Desde garoto, ele vive em torno do automobilismo. Já pilotou de tudo, de protótipos inovadores para disputar provas de alta velocidade nas pistas brasileiras, onde acumulou vitórias, até buggie, em corrida realizada nas areias da praia de Copacabana. Foi um ás do autobol – um jogo de futebol praticado com automóveis, em geral caindo aos pedaços, que foi febre entre cariocas na passagem dos anos 1960 para os 1970.
A paixão pela velocidade surgiu ainda garoto. Morador da Gávea, no Rio de Janeiro, podia acompanhar de perto a corrida mais famosa do Brasil da época, o Grande Prêmio da Cidade do Rio de Janeiro. O Circuito da Gávea, mundialmente conhecido como Trampolim do Diabo – pode-se imaginar o porquê -, percorria o que hoje é a avenida Niemeyer, subia o morro da Rocinha pela Estrada da Gávea com todas as suas curvas, completando sua volta na rua Marquês de São Vicente. Na época, Bob ainda era Robert Amaral Sharp – sobrenome herdado do avô, um norte-americano que aportou no Rio de Janeiro por volta de 1875 e constituiu família.
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O Trampolim do Diabo resistiu como local de corridas até 1954, quando foi substituído pelo Autódromo da Barra da Tijuca, onde Bob estreou em 1962, aos 20 anos, pilotando um Fusca 1.200. Nesse mesmo ano, entrou para o curso de construção de motores e máquinas na Escola Técnica Federal do Rio de Janeiro, atual Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, o que lhe permitiu trabalhar dentro e fora das pistas nas décadas seguintes. “A jovem indústria automobilística nacional mudou a cara do Brasil e abriu espaço para novos pilotos e novas profissões. Muitas inovações surgiram nas pistas”, lembra Bob.
As grandes marcas investiam em corridas e pilotos, como estratégia de aperfeiçoar motores e divulgar seus carros, dando espaço para a inventividade dos brasileiros. Foi assim que, em 1963, Bob passou a correr de DKW, um dos xodós da época, com seu pequeno motor de dois tempos, integrando-se à equipe oficial da empresa, comandada por outro personagem histórico das corridas no Brasil, Jorge Lettry. Nas 12 Horas de Interlagos, em São Paulo, preparou seu próprio motor, em parceria com primo Billy Sharp, desenvolvendo um novo escapamento, componente fundamental para obtenção de maior potência, projeto que acabou não dando muito certo.
Depois de se dar mal pela segunda vez em São Paulo, na prova 1.500 km de Interlagos, com Gilberto Correia Filho, Bob deu uma sumida das pitas, reaparecendo na inauguração do Autódromo de Jacarepaguá, em 1966. Mas foi com o surgimento da Fórmula Vê, no ano seguinte, que ele retomou seu brilho. Criada na Alemanha e divulgada no Brasil pela então jovem revista Autoesporte, a Fórmula Vê era uma modalidade em que os carros eram montados com base na mecânica Volkswagen comum, de 1.200 cilindradas.
Na primeira, realizada em abril de 1967, Bob chegou em terceiro lugar, pilotando um Aranae, um autêntico carro de corridas nacional, mais tarde chamado Sprint, fabricado por Alexandre Freitas Guimarães, Silvano Dalle Mole e Eduardo Estefane. O Aranae-Vê concorria com os Fitti-Vê, uma invenção dos irmãos Wilson e Emerson Fittipaldi, e foram os carros mais constantes nos três anos em que a Fórmula Vê sacudiu o automobilismo com a realização de 33 provas.
Bob Sharp chegou a ser sócio de uma revenda da Vemag, com os irmãos Eduardo e Maurício Ribeiro, em 1967, ano em que a empresa interrompeu sua produção. Investindo em seu lado de mecânico, ele construiu um protótipo idêntico ao DKW modelo Belcar, porém com as superfícies de plástico reforçado com fibra de vidro, bem mais leve. Com esse bólido, fez várias etapas do campeonato carioca, duelando com Volkswagens 1.6. Na prova 1.000 km de Brasília, em 1969, foi o quinto entre os protótipos nacionais.
As pistas se mantiveram cheias de novidade nos anos 1970, com o ingresso de grandes patrocinadores nas corridas, o que mudaria a cara do automobilismo. Bob foi convidado a integrar a Equipe Brahma-Casari, em dupla com Milton Amaral, e estreou na corrida 1.000 km de Brasília o protótipo Casari A-1 Ford, um modelo inspirado nos veículos da série Can-Am, famosa na época. O Casari A-1 foi concebido com partes mecânicas do Carcará, carro recorde da Vemag, e com o potente motor Ford Galaxie V-8 acoplado a um transeixo ZF, o mesmo que equipava os modelos Lola T70, carro europeu de maior cilindrada, objeto de desejo das pistas. “Desenvolvemos uma mecânica que mesclava diferentes componentes fabricados em nossa indústria, unindo alta performance com durabilidade”, lembra Bob.
