Respiro à margem, do lado de fora
onde tudo é a flama do incontido.
Respiro por precaução
Entre vizinhos que mal se conhecem
Lento entranhar-se entre estranhos.
Respiro em surdina, na cidade que se abre
(trecho de Fôlego Fátuo, em A Fera Incompletude, Dobra Editorial)
Costumo ao viajar tomar emprestado, como os cegos, a guia de amigos; em geral, são poetas e escritores que me descrevem a cidade e me revelam locais e cheiros. Assim foi com Fabrício Marques. Zanzando pelas palavras, dobrando-as e desdobrando-as, Fabrício constrói ensaios, crônicas e contos sobre a cidade e lança um amálgama de perguntas em sua poesia.
Meu encontro com ele em Belo Horizonte foi no Edifício Maletta, ainda cheio de glórias e poetas, na confluência da avenida Augusto de Lima com a rua da Bahia.
Ali no bar, sentado em meio à conversa variada, ele se entrega como um poeta a um só tempo antigo e novo, de palavra ácida, que usa com exatidão de porcelana. Diz de si, do outro e da cidade. Conhecedor de seus becos, ele transita por ela com o olhar de gato do mato, para atestar sabores desconhecidos.
Tá vendo este aqui, mais ao centro?
Sou eu
E este mais à direita, com o pé na fórmica prateada?
Também sou eu
Este aqui
na corda bamba
desequilibrista
do trapézio ao trampolim
Senhor Por Um Triz
(trecho de Fotografias, em A Fera Incompletude)
Fabrício Marques nasceu em 1965. De Manhuaçu, Minas Gerais, mora em Belo Horizonte. Poeta e jornalista, tem doutorado em letras pela UFMG. Possui várias obras: Aço em Flor: a Poesia de Paulo Leminski (Autêntica), Meu Pequeno Fim (Scriptum), Dez Conversas (Gutenberg) e A Fera Incompletude (finalista do Jabuti e do Portugal Telecom), além dos livros para crianças O Zoológico da Sofia e O Pequeno Livro dos Recordes (ambos pela Aaatchim!).
Sendo múltiplo na escrita, do jornalismo aos ensaios e daí aos versos, ele chega ao livro-reportagem, em que revisita a sua Belo Horizonte na visão de autores de várias épocas, dos modernistas da década de 1920 a alguns mais recentes. Uma Cidade se Inventa (Scriptum) é uma cartografia séria, serena. Aqui ele vira tatu para deslindar a cidade nas suas festas, viadutos, avenidas, bares, livrarias.
Mas cutuquemos seus versos:
Sou um homem sem retrovisor./ Ando todos
os dias/ logo de manhã, nas ruas da cidade.
Pessoas pessoas pessoas/ descem e sobem,
me atravessam/ Sou um homem fora da faixa
Andar, paraíso portátil sujeito a multas./
Em cada expedição diária/ acumulo acidentes e alguns desastres
Sou um homem sem maçaneta/ Cruzando os semáforos do planeta/ Córdoba, Cádiz, Arpoador, Belvedere
Que mundo esse /indiferente ao espetáculo/ de alguém a caminhar/ sem saber pra onde vai.
Encontro-me perdido./ Errei de rua, errei de mim. Perdido, encontro-me.
(trecho de Caminhada)
Fabrício há que ser lido para pensarmos a atual poesia das Minas Gerais.
*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária em universidades privadas e consultor editorial da área de Literatura, além de contista e poeta com livros publicados (paulovasconcelos@brasileiros.com.br).
Deixe um comentário