Para quem achava que o futebol feminino não ia colar no País do Futebol, uma surpresa. Durante o Mundial disputado na China – que o Brasil, apesar das encantadoras diabruras de Marta, ficou com o vice -, era comum ver grupos de marmanjos hipnotizados diante das TVs das padarias – os jogos eram pela manhã -, encantados com a desenvoltura com que as meninas davam tratos à gorduchinha. O sexo frágil não fugiu à luta e o futebol feminino de certa forma tem ajudado a redimir nosso esporte bretão: com ginga e ousadia. O símbolo desta nova fase – é claro! – é a craque Marta, que, como suas companheiras, ostenta a medalha de ouro dos Jogos Pan-Americanos, do Rio de Janeiro.

Marta Vieira da Silva, a camisa 10 da Seleção Brasileira de Futebol Feminino, foi eleita a melhor jogadora da Copa do Mundo realizada na China – mesmo tendo desperdiçado um pênalti na final contra a Alemanha, aos 18 minutos do segundo tempo. A Seleção Alemã derrotou a exuberância das meninas brasileiras por 2 a 0, mas o que ficou foi Marta, aperfeiçoando o imperfeito. Espera-se que a visibilidade que ela e suas companheiras conferiram ao futebol feminino contribua para a popularização do esporte que, a despeito da tradição do Brasil nesse meio, ainda é pouco disseminada entre as garotas.
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O esporte, de fato, é mais conhecido e valorizado fora do País, a ponto de nove jogadoras da Seleção Brasileira atuarem no exterior: a própria Marta e Elaine Moura (Umea, Suécia), Andréia (Alcaine, Espanha), Rosana (Sveulengbach, Áustria), Formiga (Sky Blue Soccer, Estados Unidos), Cristiane (Wolfsburg, Alemanha), Simone Jatobá e Kátia Cilene (Lyon, França), Pretinha (Ina International, Japão).

De olho na repercussão do torneio internacional, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anuncia a criação, no final de outubro, da I Copa de Futebol Feminino, que será o ponto de partida para a instituição do Campeonato Feminino Brasileiro, organizado com o apoio do Ministério do Esporte.

O torneio brasileiro será realizado 20 anos depois da primeira competição feminina do gênero, organizada pela Fifa, na China, em 1988, seguido pela primeira Copa do Mundo Feminina, também naquele país, em 1991. Depois, a Fifa passou a promover Mundiais Juvenis – Sub-19 e Sub-21. Em 2008 haverá o primeiro Mundial Sub-17, na Nova Zelândia.

De acordo com a tailandesa Worawi Makudi, que preside o Comitê de Futebol Feminino da Fifa, 30 milhões de mulheres jogam futebol atualmente no mundo. Numa busca rápida pela internet, encontram-se informações sobre ligas femininas em regiões bastante diferentes, como Filipinas (duas), Irlanda e Uruguai; e campeonatos nacionais regulares na Suécia, Noruega, Inglaterra, Escócia e Japão. Pelo menos 37 países têm seleções nacionais, entre eles o Irã, com suas mulheres de cabeças parcialmente cobertas por véus.

E no Brasil? Pode não haver torneios, mas o número de praticantes é incontável. “Há qualidade e quantidade, mas não existe visibilidade nem continuidade”, explica Maria Cristina de Oliveira, 51 anos, técnica de times femininos de futebol de campo e de salão há 23. “Aqui tem time de futebol feminino em tudo quanto é lugar. De lazer? Sim, também. Mas já existem muitos times organizados, alguns em clubes, muitos a partir de prefeituras e universidades”, diz ela.

Como exemplo, a técnica cita as últimas Olimpíadas Universitárias, que contaram com times de futsal feminino de 20 estados, mesmo em centros de menos tradição, como Amazonas, Piauí, Maranhão, Tocantins. “É visível o interesse crescente e a procura pelo futebol entre garotas de 12 a 14 anos. E muitas delas, agora, já chegam pensando, sim, em profissionalização e até em defender clubes no exterior”, conta o professor Sebastião da Silva Filho, técnico no Departamento de Educação Física e Esporte, em São Paulo. “Elas querem jogar, pedem para que se encontre time adversário, pedem para jogar campeonatos, mas nada é fácil, até pela precária condição financeira”, diz.

Maria Paula Gonçalves, a Paula, que se consagrou como uma das maiores jogadoras de basquete do mundo e hoje dirige o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa (COTP), da Secretaria Municipal de Esportes de São Paulo, também notou aumento de interesse das meninas pelo futebol e já se prepara para reestruturar o departamento e montar um time realmente “bom” para os campeonatos de 2008. Atualmente o centro participa do Campeonato Paulista Sub-20 com 16 equipes.

Proibido para mulheres
O eixo do profissionalismo se deslocou para a Europa, com seus inúmeros times e clubes, para onde têm ido muitas brasileiras – como Marta. Há campeonatos de destaque, principalmente na Alemanha e nos países nórdicos. A Associação da União Européia de Futebol (Uefa) mantém seu Campeonato Europeu de Clubes e também a Women’s Euro, de seleções nacionais. Além disso, são altos os investimentos no futsal feminino, que também tem atraído brasileiras – a Espanha é o principal destino.

