Brilho nos olhos

Gabriela Pretende ser arquiteta , pois desenha muito bem. Já Bianca, está convicta de que será uma grande bióloga marinha. O menino Victor será chefe de cozinha. Com a ajuda da mãe, aprendeu a fazer bolo e pudim. Seu amigo César – xará de nosso maior nadador – ouve nossa conversa e imediatamente pede para depor: descobriu sua vocação para a natação na piscina da Escola Germinare e ainda adverte que estará nas Olimpíadas de 2020.

Independentemente do desfecho que a vida reservará a eles, muito mais do que sonhos, não resta dúvidas de que esses meninos e meninas de 11 e 12 anos estão pavimentando amplos atalhos para o êxito que esperam ter quando adultos. Ex-alunos de escolas públicas, eles enfrentam uma rotina diária de dez horas, dedicadas a uma rica formação escolar, que lhes cobra muito empenho e capacidade de superação, como atesta Victor Lucas, de 10 anos, logo após desvendar a complexa montagem de seu cubo mágico: “No começo, foi muito difícil, mas hoje consigo ter boas notas. Meus pais estão muito felizes com essa chance que eu tive. Uma chance única”. Essa dificuldade de adaptação e a sensação de alívio familiar, relatados pelo menino Victor, são sintomas da enorme disparidade entre a baixa qualidade do ensino público e o ambicioso projeto que culminou na criação da Escola Germinare. Um sonho realizado pela mesma família que legou ao País a gigante JBS-Friboi.
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Líder mundial no fornecimento de proteína animal – e o maior grupo privado do País, com mais de 125 mil funcionários ao redor do mundo – a JBS-Friboi nasceu do espírito empreendedor de José Batista Sobrinho (daí as iniciais JBS), pecuarista que iniciou suas atividades comerciais com um pequeno açougue em Anápolis, nos anos 1950. Fundador desse império, Batista Sobrinho mal frequentou a escola. Fez o que hoje é classificado como pré-escola, mas seu espírito empreendedor ignorou todas as barreiras que a vida lhe impôs. Desde 2009, com a fundação do Instituto e da Escola Germinare, 180 crianças de comunidades carentes da Zona Oeste de São Paulo têm a oportunidade de enxergar um mundo de amplas perspectivas, nesses tempos competitivos, em que surpreendentes histórias de superação, como a que Batista Sobrinho protagonizou, são cada vez mais raras. O nascimento da Escola e do Instituto Germinare foi retratado por nosso antigo editor, Denis Cardoso, na edição 27, de novembro de 2009. Quase um ano depois, voltamos à sede da Germinare para um balanço das conquistas alcançadas.

Paradigma para o ensino público
Nossa primeira conversa é com Vivianne Batista Silveira, filha de Batista Sobrinho. Graduada em relações internacionais e pós-graduada em gestão, Vivianne é a diretora do Germinare, instituto fundado para possibilitar a construção da escola e viabilizar o desenvolvimento do projeto pedagógico, com os recursos cedidos pela JBS. Ações que demandaram mais de R$ 7 milhões em investimentos e em menos de seis meses resultaram na moderna edificação assinada por Paulo Sophia, especialista em arquitetura para fins educacionais. Além dos números na casa dos seis dígitos, é notório o excelente corpo docente formado por Vivianne e Myriam Tricate, diretora pedagógica da Escola Germinare. Salta aos olhos também o grande envolvimento e empatia de muitos dos colaboradores da empresa, que viram na escola a oportunidade de oferecer apoio voluntário a projetos extracurriculares. A Germinare foi instalada na sede da JBS e essa proximidade, entre o ensino formal e a realidade diária de uma empresa, reitera alguns dos nobres propósitos da escola apontados por Vivianne: “A escola existe por duas principais razões – fazer um ensino formal de qualidade, academicamente comparável às melhores escolas de São Paulo, mas também formar essas crianças para o mercado de trabalho. Eles não vão sair daqui com certificados de formação profissional, mas vão adquirir conhecimentos que fazem parte da rotina de diferentes áreas de uma empresa. Experiência essa que, em outra escola, jamais teriam. Como empresa, sentimos muito despreparo dos candidatos, durante a contratação de novos profissionais”.