Dois anos depois, foi um dos articuladores do que seria a semente das provas de Stock Car no Brasil. A iniciativa foi de uma concessionária Chevrolet Mesbla S/A, no Rio de Janeiro, que resolveu apoiar uma categoria monomarca com modelos Opala cupê 4.100 praticamente originais – a Stock Car viria mais tarde, em 1979. Na sequência, Antônio Carlos Avallone – quase lendário piloto, empresário, jornalista, construtor de carros e deputado federal – passou a organizar corridas em que Chevrolet Opalas e Ford Mavericks se confrontavam em belos duelos na classe dos carros grandes, enquanto Chevettes e Dodginhos 1.800 brigavam na classe de menor cilindrada. Bob estava lá, no time dos Opalas.
Nas 25 Horas de Interlagos, em agosto de 1973, o trio formado por Bob Sharp, Jan Balder e José Carlos Ramos colocou o Opala em segundo lugar, perdendo por apenas 47 segundos para o Maverick oficial da equipe Greco-Ford, pilotado por Clóvis de Morais e pelos irmãos Bird e Nilson Clemente. A disputa entre as duas marcas era acirrada e, para desempatar, Bob recorreu a um novo motor em desenvolvimento na GM, então sob o comandado de Roberto Beccardi, o Chevrolet 250S, que proporcionava ganho de 30 cavalos.
“Tentamos ir para os 1.000 km de Brasília, de 1974, mas não conseguimos convencer os dirigentes da Confederação Brasileira de Automobilismo que o novo Opala estava dentro do regulamento”, lembra. Na corrida seguinte, as 25 Horas de Interlagos, foi preciso um mandado de segurança, impetrado pela revenda Chevrolet Itacolomy, de Reynaldo Campello, para inscrever quatro carros. O Opala de Campello e Wilsinho Fittipaldi venceu, mas o de Bob e Jan teve o motor quebrado durante a prova.
A Ford, sob comando de Luiz Antônio Greco, reagiu e homologou uma versão mais potente do Maverick, com componentes importados para o motor V-8 302, que passou a dominar a categoria, graças aos 45 cavalos a mais. Além disso, Greco convenceu Bob, que não tinha vínculos com a equipe Opala, a pilotar o novo carro.
Foi nessa equipe oficial Ford, chamada Mercantil Finasa-Motorcraft, que Bob conquistou sua primeira vitória na classificação geral, e não parou mais. Venceu as 12 Horas de Goiânia em dupla com Marivaldo Fernandes. Ficou em segundo lugar nas provas de Porto Alegre. Venceu novamente nas 25 Horas de Interlagos, em 1975, com José Carlos Pace e Paulo Gomes; e conquistou também os 1.000 km de Brasília, com Edgar de Mello Filho.
Em 1976, com outro Maverick, levou o Campeonato Brasileiro de Turismo Especial, a Divisão 3. “Mas foi um título meio oco, pois o Mave-rick D-3 não tinha concorrente à altura”, admite o piloto. Nesse mesmo ano, também conquistou um título mais importante, o de Campeão Brasileiro de Turismo de Série, com Maverick Grupo 1 FIA, regulamento que substituiu a Divisão 1. Para isso, venceu em Brasília, com Paulo Gomes; levou as 6 Horas de Interlagos, com Arthur Bragantini; e foi segundo em Cascavel, com Eduardo Celidônio. Os dois títulos o colocaram no cobiçado ranking da revista Autoesporte de 1976.
No ano seguinte, com o fim da equipe Greco na Ford, Bob migrou para a Fiat. Venceu a primeira prova de Fiat 147 no Brasil, realizada no Rio de Janeiro, mas logo se mudou para São Paulo, para trabalhar na diretoria comercial da Fiat Automóveis. Apesar do cargo, volta e meia trocava o terno pelo macacão para participar de corridas curtas e longas com o pequeno modelo 147.
Os anos 1980 trouxeram reviravoltas na vida de Bob. Ele começou a exercer o jornalismo, trabalhando como editor de testes da revista Autoesporte – e não parou mais. Manteve suas atividades como piloto até 1987, sendo, desde 1984, chefe da área de competições da Volkswagen, e participava do Campeonato Brasileiro de Marcas e Pilotos e do Campeonato Brasileiro de Rali de Velocidade com seus carros campeões, primeiro o Voyage, depois o Gol.
No final dessa década, Bob ainda passou por outras empresas, como a Gurgel e a Alfa Metais, fabricante do Puma, mas foi no jornalismo especializado que ele se concentrou nos anos seguintes, como editor técnico da Quatro Rodas e da Autoesporte, pela segunda vez. De editor, passou a gerente de imprensa, cargos que exerceu na GM e na Embraer. Hoje, é consultor e colunista das revistas SAE Brasil e Quatro Rodas, além de colaborador nas revistas Carro, Racing e do site automobilístico norte-americano Inside Line. Nas horas vagas, projeta utilitários, como o recentemente patenteado FlexCalc, um calculador que ajuda os donos de carros flex a calcularem as vantagens, em cada momento, de abastecer seus carros com álcool ou gasolina.
Para Bob, o balanço dessas experiências é altamente positivo: “Nunca ganhei dinheiro com corridas, mas também nunca gastei um centavo. A satisfação mais que recompensou”.
O futuro? “Vou trabalhar até o último dia de vida nisso que tanto gosto, como fez meu inspirador, o belga Paul Frère, misto de engenheiro, piloto e jornalista, falecido ano passado aos 91 anos”, diz Bob, feliz da vida.
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