Há quatro meses, um tradicional bar no Itaim Bibi, zona sul de São Paulo, passou a aceitar uma nova forma de pagamento. Além dos cartões de crédito, de débito e das quase extintas folhas de cheque, João Luiz de Campos, dono do Zé Gordo, recebe bitcoins como pagamento. Assim como ele, cerca de 80 estabelecimentos, entre bares, restaurantes, hotéis, e-commerces e até profissionais autônomos, anunciam: “Aceitamos bitcoin”. Os dados são do mapa colaborativo Coinmap.org – espécie de Google Maps aberto, que estima em 5.200 locais no mundo que já abraçam a moeda virtual.
Bitcoin é uma criptomoeda que surgiu na internet em 2009. A atribuição de sua origem é dada ao pseudônimo Satoshi Nakamoto, que descreveu, em forma de paper acadêmico, o funcionamento do sistema que sustenta a moeda. Mas ainda pouco se sabe sobre a verdadeira identidade de seu criador. Em março deste ano, a Newsweek publicou uma reportagem em que teria descoberto o “misterioso homem por trás da criptomoeda”. Segundo a revista americana, Nakamoto seria um discreto programador japonês de 64 anos, que mora nos Estados Unidos e teria acumulado uma considerável fortuna em bitcoins, já avaliada em US$ 500 milhões. No entanto, o próprio programador se esquivou e declarou não fazer parte do protocolo que gerou a “moeda”.
Independente da identidade de Sakamoto, fato é que a bitcoin se tornou a primeira moeda virtual bem-sucedida de natureza descentralizada. Em pormenores, o sistema que a sustenta nãodepende de nenhuma instituição, como o Banco Central ou um sistema bancário, para validar e registrar as transações. Os próprios usuários são os responsáveis por transitá-la e também por emitir novas moedas.
Fernando Ulrich, mestre em Economia e autor do livro Bitcoin: a Moeda na Era Digital (Mises Brasil, 2014), compara o dinheiro virtual com o advento do e-mail. “É uma plataforma financeira verdadeiramente global”, defende. Para Gabriel Aleixo, pesquisador do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio de Janeiro, a bitcoin é “uma transformação radical do ponto de vista computacional, econômico ou social”. Dono da primeira casa de câmbio especializada em criptomoeda do Brasil, a BitCoinToYou, em Curitiba, Paraná, Luiz Farina associa a bitcoin à própria internet, que em 1994 era vista com certa hesitação. “Vejo que a moeda tem poder grande no mercado. Não é à toa que está sendo usada por aqueles que já entenderam o seu protocolo.
Como um quebra-cabeças
Entender os processos e as operações por trás da moeda criptografada não é tão simples como acessar a internet. Basicamente, o sistema que opera a bitcoin funciona em uma rede de computadores peer-to-peer (de ponto a ponto). Ela consiste em uma rede globalmente distribuída, onde diversos usuários, munidos de poderosos processadores, assumem para si a tarefa de validação e registro das transações no sistema. Esses usuários recebem o nome de “mineradores”, em alusão à mineração do ouro. Na linguagem deles, “minerar” significa resolver cálculos matemáticos, uma espécie de quebra-cabeças de altíssima complexidade.
Diferente de um Banco Central, que imprime cédulas, a bitcoin é resultado dessa mineração. A cada intervalo de tempo, um novo quebra-cabeça criptografado é lançado à rede de usuários. Logo, o primeiro a resolver a equação será recompensado com um determinado número de bitcoins. Resumindo: uma verdadeira corrida em direção ao ouro virtual que, ao longo do tempo, se torna mais acirrada, uma vez que mais usuários na disputa dificultam a quebra de códigos.
Mas ok, se você não tem um computador superpotente (o investimento para isso pode custar dezenas de milhares de dólares) e nem é um super gênio da computação, como é possível obter suas primeiras moedas virtuais? Simples, da mesma forma que se compra moeda estrangeira, só que em sites especializados, os exchanges, como o BitcoinToYou e o Mercado Bitcoin, ambos brasileiros. Outra maneira é prestando serviços em troca de bitcoins.
Para realizar compras com a moeda, é preciso criar uma carteira virtual, disponível para download em sites que oferecem o serviço ou ainda aplicativos para smartphones. “Equivale a abrir uma conta em um banco, mas sem a burocracia toda. Depois de criar a carteira, você está instantaneamente conectado nessa plataforma financeira mundial, já podendo receber ou enviar bitcoins”, resume Fernando Ulrich.
Depois de passar pelo Shopping Nações Unidas, do World Trade Center, em São Paulo, um caixa eletrônico, semelhante a um caixa tradicional de banco, se encontra instalado na Vila Madalena, Rua Laboriosa. Com uma diferença: ele permite que qualquer usuário troque bitcoins por reais e vice-versa. É o primeiro da América Latina. Atualmente, Segundo Safiri Felix, executivo responsável pela operação da Coinverse, além da função de conveniência, o caixa também contribui para educar pessoas sobre toda a operação da moeda. A iniciativa tem gerado procura crescente. Em dois meses, o caixa movimentou cerca de R$ 180 mil. Outro caixa do gênero deve ser instalado no Rio de Janeiro até o final do ano. “A receptividade é enorme. Acredito que no momento que tivermos grandes empresas aceitando a moeda, a tendência é que a adoção seja ainda maior”, prevê Felix. Neste ano, usuários da bitcoin comemoraram o anúncio de que a Dell, fabricante de computadores, passou a aceitar a moeda como alternativa de pagamento.
