Bowls? Mas o que é isso?

Quem já ouviu falar em um esporte de origem inglesa, praticado por pessoas vestidas de branco, com bolas que parecem de boliche, sobre uma superfície de grama que lembra uma quadra de tênis de Wimbledon e que se chama bowls? Pouca gente. A maioria das pessoas entrevistadas pela Brasileiros nas ruas dos Jardins, em São Paulo, e nas do Leblon, no Rio de Janeiro, nunca ouviu falar. Houve quem associasse este secular esporte a um outro mais conhecido dos brasileiros – a bocha. Na realidade a bocha está para o bowls assim como o futebol americano está para o rugby. Ou como o squash e o badmington estão para o tênis. São esportes com características convergentes, metas parecidas, mas muitas diferenças. Em comum há que, por exemplo, tanto no bowls quanto na bocha, o objetivo é aproximar o máximo possível as bolas maiores de uma bola menor.

O bowls é um dos esportes mais antigos do mundo ocidental e seus primeiros registros datam de meados do século XVI, na Inglaterra. Alguns historiadores afirmam que o esporte já era praticado por piratas e que eles usavam como bolas a munição dos canhões de seus navios. No Brasil há um torneio entre cariocas e paulistas que é disputado há nada menos que 84 anos, mais antigo que a própria Copa do Mundo de Futebol. Aqui, como a maioria dos esportes praticados em clubes fechados, o bowls é restrito a uma pequena parte da população. Isso não acontece na Inglaterra, onde é popular e praticado na maioria das escolas.
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Em inglês, o equipamento para a prática do bowls é o bowling, mesma palavra para boliche (significa fazer deslizar uma bola), e inclui um jogo de quatro bolas grandes e uma menor, custa cerca de R$ 500 e pode durar até dez anos. No século XVII, o rei James, da Inglaterra, percebendo a popularidade que o esporte alcançava, proibiu-o porque descobriu que os arqueiros do reino passaram a se dedicar mais ao esporte do que aos treinamentos com o arco e a flecha. O bowls ficou quase um século na clandestinidade. Depois de uma breve legalidade, voltou a ser proibido no século XVIII por mais cem anos. A rainha Vitória chegou à conclusão que o esporte se tornara um grande negócio para alguns em razão do número de fortunas perdidas nas apostas por todos os cantos do país. A rainha definiu o esporte como uma gambling fox hole ou, em bom português, um “antro” de jogatina.

Um personagem histórico desse esporte foi o inglês sir Francis Drake. O corsário ganhou notoriedade e o título de sir da coroa inglesa por atacar e saquear os galeões espanhóis que traziam as riquezas do novo mundo. Há uma pintura que ilustra a figura de Drake tranqüilamente praticando o esporte enquanto, ao fundo, no Canal da Mancha, são avistados os temidos navios espanhóis do rei Felipe II. Era o ano de 1588 e a história conta que, depois de várias batalhas no Canal – naquela que ficou conhecida como a Batalha da Armada -, uma forte tempestade acabou por afugentar a armada espanhola, frustrando seu ataque. Já a lenda, obviamente muito mais interessante, dá conta de um sir Francis Drake, sem tirar o olho da bola e sem economizar arrogância, dizendo que primeiro terminaria o seu jogo de bowls para depois se preocupar com a armada espanhola.

Não se sabe exatamente se existe uma relação direta entre o bowls e a bocha. Segundo o professor e bowler Roberto Marcher, “os tradicionais ingleses e sua habitual arrogância recusam-se a comparar os dois esportes. Eles preferem dizer que mal conhecem a bocha”. São esportes similares com muitas diferenças. O bowls é jogado na grama enquanto que a bocha é praticada em terra batida, muito parecida com a do saibro no tênis. Em ambos os esportes existem campos ao ar livre e campos cobertos, os indoor. A bocha é um esporte praticado somente entre duas pessoas ou duas equipes. O jogo consiste basicamente em arremessar as bolas grandes o mais próximo possível de uma bola pequena. O comprimento da raia gira em torno de 20 metros. Vence a equipe que conseguir aproximar o maior número de bolas grandes da bola pequena. Enquanto na bocha a bola pode ser arremessada pelo alto, no bowls ela parte rasteira em direção ao outro lado do campo. Considerado o esporte dos três “c” – confiança, consistência e concentração -, o bowls é muito mais fino, complexo e sofisticado, explica Marcher: “Historicamente, a bocha nunca foi um jogo de elite. Foi sempre conhecido como um esporte de beberrões, jogado em fazendas, com muita bebida e gritaria. Enfim, um jogo muito mais bruto. O bowls é um esporte altamente sofisticado, praticado em campos (os greens) particulares em castelos, tradicionalmente disputado entre a alta sociedade inglesa”, completa.

