Maria Lygia Quartim de Moraes teve a sorte de nascer em uma família que tratava bem as mulheres. Filha do meio, entre dois meninos, de uma dedicada dona de casa e de um pai bacharel em Direito, que fez um pouco de tudo – foi gerente de banco, vendedor, diretor financeiro –, o casal tinha como verdadeiro negócio a cultura. Aluna rebelde do tradicional e conservador Sacre Coeur de Marie, Maria Lygia encontrou em O Segundo Sexo, obra de Simone de Beauvoir, a “munição” perfeita para, mais tarde, se tornar o que é: socióloga formada pela USP, com cursos de pós-graduação na França e no Chile, além de doutora em Ciências Políticas, também pela USP, e professora titular da Unicamp.
Viúva do economista Norberto Nehring, que militou na Aliança Libertadora Nacional, grupo de resistência armada à ditadura, liderado por Carlos Marighella, Maria Lygia viveu em Cuba com o marido e a filha, então com 5 anos. Era 1969. No ano seguinte, Norberto foi assassinado pelas forças da repressão. Antes e depois do dramático episódio, Maria Lygia viveu na França, no Chile e de novo na França. Foi lá que estreitou seu relacionamento sério com o feminismo. “Era um movimento forte de mulheres ligado aos movimentos sociais, totalmente de esquerda.”
Brasileiros – A senhora já disse que a primeira forma de dominação na história é a opressão às mulheres. Mantém esse pensamento?
Maria Lygia Quartim de Moraes – Hoje eu seria menos segura em afirmar isso. Mas de todas as hipóteses que existem a respeito das narrativas históricas, essa relação entre mulher, propriedade privada e a garantia de que os frutos da mulher serão do homem procede. As mulheres foram dominadas não porque não fossem importantes, mas porque são importantíssimas. Elas foram, inclusive, portadoras de boa parte dos avanços ligados à agricultura doméstica. Mas acho complicado falar em “situação da mulher”, em abstrato, porque ela varia de sociedade para sociedade.
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