Mercado em ascensão
Em Berlim, Alemanha, diversos estabelecimentos do descolado bairro de Kreuzberg passaram a adotar a bitcoin. No Brasil, as primeiras iniciativas começam a ganhar corpo, e startups prestam atenção em um mercado com potencial lucrativo. Criado em 2011, o Mercado Bitcoin é um desses exemplos. A empresa é uma espécie de balcão de negociações de bitcoin, aproximando vendedores e compradores da moeda, como se fosse um Ebay ou Mercado Livre de bitcoin. À frente das operações desde 2013, Rodrigo Batista é um dos sócios do Mercado Bitcoin, ao lado de três amigos. De lá para cá, tornou-se uma das maiores empresas de moedas digitais na América Latina, movimentando mensalmente cerca de R$ 3 milhões. “As pessoas começam a usar a moeda no dia a dia, principalmente para fazer pagamentos para o exterior ou para receber remessas. Isso é uma coisa que tem aumentado muito”, diz Batista.
Para ele, o uso e o conhecimento sobre a moeda virtual dispararam em relação ao ano passado. Uma das vantagens da bitcoin é a sua facilidade para enviar valores ao exterior, uma vez que pode ser trocada de forma imediata, sem qualquer burocracia e sem as altíssimas taxas de transação das tradicionais casas de câmbio ou de bancos.
Lançada em maio deste ano, a PagCoin é uma plataforma de pagamentos para empresas de comércio eletrônico. Segundo João Paulo Oliveira, sócio-fundador e CEO da startup, um dos motes da empresa é diminuir os custos de transação de e-commerce. Enquanto um pagamento com cartão de crédito requer até 5% de taxa, a PagCoin efetua o mesmo serviço com apenas 1% do dinheiro pago à empresa vendedora. Além disso, garante que a transação seja efetuada em 48 horas. “Essa margem é muito alta para o pequeno empresário. E esse valor acaba sendo repassado para o consumidor. Então, acaba que tudo fica 5% mais caro. Com a bitcoin, a transação é mais eficiente e com um custo próximo de zero.”
Basicamente, a PagCoin oferece um plug-in a lojistas que, instalado em uma loja virtual, passa a aceitar a moeda virtual como forma de pagamento. A startup também é a responsável por repassar ao lojista o valor da compra equivalente em real, assumindo assim as flutuações da bitcoin.
Futuro bitcoin
Desde de seu lançamento, a moeda virtual passou por grandes flutuações. Em 2013, 1 bitcoin (BTC) valia cerca de US$ 10. Um ano depois, a unidade atingiu US$ 1 mil. Na cotação de 29 de agosto último, 1 BTC valia US$ 508, o equivalente a R$ 1.084. A alta flutuação da moeda é uma das características que atrai e, ao mesmo tempo, afasta usuários. Para especulação, é uma aposta. Segundo o economista Fernando Ulrich, por ser um ativo inédito, recente e sem precedentes, é difícil precificar a bitcoin. “Neste momento, o mercado faz justamente isso, tenta encontrar o preço da moeda. No início, a volatilidade era maior. Hoje, ela está mais estável do que já foi.”
Neste ano, a notícia de que até então a maior casa de câmbio de bitcoins, a MT. Gox, baseada no Japão, faliu depois de uma invasão em seu sistema de computadores, estremeceu a popularidade da moeda. No entanto, Gabriel Aleixo, do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio de Janeiro, ressalta que a invasão à plataforma não influencia a concepção nem a segurança da moeda virtual. “No quesito técnico, a bitcoin em si é protegida por criptografia de nível militar, fazendo com que seja impossível no horizonte próximo quebrar o sistema para gerar moedas falsas ou algo semelhante. Até porque no dia em que isso for possível, o problema não será apenas com a bitcoin, mas também com os bancos tradicionais, serviços online, todos com a segurança baseada nessa mesma criptografia.”
A tendência é que nos próximos anos a bitcoin seja mais adotada e, apesar de sua descentralização, uma regulação da moeda pode ser inevitável. O Estado de Nova York é um dos primeiros a demonstrar ações concretas de que pretende regular negócios em moeda virtual. Rodrigo Batista, do Mercado Bitcoin, acredita que nos próximos dez anos a nova moeda também será responsável por mudar um comportamento e a forma como lidamos com o dinheiro. “Além de podermos transmitir valores de forma rápida para qualquer lugar do mundo, vamos ver profissões novas, novos arranjos de empresas. Você consegue criar outro tipo de computação em que seja fácil e barato remunerar pessoas até pelo uso dos computadores”, prevê. Para Fernando Ulrich, o aumento na adoção da moeda pode impactar também o sistema monetário como conhecemos. “Creio que a bitcoin será cada vez mais usada e, quando houver uma adoção em larga escala, a criptomoeda servirá como uma espécie de freio às políticas monetárias expansionistas que temos visto nos últimos tempos, podendo atuar como um empecilho ao inflacionismo reinante no mundo das moedas fiduciárias.”
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