Na opinião do jornalista Mino Carta, “o bowls caracteriza a verdadeira luta do homem contra a esfera”. Se na bocha a bola é arremessada, no bowls tal expressão fica um tanto quanto fora de esquadro. Da mesma forma que o saque no tênis, a “largada” ou a “arremessada” da bola é chamada de delivery (lançamento ou serviço). Para jogar as bolas, os bowlers devem estar sobre um tapete colocado em cima de um gramado diariamente aparado. A distância entre a ponta do tapete e a pequena bola branca, o jack, não pode ser menor do que 23 metros. Um dos pés deve estar sempre em cima do tapete no momento em que a bola sai da mão do jogador.

O campo de bowls deve ter, em média, 40 metros de comprimento por 35 de largura e é dividido em sete raias. Cada jogo é disputado em uma raia e pode ser jogado em partidas de simples, duplas e ainda grupos de três e quatro jogadores. Nos jogos de simples e em duplas, cada jogador participa com quatro bolas; nos trios, com três, nos quartetos, com duas. São basicamente duas modalidades de jogo – 18 idas e vindas, os ends, e o jogo por pontos, ou shots, em que vence quem atinge 21 pontos. A tradição inglesa manda, assim como no tênis, que o jogo seja disputado entre pessoas vestidas de branco, incluindo a gravata no caso dos homens. Essa regra já não é mais seguida e nos principais campos da Inglaterra podem-se encontrar pessoas com as mais variadas roupas e cores. Os sapatos devem ter a sola completamente lisa para não prejudicar a grama, do mesmo tipo usado nos greens de golfe, e não deve ultrapassar os quatro centímetros.

De novembro a fevereiro, durante o inverno britânico, os campos são fechados para proteger a grama. No Brasil, os campos também são fechados por dois meses durante o inverno porque esse tipo de grama é bastante sensível ao frio.

Existem apenas três clubes no Brasil em que se pratica o jogo, um em São Paulo e dois no Rio de Janeiro. O São Paulo Athletic Club (Spac), e o Paissandu Athletic Club (PAC), do Rio, promovem um torneio, chamado Interstate, que este ano completou 84 anos. São sempre duas competições por ano, uma em cada cidade, disputadas no formato de duplas. São quatro duplas que jogam entre si e quem faz mais pontos vence. Tradicionalmente o time paulista sempre levou certa vantagem, mas, a partir da década de 1990, os cariocas passaram a ter bons jogadores e começaram a reagir. Considerado o melhor do Brasil atualmente, o carioca Patrick Knight chegou a ser o 39º jogador do mundo. Disputou os campeonatos mundiais de 1996, na Austrália, e 2004, na Nova Zelândia, quando integrou a equipe brasileira que derrotou a Argentina na seletiva sul-americana. Knight chegou a vencer o inglês tricampeão mundial, Tony Alcock, em um jogo de exibição no Brasil, num torneio promovido entre grandes nomes do esporte do Reino Unido e do Brasil. Os praticantes do bowls, assim como o da bocha, dizem que o jogo é visto com preconceito, como um esporte de gente mais velha. Teoria que literalmente cai por água abaixo no torneio de 2007, vencido pelos cariocas. Os estudantes Alex Lojello, 18, e Juliana McDonald, 21, jogadores do Spac, de São Paulo, contrastavam com a idade e a experiência do veterano Freddy Smith, de 87 anos, também do clube inglês da capital paulista.


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