A seleção de mão de obra qualificada tem sido um dos grandes desafios apontados por empresas espalhadas por todo o Brasil e evidencia a falência de nossas políticas públicas de ensino. Como revela Vivianne, triagem árdua mesmo sofreu o Instituto Germinare durante o processo de seleção dos primeiros 180 alunos. O anúncio da criação da escola e o convite para as inscrições foram feitos em colégios públicos e privados de áreas carentes da região Oeste de São Paulo. Recomendados por diretores e professores, alunos com aproveitamento acima da média somaram quase 1.500 inscritos, submetidos a uma rigorosa peneira: “Na primeira seleção, ficaram 360 alunos, que depois fizeram um minicurrículo de suas vidas. Com base nesse texto autobiográfico, realizamos uma entrevista com grupos de 15 alunos, seus responsáveis, psicólogos, uma pedagoga e colaboradores da JBS. Em seguida, fizemos uma dinâmica de grupo, que fechou nossas conclusões e só corroborou com aquilo que suspeitávamos, as crianças mais pró-ativas e com espírito de liderança são as que mais interagem e colhem bons resultados. Outros, que tinham um potencial muito bom, mas na hora da dinâmica se mostraram isolados, sem espírito de equipe, já até abandonaram a escola. Uma evasão pequena, de apenas quatro alunos nesse total de 180, mas que confirma a importância da dinâmica de grupo”.

Em julho, esses 176 alunos da primeira turma chegaram às primeiras férias na Germinare, e Vivianne se lembra de que, no último dia de aula, estavam todos cabisbaixos, deprimidos e chorando ao se despedirem, como se nunca mais fossem se reencontrar. Manifestação de afeto e comprometimento que faz Vivianne concluir que, até aqui, as metas têm sido atingidas de maneira brilhante: “Esse ano foi de adaptação e amadurecimento. Sabíamos que os alunos tinham um potencial altíssimo, mas imaginávamos que eles teriam dificuldades com o inglês, em lidar com suas adversidades familiares e sociais em meio a um ritmo escolar tão intenso”. Questionada sobre o balanço feito pelo pai, Vivianne emite um largo sorriso e dá pistas da enorme astúcia dos alunos: “Escola sempre foi uma coisa muito distante para meu pai. Quando ele vem aqui, fica muito impressionado e orgulhoso. Anda por toda a escola, fala com as crianças e volta sempre com uma boa história para contar. Dia desses, um menino o abordou com a seguinte pergunta: ‘O senhor que é o presidente da JBS?’. Papai humildemente respondeu: ‘Não, o presidente é o Joesley’. Sagaz, o menino prontamente retrucou: ‘Ora, mas o senhor não é o pai dele?!’, ao que meu pai timidamente reconheceu. ‘Sim, filho, sou pai do Joesley’. ‘Ora! Então, ele até pode ser o presidente, mas o senhor é quem manda nele’.”

Unidos para o futuro
Embora exaustiva, a rigorosa grade diária de dez horas é vencida com entusiasmo pelos jovens alunos. Além das disciplinas formais dos ensinos fundamental e médio, oa alunos são submetidos a um sem número de atividades extracurriculares, realizadas dentro e fora da escola.

Uma das iniciativas pioneiras, que agregou voluntários da JBS e todos os alunos matriculados na Germinare, foi o projeto Introdução ao Mundo dos Negócios, no qual os alunos conheceram de perto rotinas administrativas, de marketing e vendas, produção em série e produção unitária, orçamentos individual, familiar, e até simularam a gestão de um orçamento municipal. Diretor Jurídico-Executivo da JBS-Friboi, o advogado Francisco de Assis e Silva foi um dos voluntários que ajudaram a implantar o projeto. Executivo de trânsito internacional na defesa dos interesses da JBS, ele falou com nossa reportagem, do vagão de um trem em viagem à Itália, e foi enfático em avaliar a importância do projeto desenvolvido pela JBS: “A escola mostra algumas evidências. A primeira delas é que precisamos refletir sobre o modelo de ensino que queremos dar para nossas crianças. A segunda é o quanto o modelo atual de ensino faz sentido para aquilo que a sociedade necessita hoje, em termos de desenvolvimento do pensamento e da formação de mão de obra”.