No Brasil, a história do futebol feminino conheceu momentos de intolerância. O antigo Conselho Nacional de Desportes chegou a proibir a prática do futebol feminino, baseado em um decreto-lei de 1965, que vetava às mulheres a participação “em lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, pólo aquático, pólo, rúgbi, halterofilismo e beisebol”. Em contrapartida, na mesma década, mais de 10 mil jogadoras defendiam times de futebol na Itália, como Roma e Lazio.

Derrubado o decreto na década de 1980, começaram a aparecer times femininos em clubes, como o Bangu e o Radar, no Rio de Janeiro; e o Saad, de São Caetano (SP). Em 1985 foi criada a Associação Paulista de Futebol Feminino, com times ligados à Secretaria Municipal de Esportes. Nos anos 1990, com a disputa da primeira Copa do Mundo organizada pela Fifa, em 1991, algumas jogadoras brasileiras ganharam projeção nacional e internacional, como Delma Gonçalves – a Pretinha -, Roseli e outras.

Apesar desses avanços, o preconceito em relação a mulheres no mundo do futebol perdurou. Em 2003, Márcia Perole, veterana do time de futebol feminino da Sabesp, em Itapetininga (SP), precisou impetrar uma liminar na Justiça para que sua filha, Thaís Helena, de 12 anos, pudesse jogar futebol em um time infantil da cidade, franquia do São Paulo. Foi quando veio à tona a informação de que times de futebol infantis são mistos – não existe divisão por sexo. Aliás, pelo mesmo raciocínio, as mulheres poderiam inscrever-se na CBF justamente porque a entidade não especifica que seu campeonato é masculino.

MARTA, A DIVA
Marta Vieira da Silva ainda não tinha 18 anos quando deixou o sertão alagoano, 30 graus à sombra, para morar em Umea, Suécia, onde o verão não passa dos 20 graus e o inverno baixa dos 12 negativos. Ela já havia chamado a atenção em torneios internacionais, e o reconhecimento levou a garota de Dois Riachos, pouco mais de 12 mil habitantes, a participar de alguns dos mais disputados torneios de futebol feminino na Europa.

Em 2004, com 18 anos completos e a medalha de prata conquistada na Olimpíada de Atenas, já era a terceira do mundo para a Fifa – o reinado era da norte-americana Mia Hamm. Em 2005, Marta só perdia para a alemã Birgit Prinz. No ano passado, finalmente, foi eleita, aos 20 anos, a melhor jogadora de futebol do mundo, feito que reeditou este ano, no Mundial da China.

Bem pequena, Marta já enfrentava os próprios irmãos para jogar futebol na rua. Os meninos brigavam por seu futebol e ela conta que, nessa época, já apanhava de seus adversários, que não conseguiam impedir seus dribles. Aos 14 anos, levada ao Rio de Janeiro para um teste no Vasco, assombrou os técnicos. E ganhou fama internacional, ainda adolescente: foi artilheira no Mundial Sub-19, disputado nos Estados Unidos em 2002.

O futebol de Marta não cabia no Brasil e os suecos receberam a garota com todas as honras. No ano de mudança, 2004, já participaria da preliminar feminina da comemoração ao centenário da Fifa, quando Brasil e França jogaram em Paris. Marta defendeu a Seleção do Resto do Mundo contra a Alemanha, campeã mundial.

Na Suécia, país em que é mais do que normal as garotas jogarem futebol desde pequenas, nas escolas e clubes, sem qualquer problema, Marta é chamada de “rainha” e “deusa”. Suas jogadas estão espalhadas em sites na internet.

A CARA DA FIEL
Negra, pobre… e torcedora de futebol. Ninguém encarnou mais a alma corintiana do que uma mulher: Elisa Alves do Nascimento (na foto, com o então corintiano Dunga, em 1985). “Minha alma é preta e branca. Sou toda Corinthians por dentro e por fora”, dizia. Sócia do clube desde 1941, sua figura era marca registrada nas arquibancadas, a ponto de ganhar uma permanente da Federação Paulista de Futebol. Considerada torcedora-símbolo do time, chegou a ver o Corinthians quebrar o tabu de 22 anos com o título paulista de 1977. E ainda torceria mais uma década, até ser vitimada por um enfarte em agosto de 1987.

Em Tietê, onde nasceu em 1910 – mesmo ano da fundação do Corinthians -, Elisa já torcia: na época, pelo Comercial, time local. Deixou sua cidade ainda criança, aos 8 anos, para morar com uma família na Rua Vergueiro, em São Paulo. Tornou-se amiga de Antônio Pereira, um dos fundadores do Corinthians, time que adotou e no qual se tornaria uma lenda, sem nunca pertencer a nenhuma torcida uniformizada. Boa cozinheira, ganhou uma pequena casa do patrão para quem trabalhou durante 37 anos. Entre o trabalho e o futebol, casou-se, enviuvou. Teve dois filhos e cinco netos. Todos corintianos.


Comentários

Uma resposta para “Bola e batom”

  1. Avatar de Mauricio Mendonça
    Mauricio Mendonça

    Boa tarde,

    preciso falar com o Alexandre. Meu telefone é (31)9513-2710.

    Sds,

    Mauricio Mendonça
    Diretor de Marketing
    Federação Mineira de Futebol 7 Society.

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