira edição do Trapo, feito pelo Paulo Leminski, que foi contratado pela editora (Brasiliense) sem meu conhecimento ou permissão. E o texto praticamente convida o leitor a não comprar o livro. Outra questão é que esse tipo de convite cria uma situação meio pesada, porque a pessoa pode não gostar do livro e ficar sem jeito de recusar. Então, acho que esse isolamento é um pouco de caipirice, um pouco de trauma.

Brasileiros – Você vendeu os direitos de adaptação de O Filho Eterno à produtora brasileira de filmes RT Features. Terá algum tipo de envolvimento no filme e o que espera dele?
C.T. – Não vou ter nenhum envolvimento, vendi os direitos e o Rodrigo Teixeira (dono da produtora) faz do livro o que quiser. Se eu tivesse algum receio com relação ao resultado final, não venderia. Pelo que sei, o Rodrigo ainda está procurando um diretor, aqui e fora do Brasil, para filmá-lo no ano que vem.


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