É possível aumentar as vendas, os lucros e, ao mesmo tempo, levar benefícios concretos à base da pirâmide social? Quem participou do seminário Inovação: Novas Forças do Mercado Brasileiro, realizado no último dia 26 de outubro em São Paulo, no Centro de Convenções Rebouças, saiu com a certeza de que uma relação duradoura com o público de renda mais baixa é viável, mas apenas se gerar valor tanto para as empresas quanto para a sociedade. E são muitas as oportunidades para as empresas capazes de inovar nos produtos e serviços. Nos últimos sete anos, mais de 40 milhões de pessoas ascenderam das classes D e E para a C – uma movimentação que, ao que tudo indica, ainda está longe do fim.
Organizado em parceria pela Seminários Brasileiros – divisão de eventos da Brasileiros Editora – e pela consultoria Plano CDE, com patrocínio do Banco do Brasil, o evento reuniu palestrantes do País e do exterior para apresentar e discutir modelos de negócios bem-sucedidos e que atendem às necessidades de uma parcela da população que exige cada vez mais atenção dos setores público e privado. “A grande novidade é que devemos inovar para a sociedade e com a sociedade”, afirmou a sócia-diretora da Plano CDE, Luciana Aguiar, na abertura do evento. “O interessante no setor privado é que, quando ele é capaz de inovar, provoca grandes transformações na vida das pessoas.”
Após ressaltar o imenso potencial de negócios da base da pirâmide, que “cresce a taxas chinesas, enquanto a classe alta cresce em taxas europeias”, Luciana citou dados de pesquisas da Plano CDE sobre os jovens pertencentes a famílias com renda até R$ 1,2 mil. “Eles têm renda e desejos que vão além do consumo. Perguntamos o que eles fariam se tivessem um incremento no salário de R$ 500. A educação é o primeiro item”, contou. “O jovem entende que tem de investir no seu capital humano.”
O gerente do programa Oportunidades para a Maioria (OM) do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luiz Ros, apresentou vários casos de negócios com alto impacto social apoiados pela instituição na América Latina e no Caribe. Uma das iniciativas incentivadas pelo banco no Peru contempla o desejo das classes emergentes por educação, ressaltado por Luciana. O Colégio Peruanos oferece, pelo equivalente a US$ 100 ao mês, ensino de qualidade em escolas bilíngues e equipadas com computadores, instaladas em áreas periféricas de Lima.
O programa OM responde por 40 projetos em 18 países. Inclusive no Brasil, onde o BID mantém parcerias com o Tenda Atacado, que desenvolveu um modelo de financiamento aos pequenos empreendedores que se abastecem em suas lojas, e com o Banco Gerador, que trabalha inclusão financeira no Nordeste. Entre as características esperadas dos projetos apoiados, Ros destacou a capacidade de conciliar a geração de lucros e o impacto social. “Estamos aqui para gerar modelos de negócios que tragam benefícios para a iniciativa privada. Tem de ser projetos inovadores, emblemáticos e que sirvam à sociedade. Não é caridade.”
A palestra de Ros antecedeu o painel Projetos Inovadores para Ganhar Mercado e Atender às Necessidades da Base da Pirâmide, aberto pela apresentação do chefe de Gabinete da Presidência da Finep, Rodrigo Fonseca. “Estamos no início de uma conexão entre inclusão, sustentabilidade e tecnologia”, afirmou o executivo, que também desafiou o setor privado a interromper o círculo vicioso de inovar “pensando sempre no mercado de alta renda, para depois difundir aos demais”.
A mesa contou com o representante do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), órgão que também apoia iniciativas inovadoras. O assessor da Presidência da instituição, Nabil Kadri, afirmou que nunca o “S”, de Social, foi tão importante na sigla BNDES. Para ser eficiente e manter a abrangência de atuação, Kadri explicou que o banco tem buscado parcerias regionais e incentivado as empresas a investirem em projetos de impacto social.