Vindo de alguém que integra a alta hierarquia do grupo JBS, o depoimento de Assis e Silva pode denotar parcialidade, mas atestamos o mesmo grau de satisfação e surpresa ao conversarmos com Ruth Hiromi Harada, Corporate Citizenship Executive da IBM Brasil, parceira da Germinare em projetos que aproximam os alunos das novas tecnologias: “Ajudamos a instalar o laboratório de informática, que também é utilizado nas aulas de conversação em inglês. Montamos outro laboratório para as crianças produzirem animações, utilizando hardwares IBM e um software livre chamado MUAN (Movimento Universal de Animação), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA-RJ), com apoio do Festival Anima Mundi. Mal poderíamos imaginar o quanto ficaríamos surpreendidos com o trabalho feito pelas crianças. Foram os filmes mais bem-feitos que já vimos. Um trabalho em grupo impressionante. Conseguiram espalhar criatividade, alegria e devolvemos a eles, merecidamente, autoconfiança, com o reconhecimento do trabalho impecável que fizeram”.

Prova dos nove
É hora do intervalo e acompanhados de Vivianne e de Maria Odete Perrone Lopes, coordenadora pedagógica do Germinare, fomos ao pátio para acompanhar o almoço dos quase 180 alunos e colher os depoimentos que abrem essa reportagem. Refeitório e pátio repleto de alunos, converso com Edijane Pereira de Souza, funcionária que organiza a fila e cede as bandejas para as crianças. Questiono se ela tem dificuldades para ordenar a turma: “No início sim, mas hoje estão todos muito disciplinados. A correria começa mesmo é depois do almoço, pois parece que estão todos loucos para queimar energia. Tenho uma filha, Jéssica, que hoje está com 8 anos. Quando estiver em idade de ingressar aqui, vou fazer o impossível para dar essa chance a ela”. Seguimos pelas dependências do andar térreo e ao chegarmos à moderna biblioteca – que dispõe de todos os títulos digitalizados, prontos para serem acessados remotamente, via internet, pelos alunos -, flagramos uma cena inusitada: um tabuleiro de xadrez e um adulto rodeado de crianças. Vicente Matheus Moreira Zuffo é funcionário da mesa de operações do Banco JBS e se inscreveu como voluntário, logo que a escola foi aberta. Dá aula uma vez por semana, às quartas-feiras, e revela orgulhoso que os alunos já atingiram razoável nível de habilidade no jogo, a ponto de estarem preparando o primeiro campeonato para o fim de setembro: “Eles evoluem muito rapidamente. Para crianças de 11 e 12 anos, que nunca tinham tido contato com o xadrez, tenho visto alguns jogando muito bem. São crianças brilhantes, com uma capacidade de aprendizado impressionante.”

Esses mesmos predicados apontados por Zuffo surgem no depoimento da professora de Geografia, Francini Thomaz. Única integrante do corpo docente que ainda atua em escolas públicas, Francini tem total gabarito para comparar as duas realidades e apontar o salto à frente que o Germinare propõe: “A escola reúne um grupo heterogêneo, com graus de desenvolvimento cognitivo diferente, mas é essa diferença que faz com que as aulas sejam cada vez mais interativas, pois os alunos contribuem mutuamente. As pequenas diferenças entre eles são praticamente imperceptíveis e superadas com a interação de todos’.

Intervalo encerrado, a sirene toca e o fluxo de volta às classes é intenso. Depois de horas acompanhando a rotina da Germinare, concluímos que os êxitos apontados aqui são inegáveis. No próximo ano, a escola abrirá mais 90 vagas e chegará ao limite de 800 a mil alunos, em 2015. Há quem possa julgar essa uma iniciativa inócua, mas a lição que fica para o Brasil é a moral da história apresentada no filme Desafio no Bronx, dirigido por Robert De Niro: “Não há nada mais triste do que talento desperdiçado”. Sentença que converge com os ideais defendidos por Vivianne: “Desde o começo, tínhamos essa certeza de que queríamos crianças com brilho nos olhos, com muito comprometimento e vontade. Encontramos alunos que tinham péssimas avaliações em provas, mas que tinham um potencial cognitivo muito alto. Tínhamos de identificar essas crianças a qualquer preço e acho que conseguimos”. Ao encerrar esse depoimento, Vivianne emite um sorriso sereno e nosso diretor de redação e fotógrafo dessa reportagem, Hélio Campos Mello, observa: “Você fala do brilho nos olhos dessas crianças, mas agora mesmo, vejo esse mesmo brilho nos seus”. Vivianne, sabiamente, conclui: “Ora, se você não tiver esse mesmo brilho nos olhos, como é que vai procurar alguém que o tenha?!”.

Os estudantes do JBS-Friboi


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