Biografias: suicídios e homossexualismo nem pensar

O mais surpreendente nessa discussão sobre as restrições que importantes músicos brasileiros querem impor, por lei, à publicação de biografias é que, até o momento, nenhuma obra foi apontada como sensacionalista, feita para expor inverdades e denegrir a imagem de alguém. A não ser a do político José Dirceu, que teve muitas informações e declarações desmentidas ou colocadas em dúvida, independente dos crimes que ele tenha cometido. Portanto, todos os questionamentos foram feitos por causa de fragmentos, de trechos ou simplesmente para se buscar dinheiro de modo dissimulado, a partir de mentiras e acusações postas em peças judiciais. A de Noel Rosa foi parar na justiça porque falava do suicídio do pai – tema tratado numa longa reportagem da revista “Carioca”, em maio de 1946, e na biografia que Almirante lançou em 1952. A de Roberto Carlos, por causa do episódio em que ele perdeu a perna num acidente ferroviário. A de Paulo Leminski, por falar do suicídio do irmão do escritor.

Talvez o argumento da turma do Procure Saber ganhasse mais força se seus expoentes ou advogados apontassem algum autor que recentemente tenha tentado ganhar dinheiro com fofocas, intrigas ou mentiras sobre uma celebridade. Essa não é uma tradição no mercado editorial brasileiro. Nossos biógrafos são sérios e honestos: Ruy Castro, Carlos Didier, João Máximo, Toninho Vaz (que, além de Leminski, escreveu um livro maravilhoso sobre o Solar da Fossa), Jorge Caldeira, Mário Magalhães, Lira Netto e os mais antigos como Roberto Magalhães e tantos outros merecem respeito. Sem contar que não ficaram milionários com seus livros. O que motivou a ação do Procure Saber ainda não veio público. Nenhum de seus membros teve de proibir algum livro para esconder um ou mais segredos. Ou não?

Falar em suicídio não pode. Homossexualismo também não. E aqui conto uma experiência pessoal. Quando publiquei a biografia do artista gráfico e estilista – pioneiro da moda no Brasil – Alceu Penna (1914-1980) – Alceu Penna e As Garotas do Brasil, fui massacrado por familiares do personagem apenas porque reproduzir uma frase que peguei no excelente livro “Cobras Criadas”, de Luiz Maklouf de Carvalho, que teria sido dita pelo jornalista David Nasser, uma dos mais notáveis canalhas do jornalismo brasileiro: “Alceu é o único veado que conheço que não dá o cu”. Nasser repetia isso todas as vezes que Alceu entrava na redação da revista O Cruzeiro, o que deixava o ilustrador irado. Ele tinha raiva de Nasser também porque o enganara certa vez: convenceu o o ilustrador a pegar com a amiga Carmen Miranda fotos de sua intimidade que foi usada numa biografia inventada por ele, cheia de mentiras e invencionices, apenas porque ela se negou a gravar sambas de sua autoria. Por isso, Carmen deixou de falar com ele.

 

Reprodução.
A capa do livro.

Em nenhum momento, eu disse que Alceu era homossexual, embora eu soubesse disso. Achei irrelevante. No caso, repito, eu precisava explicar que Nasser havia destruído a relação dele com Carmen. Dois parentes do artista me mandaram e-mails dos mais violentos, com ameaças de processo e mandar proibir o livro, além de insultos. Curiosamente, sou muito amigo de um sobrinho neto dele que gosta e aprova o livro. Fui acusado de fazer sensacionalismo e de inventar que o estilista era homossexual. Eu havia desonrado sua família, disseram, com essa mentira deslavada. Não baixei a guarda. Tratei com essas pessoas no mesmo tom de baixaria e desafiei que proibissem o livro. Acusei as duas pessoas de homofóbicas, por negarem a homossexualidade de um parente. Parei no momento em que palavrões ofensivos vieram do lado de lá. Lembro ter dito assim: “não ganhei merda nenhuma de dinheiro com esse livro, que foi feito para resgatar um personagem importante da nossa moda e da imprensa. Portanto, podem censurar o que quiser. Vão à merda.”

E ainda tenho que ler Paula Lavigne dizer que se ganha dinheiro com biografias no Brasil. Não é verdade. Tanto que conseguir editor é uma tarefa árdua. Elogiam a seriedade do meu trabalho, mas dizem que biografia não dá dinheiro. A propósito, alguém aí quer publicar a biografia do produtor de cinema e rei da dublagem Herbert Richers? Tá prontinho… E vai vender pra caralho, espero.


Comentários

Uma resposta para “Biografias: suicídios e homossexualismo nem pensar”

  1. Avatar de Luiza Penna de Andrade
    Luiza Penna de Andrade

    Olá, Gonçalo! Ainda bem que a vida e as pessoas mudam, muitas vezes para melhor. Vamos focar no presente e no futuro da grande obra de Alceu Penna, tão bem exposta no seu livro. Abraço.

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