Brasil em alto astral

Uma vaga de otimismo se mescla à imagem do Brasil que vem se formando entre a imprensa estrangeira. Financial Times e The Economist, da Inglaterra, já demonstraram isso. Agora foi a vez do The Guardian, que fez uma matéria de uma página dizendo que o País do futuro finalmente chegou lá! Tradicionalmente, a incredulidade é característica marcante de muitos brasileiros quando se trata de reconhecer virtudes e aspectos positivos na evolução do País. Em outras palavras: muita gente sabe que o Brasil tem recursos, riquezas e, ufanisticamente, reconhece nossa vocação de possível potência mundial, não fossem os inúmeros problemas estruturais e a política, já que a crença geral é a de que os próprios brasileiros fazem mal ao País. Nessa linha segue o discurso corrente nas ruas. Só que as coisas vêm mudando de verdade nos últimos tempos e parece que, aos poucos, vamos nos acostumando com as boas notícias, em particular no campo econômico.

É difícil datar com precisão o início da seqüência de indicadores econômicos favoráveis. Ficando apenas em 2008, começamos o ano com o anúncio de que a dívida externa tinha acabado: o Brasil, de crônico devedor ao exterior, passara a credor. Quem tem mais de 35 anos seguramente se lembra da crise da dívida externa no início da década de 1980, das idas ao FMI, da reclamação nacional contra os efeitos das políticas de ajustamento impostas, da moeda terrivelmente desvalorizada, da inflação. Para esses, a notícia foi ainda mais surpreendente, já que cresceram e se tornaram adultos resignados com a presença da dívida, do desequilíbrio das contas com o exterior e do dragão da inflação. Mas o fato do momento foi, sem dúvida, a concessão do grau de investimento ao País pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s, no início de maio.
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A melhora na percepção que os investidores internacionais têm de nossa economia significa, na prática, a consolidação de todas as boas notícias que se acumularam nos últimos cinco anos. Por quê? Primeiro devemos lembrar que as agências de classificação de risco são órgãos independentes que dão notas à qualidade de crédito de um emissor de títulos, seja o governo, seja uma empresa privada. A classificação reflete uma probabilidade de inadimplência. Como cada agência define seus próprios critérios de classificação, é difícil comparar a avaliação das várias agências. A Standard & Poor’s, que elevou o Brasil à categoria de investment grade – indicando que o País tem condições de cumprir seus compromissos financeiros, embora ainda esteja exposto às condições da economia mundial -, analisa dez categorias para dar sua nota. Essas vão do risco político ao endividamento externo do setor privado, passando pela austeridade fiscal, pelas perspectivas de crescimento econômico e estabilidade monetária, entre outros fatores.

Portanto, as condições gerais da economia brasileira permitem que a agência indique a investidores, inclusive aqueles sujeitos a restrições institucionais quanto a aplicações muito arriscadas, o Brasil como destino seguro para seus recursos. Membros do governo declararam, sem exagero de retórica, quando da elevação da nota do Brasil, que o grau de investimento tinha nesse momento um significado especial, por acontecer em meio a uma severa instabilidade na economia mundial. Porém, como, contrariamente ao que dizia o personagem de Voltaire, doutor Pangloss, a Cândido, nem tudo pode ser o melhor no melhor dos mundos, o grau de investimento chega junto com uma enxurrada de índices de inflação preocupantes. E, se a agência de risco não estava equivocada ao nos dar a nota melhor, os responsáveis pela política econômica não poderão deixar de tomar providências para evitar a propagação dos choques inflacionários, mesmo sabendo que eles têm um forte componente externo gerado pela alta mundial dos preços dos alimentos e do petróleo, somada a outras pressões sobre os preços domésticos. Isso funciona como baldes de água fria jogados sobre o otimismo mais geral.

Sabe-se, também, que o grau de investimento deve estimular a entrada de capitais estrangeiros e apreciar ainda mais o real, penalizando as exportações e piorando as contas externas, que já deram sinais nítidos de reversão. Então, quer dizer que a prosperidade está com seus dias contados e não poderemos sequer aproveitar os benefícios que o investment grade deve originar? Não necessariamente, como parecem mostrar as recentes iniciativas do governo. Importantes medidas de política industrial foram anunciadas em maio, tendo como objetivos centrais: estimular as atividades exportadoras, desonerando setores e apoiando pequenas e médias empresas a exportar; impulsionar atividades de pesquisa e desenvolvimento que desemboquem em inovações tecnológicas na produção, sendo que o resultado esperado é a elevação da taxa de investimento do país para 21% do PIB – ela está hoje perto de 17%.

O conjunto de medidas é bastante ousado, pois inclui importante desoneração tributária para setores exportadores e a compra de bens de capital, reduz o custo do financiamento dos investimentos através das operações do BNDES, além de mexer na delicada questão da contribuição das empresas para o INSS. A discussão da legislação trabalhista e a redefinição dos custos de contratação de mão-de-obra são temas prioritários e muito controversos na agenda de reformas nacional. Mesmo sem entrar no debate dos impactos das várias medidas específicas, é inegável a disposição de apoiar o crescimento industrial, os ganhos de competitividade e o resultante melhor desempenho exportador que essa política industrial demonstra. As manifestações dos vários representantes do governo ao anunciar as medidas deram provas de uma firme determinação de não deixar que volte o baixo astral aos temas da economia.


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