A economia do Brasil cresceu, o País ampliou sua influência mundial e os Estados Unidos não estão alheios a isso. Há cerca de três meses, o novo cônsul-geral dos EUA que aterrissou em São Paulo – definido como “o coração econômico do Brasil”, por ele mesmo – é um expert no assunto, tanto do ponto de vista teórico quanto prático.
Formado na Escola Diplomática da Georgetown University, Thomas Kelly, 49 anos, mestrou-se em estudos latino-americanos e desenvolvimento econômico. Na bagagem, carrega a experiência de ter atuado como diplomata em San Salvador, Santiago, Quito e Buenos Aires, além de outras capitais fora das Américas, mas igualmente instigantes: Vilnius (Lituânia) e Paris. Enxergando mais semelhanças que diferenças entre seu país natal e seu novo lar, Thomas acredita que “a relação, sobretudo econômica, entre as duas nações” está mais madura e equilibrada e que deve se intensificar cada vez mais. Afirma que o Brasil está caminhando para se tornar um líder regional – “É um trabalho em longo prazo” -, mas já reconhece sua forte influência sobre os vizinhos. “Um exemplo: todos os novos diplomatas argentinos, quando ingressam no serviço diplomático, têm de estudar o português. Os argentinos reconhecem a importância do Brasil. E nós também”, afirma.
Com um português fluente – ele também fala espanhol, francês e lituano -, Thomas diz que a descoberta do petróleo na camada de pré-sal é um indicador de que Deus realmente é brasileiro e afirma que os EUA encaram o fato de o Brasil ter a intenção de se tornar um exportador de petróleo e derivados com bons olhos. “É bom para a economia mundial que tenhamos um país estável e democrático, como o Brasil, como um importante produtor de petróleo”, diz ele, que garante que a reativação da IV Frota da Marinha dos Estados Unidos no Atlântico Sul tem apenas fins pacíficos. Kelly comentou também os vazamentos do site WikiLeaks.
Brasileiros – Qual será o maior desafio para Dilma Rousseff, em sua opinião?
Thomas Kelly – Acho que o maior desafio para qualquer líder de um país grande, complexo e importante, como o Brasil, é criar prioridades. Assim como aconteceu com o governo americano. Quando o presidente Obama foi eleito, teve de criar prioridades, como a reforma da saúde e focar assuntos como meio ambiente e desemprego.
Brasileiros – Como o senhor avalia o governo Lula?
T.K. – Acho que foi um governo histórico para o Brasil, com êxitos importantíssimos, começando pelo crescimento tão impressionante na economia, melhorando a vida de milhões de brasileiros. Outros governos, obviamente, também tiveram sucesso nesse processo, mas creio que agora ficou evidente. O Brasil não está decolando, já decolou. É um País com interesses globais. E tudo isso tem muito a ver com a liderança do Lula. Temos muita confiança de que vamos ter uma relação excelente com o governo da presidente Dilma. Com ela, também temos uma agenda muito importante. Hoje, nossa relação com o Brasil é parecida com a que temos com países tradicionalmente poderosos, como o Reino Unido e o Japão, com os quais tratamos não somente de assuntos bilaterais, mas também de temas globais. Estamos trabalhando com o Brasil, por exemplo, no desenvolvimento dos países africanos, onde o País tem uma presença significativa. Somos parceiros no desenvolvimento do Haiti, onde há o maior número de soldados brasileiros que qualquer outro país. Somos parceiros também no desenvolvimento do mercado global do etanol. Os Estados Unidos e o Brasil são os maiores produtores do mundo. Então, temos uma agenda conjunta bastante intensa.
Brasileiros – Segundo previsão do FMI, o Brasil será a sétima economia do mundo em 2011. O que isso significa?
T.K. – Significa mais oportunidades e responsabilidades para o Brasil. Reconhecemos que, com o crescimento brasileiro, é importante repensar as estruturas das organizações internacionais para reconhecer a realidade deste século. O governo americano não está somente falando, está fazendo coisas para ajudar nisso. Por exemplo, recentemente na reunião dos ministros da Fazenda do G20, os Estados Unidos julgaram muito importante aumentar o poder do Brasil dentro da Junta Diretiva do Fundo Monetário Internacional (FMI) e agora, pela primeira vez na história, o Brasil é um dos países mais importantes na Junta Diretiva. Isso é um exemplo que vai ser replicado no futuro, nas várias instituições internacionais.
