Câmara e STF, o show de hipocrisia

Passei o dia ontem em Brasília e não desconfiei de nada. Esconderam de mim, ninguém me falou nada, não me consultaram. Devo ser uma besta mesmo, como já desconfiam alguns amáveis leitores.

Por mais que eu não queira falar de política, dedicando o espaço do Balaio para outros assuntos menos polêmicos, que me dão mais prazer, e tenho certeza que aos leitores também, não tem jeito.

Ao abrir o computador hoje, dou de cara com a manchete do iG: “Deputados tramam aumento dos próprios salários”. Dá para ficar calado?

Na surdina, a pretexto de discutir o aumento dos salários dos ministros do Supremo Federal, que já ganham R$ 24.500 por mês, o novo (?) presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), criou na tarde desta terça-feira um grupo de trabalho para tratar de “temas de interesse do Judiciário” _ entre eles, o pedido de aumento salarial.

Muito bom, muito bonito ver esta harmonia entre os poderes. Acontece que por trás desta generosidade dos senhores deputados está um velho projeto dos parlamentares de equiparar seus salários com os dos senhores ministros do STF, que já ganham o maior salário do país no serviço público, o dobro do que recebe o presidente da República.

Claro que ao dar a informação para os colegas do Congresso em Foco, o vice-líder do governo no Congresso, deputado Ricardo Barros (PP-PR), já foi logo desmentindo que uma coisa tenha a ver com outra: “Não está em discussão, são assuntos diferentes”.

Pode não ser para já, como admitiu candidamente o deputado Milton Monti (PR-SP): “Temos que caminhar para isso acontecer a longo prazo, porque agora é um momento de crise”.

Mas alguém tem dúvidas de que mais dia, menos dia, depois de conceder o aumento aos ministros do STF, que passariam a receber R$ 25.725, a Câmara não vai querer a equiparação, se são os próprios deputados que decidem sobre os seus salários?

O caminho está aberto e muitos parlamentares já defendem abertamente a equiparação. Luciano Castro(ex-lider do PR), por exemplo, há tempos reivindica a equiparação salarial entre Judiciário e Legislativo.

O show de hipocrisia não acaba aí.

Ainda no rescaldo da “bombástica” entrevista do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) à Veja, em que o ex-governador pernambucano, depois de 43 anos de militância, agora descobriu corrupção no seu próprio partido, e aproveitou para baixar a lenha no governo Lula, como de costume, ninguém se lembrou de lhe fazer uma singela pergunta sobre o seu suplente, o ex-deputado Roberto Freire, presidente do PPS.

Jarbas denunciou o seu PMDB, entre outras mazelas, de só querer cargos no governo, mas não foi perguntado sobre as boquinhas que o recifense Freire, que mora em Brasília, descolou na Prefeitura de São Paulo, como denunciou na semana passada o vereador José Américo, do PT.

Mesmo sem nunca ter morado em São Paulo, o ex-candidato comunista à Presidência da República foi nomeado por Gilberto Kassab para dois conselhos: a Emurb (Empresa Municipal de Urbanismo) e a SPTurismo, responsável pela organização de eventos como o Carnaval.

Para participar de uma reunião por mês, Roberto Freire recebe módicos R$ 6 mil – de cada conselho. Como se ignoram os conhecimentos especializados de Freire nestes dois campos da administração municipal paulistana, só há uma explicação: nas últimas eleições, seu PPS apoiou o DEM tucano de Kassab.

Em troca, o partido ganhou a suprefeitura da Lapa, entregue à ex-vereadora e ex-petista Soninha. Será que o bom Jarbas e o repórter que o entrevistou não sabiam de nada disso?


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