Exposição no SESC celebra relação entre cinema e música

NOUVELLE VAGUE  O cineasta Jacques Demy e o compositor Michel Legrand. Jean-Luc Godard, Mick Jagger e Bill Wyman durante as filmagens de One + One (página ao lado)
NOUVELLE VAGUE
O cineasta Jacques Demy e o compositor Michel Legrand. Jean-Luc Godard, Mick Jagger e Bill Wyman durante as filmagens de One + One (página ao lado)

Até 11 de janeiro de 2015, o SESC Pinheiros, em São Paulo, será palco da exposição Música & Cinema: O Casamento do Século?. A mostra resulta de parceria com a Cité de la Musique, instituição francesa dedicada à história da música, que já nos permitiu apreciar belas homenagens à Serge Gainsbourg (2009) e Miles Davis (2012). Uma das marcas das mostras criadas pela entidade parisiense é a riqueza do acervo aliada a uma atmosfera lúdica, que acaba atraindo tanto especialistas quanto o público em geral.

Música & Cinema tem curadoria do crítico, diretor, professor e curador N.T. Binh (Binh Nguyen Trong), autor de vários livros de cinema – entre eles, sobre Ingmar Bergman, Joseph L. Mankiewicz, Claude Sautet e Jacques Prévert. Para adequar a mostra ao público local, Binh acrescentou como diferencial um olhar sobre a Sétima Arte no Brasil, apoiado em pesquisas lideradas por Neusa Barbosa (filmes) e Yolanda Barroso (documentos). Assim, não é de espantar que o primeiro painel da mostra, bem à entrada, seja dedicado a O Cangaceiro, premiado como Melhor Filme de Aventura de 1953, no Festival Internacional de Cannes. Escrito e dirigido por Lima Barreto, o trabalho também teve a trilha sonora premiada. Assinada pelo regente, arranjador e compositor Gabriel Migliori incluía a música Mulher Rendeira, que segundo alguns teria sido composta pelo próprio Lampião. Na trilha, a canção é interpretada por Vanja Orico, estrela do filme, acompanhada pelas vozes dos Demônios da Garoa.

A exposição também oferece por meio do SESC várias oficinas relacionadas ao tema, além de concertos memoráveis, em que filmes têm sido projetados com a trilha sonora executada ao vivo. Destaque para Sonhos, de Akira Kurosawa, acompanhado pelo Uakti; Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, pela Trupe Chá de Boldo; e Taxi Driver, de Martin Scorcese, com Kiko Dinucci e Lucas Santana. Em novembro, estão previstos os workshops Efeitos Especiais: a Mágica no Cinema, por Ricardo Argenton e Marcelo Amp, e Metrópole: Matéria em Ebulição, por Alex Cavalcante. 

N.T. Binh dividiu a exposição em quatro grandes etapas: a música antes da filmagem, durante a filmagem, na pós-produção, e no lançamento. No final do percurso, há um estúdio onde o visitante pode manipular a trilha dos filmes que são exibidos, como se estivesse em uma moviola. As quatro etapas às vezes dividem o mesmo espaço, uma vez que ao lado do vasto material imagético – cartazes, fotografias de cena, de bastidores, objetos, partituras e documentos – o visitante tem à disposição projeções de trechos de filmes, entrevistas, depoimentos, trailers e clipes, exibidos em salas ou telões e em cabines individuais. Quase toda referência é acompanhada de um exemplo que pode ser ouvido com um fone. A cenografia criada por Clémence Farrell permite que isso aconteça sem interferência.

O espírito da exposição não se limita à história, mas se volta para a discussão do papel da música no cinema. Basicamente, o filme O Cantor de Jazz, estrelado por Al Jolson em 1927, é considerado o marco que divide o cinema mudo do sonoro. Mas encontramos na exposição, por exemplo, um trambolho chamado chronomegaphone, de 1906, utilizado pelo engenheiro-inventor Léon Gaumont para “sonorizar” os filmes que produzia no estúdio que fundou uma década antes – a Gaumont é a mais antiga produtora de cinema em funcionamento.

E a música veio a cavalo, se é que se pode dizer assim. A primeira “trilha” original foi composta em 1912 por Camille Saint-Saëns para o filme francês O Assassinato do Duque de Guise. Antes da sonorização, os diretores berravam ordens para os atores durante as filmagens e, não satisfeitos, levavam músicos, às vezes orquestras inteiras, para tocar e estimular a atuação enquanto rodavam. Naturalmente, eles acabavam improvisando.

Na década de 1920, com a explosão mundial do cinema, grandes músicos se envolveram na criação de obras para os filmes ou na adaptação de suas próprias, entre eles Darius Milhaud, Arnold Schönberg e até Erik Satie! E os diretores acabaram se interessando por isso. Assim, junto com os rolos de filmes, os cinemas recebiam livretos com as partituras das composições a serem executadas, devidamente decupadas, ou seja, com anotações detalhadas apontando onde acelerar, onde aumentar o volume, e por aí vai. Os originais de algumas dessas partituras estão expostos.

O envolvimento música-cinema é exemplificado pelas parcerias, inúmeras, formadas por duplas, como Federico Fellini-Nino Rota, Blake Edwards-Henry Mancini, Walter Salles-Antonio Pinto, Rainer Werner Fassbinder-Peer Raben, Luc Besson-Eric Serra, Tim Burton-Danny Elfman, Emir Kusturica-Goran Bregovic, Cacá Diegues-Chico Buarque, Sergio Leone-Ennio Morricone, Spike Lee-Terence Blanchard, entre tantas. Como podemos concluir, tais parcerias só passaram a funcionar a partir do advento do chamado “cinema de autor”. Em Hollywood quem mandava era o produtor, que indicava quem quisesse para musicar a obra.

A exposição também revela boas histórias. Como o susto que Alex North levou quando viu que a abertura composta por ele para 2001: Uma Odisseia no Espaço, tinha sido substituída pelo diretor Stanley Kubrick por Danúbio Azul, de Johann Strauss II. Ou a bronca que Bernard Herrmann levou de Alfred Hitchcock por não ter criado nada “mais moderno” para o filme Cortina Rasgada. Implacável, o velho Hitch trocou o maestro por John Addison – sim o mesmo Herrmann que debutou em Cidadão Kane e também assina a trilha de Taxi Driver.

E mais histórias… A atriz Emmanuelle Béart exigiu um violino mudo para fingir que tocava em Um Coração no Inverno, deu o maior trabalho, mas o pedido foi atendido e o instrumento está lá no SESC. A mostra também destaca a grande Judy Garland que, por limitações técnicas, se tornou a rainha da dublagem. Uma vez que raramente se usava som direto, Judy criou tantos trejeitos para simular seus agudos e gorjeios que ela é até hoje a cantora mais imitada por drag queens dubladoras do mundo inteiro. A exposição merece mais de uma visita, dada à riqueza do material apresentado.

Há uma máxima ensinada em escolas de cinema que diz que “a melhor música para um filme é aquela que não é ouvida”. Será mesmo? Dá para imaginar como ficariam as longas conversas que James Stewart tem com Kim Novak dentro do carro à noite em Um Corpo que Cai se não houvesse música? Pode-se dizer, seguramente, que o único toque de suspense hitchcockiano que existe ali é justamente a música. De Bernard Herrmann, coitado.

Serviço – Música & Cinema: o casamento do século?
SESC Pinheiros – Rua Pais Leme, 195 – Pinheiros 
(11) 3095.9400
Até 11 de janeiro de 2015


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