Os representantes de dois grupos privados mostraram como grandes corporações podem criar valor em parceria com as classes C, D e E. Pedro Massa, gerente de Negócios Sociais da Coca-Cola, falou especialmente sobre o Coletivo Coca-Cola, programa que oferece capacitação para jovens e empreendedores. Além de ajudar as famílias a melhorarem a própria renda, a empresa conquista consumidores. “Me marcou muito ouvir de um rapaz, durante uma visita: ‘a gente não tem sede de Coca-Cola, a gente tem sede de um futuro melhor, de outras oportunidades, de poder crescer dentro da comunidade’”, contou o executivo.
A AES Eletropaulo foi representada pelo gerente de Novos Negócios, José Cavaretti, que partiu da premissa de que posturas corporativas convencionais não funcionam mais, nem mesmo em um setor tão regulamentado quanto o de distribuição de energia. O engenheiro contou como, por meio de diálogo e parcerias com a sociedade, a empresa conseguiu ampliar a oferta de ligações elétricas em favelas e reduzir a inadimplência.
Além da inclusão social, o seminário abordou, na segunda mesa, o tema Plataformas para o Acesso e o Bom Uso dos Instrumentos Financeiros pelos Novos Consumidores. A discussão foi iniciada pelo indiano Kabir Kumar, especialista em microfinanças do Grupo Consultivo de Assistência à Pobreza (CGAP), entidade ligada ao Banco Mundial. “Ainda existem no mundo 2,9 bilhões de pessoas sem acesso a serviços financeiros”, citou.
Entre os principais obstáculos à universalização da atividade bancária, Kumar listou as longas distâncias, a baixa densidade populacional em algumas regiões do mundo e o custo elevado das operações. Barreiras que foram ultrapassadas na África por um dos maiores grupos de telefonia do mundo, o inglês Vodafone. Em parceria com a operadora local Safaricom, a empresa lançou o M-Pesa, um serviço de pagamento móvel utilizado por mais de 15 milhões de africanos, em diferentes países. “O Brasil tem a maior rede de correspondentes bancários do mundo, com a maior abrangência, mas ainda pode aproveitar melhor o potencial de tecnologias simples, como a telefonia celular, para ampliar os serviços.”
O presidente da Serasa Experian Brasil, Ricardo Loureiro, tratou da importância da informação sobre crédito para fazer florescer o mercado da base da pirâmide. “Reduzir a assimetria de informação entre credores e devedores vai contribuir muito para a ampliação dos empréstimos”, explicou, citando o cadastro positivo, recentemente regulamentado pelo governo, como meio de reduzir as taxas para quem paga suas contas em dia.
A falta de dados sobre os tomadores de crédito é um problema que o Banco Gerador tem superado no Nordeste, onde 52% da população ainda não possui conta-corrente. O vice-presidente do banco, Ademir Cossiello, explicou como é possível, com uma eficiente rede de correspondentes e em contato constante com pequenos empreendedores, identificar os bons pagadores e oferecer microcrédito em condições mais favoráveis.
O banco de microcrédito da cidade de São Paulo, o Confia, representado no evento pelo presidente do Conselho de Administração, Luiz Augusto de Souza Ferreira, investe na educação financeira para desenvolver o mercado. “Vamos acrescentar à nossa Academia de Microfinanças disciplinas como economia criativa”, revelou.
A última apresentação coube ao líder do Grupo Corporativo de Inovação da TecBan, Michele D’Ambrósio. O executivo mostrou como os caixas eletrônicos da empresa, quando instalados em comunidades remotas e em favelas, são capazes de modificar realidades sociais. “É uma inovação, se pensarmos que as pessoas antes eram obrigadas a se deslocar de onde moram para executar transações simples”, explicou. Ao efetuar saques perto de casa, os moradores tendem a gastar seu dinheiro por perto, fortalecendo a economia local.
Exemplos não faltaram, no seminário, de relacionamentos mutuamente lucrativos do setor privado com a base da pirâmide. Modelos que devem inspirar outras empresas e estimular a formação de mais fóruns qualificados para discutir mecanismos de apoio a quem se habilita a lidar com as novas forças do mercado brasileiro.
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