Brasileiros – Os Estados Unidos apoiaram a candidatura da Índia a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU caso haja uma reforma. E em relação ao Brasil?
T.K. – O presidente Obama, obviamente, tem a palavra para anunciar nosso apoio aos países aspirantes a ter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mas é importante enfatizar que queremos que o Conselho reflita a realidade do século XXI, e não do século passado. Então, entendemos as aspirações do Brasil. Mas como é um processo multilateral, é paulatino e complicado.
Brasileiros – O senhor falou da parceria dos EUA com o Brasil na reconstrução do Haiti. Gostaria de saber como avalia essa parceria e se isso contribui para o Brasil se fixar como um líder regional.
T.K. – Claro que a participação do Brasil no Haiti tem sido maravilhosa. Um exemplo de liderança regional do Brasil no hemisfério é uma questão difícil, porque a situação do Haiti é precária e vai exigir uma colaboração em longo prazo. Mas os Estados Unidos estão muito satisfeitos com o trabalho do Brasil. Falando da liderança brasileira na região, percebi essa influência quando trabalhei em Buenos Aires. Venho da Argentina, onde passei três anos. Cheguei à Argentina pensando que ainda existia uma rivalidade muito forte entre os dois países, mas me dei conta de que a situação havia mudado, pois hoje a influência brasileira lá é fortíssima. O investimento brasileiro na economia argentina é muito forte e existe um turismo maciço de brasileiros ao país. Muitos argentinos da classe política e também da sociedade são parceiros importantes do Brasil, mas o Brasil é o mais importante na relação. Um exemplo: todos os novos diplomatas argentinos, quando ingressam no serviço diplomático, têm de estudar o português. Os argentinos reconhecem a importância do Brasil. E nós também.
Brasileiros – Como economista, quais são os maiores acertos e erros da economia brasileira, na opinião do senhor?
T.K. – Acho que não cabe a mim apontar erros na economia brasileira, pois atualmente apresenta uma performance superior à americana. Acredito que devemos tentar aumentar os vínculos econômicos que existem entre os dois países, apesar de a relação econômica que já temos ser muito importante. Somos sócios comerciais, e a presença de investimentos americanos no Brasil é imensa. A Câmara Americana de Comércio, em São Paulo, é a maior que existe fora dos Estados Unidos e temos muitas empresas americanas que têm quase um século de experiência na economia brasileira. Mas, também, a relação está mudando. É uma relação mais madura e equilibrada, porque agora temos muitas empresas brasileiras investindo nos Estados Unidos, em vários setores, como a Embraer, a Cutrale… Acho isso maravilhoso. Temos de aumentar essa tendência e falar com mais companhias americanas para que entendam as oportunidades que existem em uma economia que vai continuar crescendo de forma importante por vários anos. Não existem muitos mercados no mundo que crescem como o do Brasil.
Brasileiros – O crescimento do Brasil em 2010 deve chegar a 7%, enquanto o crescimento global é de 4,5%, de acordo com projeções do FMI. Isso é possível?
T.K. – Acho que a economia brasileira vai continuar crescendo, mas, provavelmente, não a 7%. A maioria dos economistas acredita que o Brasil tem uma capacidade de crescimento de 4,5% ou 5%, em longo prazo, e sustentam que isso seria muito positivo e significativo. As tendências da demanda global favorecem o Brasil hoje e no futuro. Além de ser o exportador de commodities mais competitivo do mundo, a demanda por commodities continua crescendo. Então, acredito que a perspectiva é excelente.
Brasileiros – Como a reativação da economia norte-americana pode afetar os países emergentes?
T.K. – Acho inevitável que a economia norte-americana cresça de forma mais rápida. Não sabemos exatamente quando isso vai acontecer, mas, quando ocorrer, os fluxos de capital voltarão aos Estados Unidos e isso talvez diminua a pressão sobre as moedas dos países emergentes, como o Brasil. Isso tem um efeito muito positivo. Quanto mais crescermos, mais importamos, e isso cria oportunidades para os brasileiros que exportam aos Estados Unidos, não somente commodities como a China, mas também produtos industriais e de tecnologia. Além de criar oportunidades para as empresas brasileiras que têm investimentos nos EUA, pois ganham mais quando a demanda americana aumenta.
