Bauru, Eurico e Batata; Alvarenga, PK e Tonico; Edu, Fabrício e Bacalhau. Esse era o time do café. Por muitos anos nos reunimos pra tomar café lá pelas quatro da tarde no Esplanada Paulista. Mais por coincidência de hábitos do que por qualquer outra coisa. Quinze minutos no balcão, todo dia. O pessoal trabalhava por perto. Grupo bom, mas não perfeito. Me incomodava a relação do PK com o Batata.

O Batata era baixo, gordo e agitado. Com os olhos pequenos e um bigode aparado, meio espetado. Estava seguro que o perseguiam ou conspiravam contra si. Sempre trazia as evidências. Era um paranoico. Limitado, mas boa gente. Sempre gentil.

O PK era um advogado magro, amarelado pelo cigarro. Até no branco do olho. Sempre de terno marrom. Era um tipo estranho, mas não incomodava o grupo. O negócio dele era o Batata.

Quando o Batata falava, o PK mostrava impaciência ou começava uma conversa paralela. Às vezes, quando o Batata fazia um comentário, ele virava de lado. Achei que podia ser cisma minha, mas, com o Batata, ele até abaixava a voz. O Batata não escutava direito. Coisa perversa que se estendeu por anos. Fiquei de olho no PK.

Certa feita o Batata andou falando de umas encrencas com o casamento coisa e tal. Não deu detalhes, mas não era nada sério. O PK ouviu tudo e mandou um sabendo usar… chifre não é problema. Riram todos, menos o Batata. Não passou um mês e soubemos que havia se separado. Foi por besteira, bobagem mesmo, disse o Alvarenga, que conhecia bem o Batata. Cuidado com o PK, emendou. Isso reforçou minhas suspeitas.

Meses depois, o Batata começou a dizer que estava sendo roubado em sua loja. Mais, estava apavorado com direito do consumidor e com passivo trabalhista. O PK sentenciou: você está numa fria e vai ficar gelada. Pule fora. De novo o Batata foi de embrulho. Passadas algumas semanas, havia demitido todo mundo e fechado a loja. Perdeu dinheiro. Muito.

Passaram-se meses e o Batata se reergueu com um negócio menor. O Café Bali, ali perto, onde nosso grupo passou a se encontrar: expresso e biscoitos amanteigados. O lugar tinha estilo.

O Batata parecia feliz e animado. Mas, não tardou muito, começou a dizer que estava sendo roubado. Nas compras e no caixa. Estava também preocupado com assalto. Acho que foi o Eurico que disse pra ele botar umas câmeras e acompanhar tudo pela internet, de casa. Dito e feito, o Batata pôs sete câmeras no pequeno Café Bali. Uma na boca do caixa. Duas no salão, duas no balcão e duas do lado de fora. Foi um exagero, mas sossegou.

Um dia, estávamos tomando nosso café quando o PK disse que leu, não sei onde, um aforismo inuit, esquimó. Do mundo do gelo, todo branco. Não adianta cautela, quem vai te pegar é o urso que você não vê, disse ele mastigando fumaça em meio à bigodeira amarela.

Pombas! Soltar uma dessas logo depois do Batata ter posto sete câmeras no Bali? Aquilo inundou de fantasmas a cabeça do Batata. Eu vi no olho dele. Pior, vi prazer no olho do PK. Que canalha!

Esperei o pessoal sair e chamei o Batata de lado. Com imensa paciência e serenidade, expliquei pra ele que um PK não sossega enquanto não levar um Batata girando ralo abaixo. Mas ele, uma mente simples, estava cego, claro. Parei por ali.

Até pensei em levar o PK pra polícia. Mas, dizer o quê? Que ele era um perverso, que há anos vem lentamente estrangulando o Batata? Que ele era um psicopata sem estilete? Não fiz nada porque não ia dar em nada. Mas não desisti nem esmoreci. Segui minha rotina no Bali.

Só eu sei que o PK não me vê. Ele que se cuide.

*Marcos Rodrigues é engenheiro civil , professor titular da Escola Politécnica da USP e dedica-se também à literatura


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