No último dia de julho, quando as ruas do Brasil receberam manifestações contra e pró-impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o monitoramento das redes sociais encontrou dois milhões de bytes em ocorrências para o termo #foradilma, nove milhões de bytes para o #foratemer e 16 milhões de bytes para o Pokémon Go, a maioria reclamando da indisponibilidade do jogo no País. Números que dão a exata dimensão do fenômeno no qual a caça ao Pikachu e seus companheiros se transformou em todo o mundo, em menos de um mês, motivando as mais diversas reações.
O sucesso estrondoso do Pokémon Go chegou acompanhado de polêmicas que, em alguns casos, beiraram teorias conspiratórias. Entre elas, a de que seria uma arma da agência de inteligência americana, a CIA, para nos espionar. Tudo porque a antiga empresa do criador do jogo, a Keyhole, foi patrocinada pela CIA antes de ser comprada pelo Google. Sua especialidade? Mapeamento de superfícies. Recurso incluído no Google Earth.
Para muitos pensadores, o Pokémom Go é o pior dos pesadelos orwellianos. Por usar a câmera, o microfone e o GPS dos smartphones, pode fornecer aos seus desenvolvedores – Niantic, Nintendo e The Pokémon Company – preciosas informações sobre os ambientes frequentados pelos usuários. Enquanto procuramos pokémons pela cidade, no interior de prédios públicos ou privados, permitimos que o sistema tenha acesso a imagens do local, incluindo suas coordenadas. Dados que, combinados com as informações de nossas contas Google usadas para habilitar o jogo (o aplicativo pode vasculhar seus e-mails, ver suas fotos, arquivos no Drive, localizações recentes, o que você procura na ferramenta de busca…), revelariam muito mais do que poderíamos supor. Tudo que um sistema de vigilância onisciente, como o pensado por Orwell, seria capaz de oferecer.
Juntas, as três empresas formariam a pequena elite dominante comandando a massa, desrespeitando a privacidade dos cidadãos. Mas o que, exatamente, elas estariam planejando fazer com os nossos preciosos dados, meticulosamente recolhidos? Tudo o que seriam capazes de obter já não estaria ao alcance de empresas do Google e Facebook? Sim, por certo. Mas não de forma tão intensa. Um dos segredos do sucesso do Pokémon Go, segundo psicólogos, é fazer com que as pessoas socializem mais, ainda que em um ambiente sobreposto ao mundo real. Para capturar mais bichinhos, é preciso sair por aí prestando atenção ao seu entorno, interagindo com quem não conhecemos. Pesquisas sugerem que a conversa, mesmo rasa e com estranhos, aumenta o bem-estar. Talvez, não por acaso, haja um grande número de igrejas no game. A Niantic não sabe responder exatamente qual o motivo para isso.
Só sabe que o Pokémon Go também faz bem para o bolso. Não só o da Nitendo, que viu seu valor de mercado subir para US$ 7,5 bilhões apenas dois dias após o lançamento do jogo. Ou o dela próprio, Niantic, com a venda de itens dentro do game. Pequenos varejistas, como a pizzaria bar L’inizio, em Long Island, Nova York, afirma que suas vendas saltaram 75% em um único fim de semana, depois da ativação do recurso “módulo de atração”, que possibilita espelhar pokémons virtuais pela loja, atraindo jogadores próximos. O gerente da loja gastou US$ 10 para ter uma dúzia de personagens pokémon colocados no local, de acordo com reportagem do The New York Post.
Para muitos economistas, o Pokémon Go é resultado direto de uma economia complexa, baseada em um novo modo de divisão de trabalho, no qual somos simultaneamente consumidores e produto, em um mercado capaz de dar utilidade econômica à diversão. Estamos falando da economia dos aplicativos móveis, que se tornou um negócio altamente lucrativo para startups como Zynga, Playfish, Playdom e, agora, a Niantic. Ao redor dos aplicativos móveis começa a se formar uma robusta teia de negócios. E talvez por isso a empresa não esteja preocupada que no Brasil áreas de exclusão social e econômica, como as favelas, não apareçam no mapa. Quem sabe o jogo fosse uma boa oportunidade para mapeá-las.
Atrás de pontos extras, no entanto, podemos acabar atraindo prejuízos pessoais e coletivos e provocando acidentes, como o ocorrido em Auburn, no estado americano de Nova York. Distraído em sua caça a personagens pokémons, o motorista saiu da estrada e bateu de frente em uma árvore. Desastres automobilísticos foram registrados também em Baltimore, nos EUA, e em Melbourne, na Austrália. É possível ainda que tiros sejam disparados na nossa direção, por estarmos invadindo propriedade alheia atrás dos bichinhos… Não apenas no sentido figurado, como imagina Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, ao afirmar que o jogo promove a “cultura da morte”, mas também no real. Na Guatemala, um jovem de 18 anos foi assassinado com um tiro na cabeça enquanto caçava monstrinhos virtuais.
Portanto, se você está entre os que não veem a hora de buscar Pikachus, cuide-se. Em vez de capturar, é você que pode acabar capturado. No mundo do marketing digital, e do Big Data, a única certeza que temos é a de que nunca estamos realmente seguros. Será que os benefícios justificam os riscos?
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