Brasileiros – Lula afirmou que pretende transformar o Brasil em um grande produtor e exportador de petróleo, não apenas de óleo, mas também de derivados. Como os Estados Unidos veem essa descoberta de petróleo na camada do pré-sal no Brasil?
T.K. – Acho que é outra indicação de que Deus é brasileiro. Acredito que é muito positivo. É bom para a economia mundial que tenhamos um País estável e democrático como o Brasil como um importante produtor de petróleo.
Brasileiros – Qual o motivo da reativação da IV Frota da Marinha dos Estados Unidos no Atlântico Sul? O senhor não acha um pouco complexa essa iniciativa?
T.K. – Não é complexa, é bastante simples. Temos sorte neste hemisfério. Realmente, não existem ameaças de guerra. Então, nossa política naval pode ser muito mais focada em assuntos pacíficos. Por exemplo, nossa frota naval faz, mais que tudo, operações de ajuda durante desastres naturais. Por isso, na IV Frota, o maior navio é um hospital que deu assistência, por exemplo, ao Haiti após o terremoto. A IV Frota não tem capacidade ofensiva, porque isso não tem sentido. A frota naval dos Estados Unidos não tem trabalhado em uma situação de guerra neste hemisfério há mais de 50 anos e parece que vai continuar assim. Mas há ameaças de outro tipo, como a de narcotraficantes. É um problema para o Brasil, além dos desastres naturais. Estamos reorganizando nossa frota para melhorar nossa eficiência para enfrentar esse tipo de desafio.
Brasileiros – O governo Lula estreitou relações com o governo do Irã. Como os Estados Unidos encararam isso?
T.K. – Não quero comentar a política brasileira sobre esse assunto, mas posso dizer que nós e nossos parceiros no Conselho de Segurança das Nações Unidas temos sérias ressalvas sobre a política nuclear do Irã e que queremos provas de que o programa de Teerã não representa uma ameaça para outros países, como Israel e países europeus. Também é preciso levar em conta que nos últimos 20 anos o governo de Teerã esteve envolvido em dois ataques terroristas neste continente, na Argentina. Então, existem razões para ter questões sobre o governo do Irã.
Brasileiros – O que mais gosta no Brasil?
T.K. – O que mais gosto no País é do otimismo e o fato de o brasileiro pensar mais no futuro que no passado. Essa é uma semelhança entre o Brasil e Estados Unidos. Os brasileiros estão vivendo um momento de orgulho nacional. É mais fácil para um diplomata trabalhar em um país em que a agenda do futuro é positiva.
Brasileiros – Qual a opinião do senhor sobre o vazamento de documentos confidenciais da diplomacia dos EUA por meio do site WikiLeaks, que divulgou recentemente, entre outras informações, que os Estados Unidos consideram o Brasil um país antiamericano?
T.K. – Qualquer divulgação não autorizada de informação confidencial pelo WikiLeaks tem implicações danosas para as vidas de indivíduos que foram identificados e que, portanto, estão em risco, e também para os esforços globais entre os países. Dado seu potencial impacto, condenamos fortemente tal divulgação e estamos tomando todas as medidas para evitar futuras violações de segurança. Apesar de não poder falar sobre a autenticidade de qualquer documento divulgado pela imprensa, posso falar sobre a prática da comunidade diplomática de escrever relatórios. Eles refletem análises e avaliações francas do dia a dia, que proporcionam informações para deliberações de governos no âmbito das relações exteriores. Diplomatas americanos, como outros colegas de muitos países, escrevem esses relatórios para informar seus governos sobre acontecimentos nos países em que trabalham. Nos EUA, relatórios internos de nossos diplomatas são apenas uma das ferramentas para estabelecer nossas políticas, que em última instância são determinadas pelo presidente e pela secretária de Estado. Essas políticas são públicas e aparecem em discursos, declarações, relatórios e outros documentos do Departamento de Estado disponíveis livremente na internet e em outros meios. No que diz respeito ao Brasil, os EUA veem o País como um parceiro essencial e confiável no continente e no mundo, estamos comprometidos em fortalecer nosso relacionamento com o governo e com o povo brasileiro.
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