Caravana da boa música

Os músicos da banda The Vigil (da esq., para a dir.): Carlitos Del Puerto, Charles Altura, Luisito Quintero, Marcus Gilmore e Tim Garland
Os músicos da banda The Vigil (da esq., para a dir.): Carlitos Del Puerto, Charles Altura, Luisito Quintero, Chick Corea, Marcus Gilmore e Tim Garland (foto: Toshi Sakurai)

Há quem defenda que a música instrumental destina-se a ouvidos iniciados. Mas o fascínio despertado por ela é artifício democrático. Requer apenas sensibilidade e independe de repertório cultural, credo, cor ou condição social. Prova inconteste é o êxito do festival MIMO. Criado em 2004, o evento ultrapassou em 2013 a casa dos 640 mil espectadores. No dia 29 deste mês, terá início a 11a edição, na cidade histórica de Ouro Preto, em Minas Gerais. A abertura, em praça pública, está a cargo de um ícone do jazz, o pianista americano Chick Corea.

Maior evento gratuito de música instrumental no País, que também inclui artistas dedicados à canção, o MIMO foi criado pela produtora cultural Lu Araújo. Até 2013, ofereceu 240 apresentações de artistas locais e astros da música mundial, como Herbie Hancock, Buena Vista Social Club e o pianista Chucho Valdés. Na edição deste ano, entre os destaques, estão nomes como o malinês Salif Keita, o duo Winston McAnuff &Fixi, o saxofonista cubano Paquito D’Rivera e os brasileiros Egberto Gismonti, João Donato e Naná Vasconcelos (confira a programação completa no portal www.mimo.art.br).

Sediada em Olinda, em Pernambuco, a primeira edição do MIMO contou com cinco atrações. Quase dez vezes maior, a programação deste ano reunirá 46 artistas. Desde 2012, ocasião em que Ouro Preto (MG) entrou no circuito, o MIMO passou a expandir suas rotas. No ano passado, foi a vez de Paraty (RJ) estampar a agenda do festival. Entre os dias 17 e 19 de outubro, o público de Tiradentes (MG) terá o prazer de encerrar a edição 2014 do festival (os shows em Olinda acontecerão entre os dias 4 e 7 e de setembro, e os de Paraty entre 10 e 12 outubro). 

Outro número exuberante do evento vem das oficinas e cursos ministrados pelos artistas que participam do MIMO: 16,5 mil crianças e jovens músicos já foram beneficiados. A boa nova para 2014 é o Prêmio MIMO Instrumental, que elegerá novos talentos, de 18 a 35 anos, para integrar a programação oficial do evento.

Por influência do pai Alfredo e do tio Ademar, que possuíam lojas de LP’s e compactos, aos 14 anos, Lu Araújo começou a aprofundar seus conhecimentos musicais. A paixão se tornou irreversível. Depois, em sociedade com o marido Augusto Jatobá, ela abriu a In-Dependente, primeira loja do Rio de Janeiro dedicada a vender exclusivamente títulos lançados por selos independentes do Brasil e do mundo. O impressionante acervo de mais de seis mil discos reunidos pelo casal aproximou clientela exclusiva. Pesquisadores, jornalistas e até estrelas da MPB, como Chico Buarque, tornaram-se habituées do comércio sediado no Leblon. A incursão pelo universo da música independente durou sete anos, de 1986 a 1993. Enxergando a carência de planejamento das carreiras dos artistas independentes que conhecia, Lu Araújo decidiu migrar para a área de Produção Cultural, agenciando, primeiro, o violeiro Elomar e, depois, jovens talentos da MPB, nos anos 1990, como Rita Ribeiro, Ceumar, Chico César, Vange Milliet e Zeca Baleiro.

O currículo da produtora soma mais de 800 trabalhos dedicados a música. Fato que dá a ela propriedade de sobra para reiterar os argumentos da abertura deste texto. “A música instrumental produzida em nosso País é das melhores do mundo. Bebemos de todas as fontes – da música negra, da música europeia, do jazz –, e mesmo que nosso público não tenha contato com essas informações, à medida que ele é estimulado, imediatamente,  reconhece sua qualidade. Te­­mos um público in­crível.”

Chick Corea “Explosivo”!

Lançado em agosto de 2013, The Vigil, o mais recente álbum do pianista americano Chick Corea – que também dá nome a sua nova banda – foi celebrado pela crítica mundial de jazz como um dos melhores trabalhos eletroacústicos do pianista em décadas. Composto de sete temas, cinco deles com mais de dez minutos de duração, The Vigil será a base das apresentações do músico em Ouro Preto e Olinda. Em entrevista por e-mail à Brasileiros, Corea falou de sua paixão por Tom Jobim e prometeu surpresas.   

BrasileirosNos anos 1970, você convidou o percussionista brasileiro Airto Moreira e a mulher, a cantora Flora Purim, para integrarem a banda Return to Forever. A música brasileira ainda influência e inspira seu trabalho como compositor?  

Chick Corea – Sempre amei a música brasileira. Nos meus shows solo de piano costumo tocar músicas do Tom Jobim. Na minha opinião, ele é um dos grandes compositores de todos os tempos. Não tenho nenhum contato especial com a música brasileira produzida hoje, mas sei que há coisas  acontecendo. Viajo muito e por todos os lugares em que passo há jovens instrumentistas tocando e fazendo a nova música. É encorajador.

Como foi concebida sua nova banda The Vigil?  

A ideia que orienta a banda é, com todas as mudanças que estão acontecendo na tecnologia em torno da música, na maneira como a música é comercializada, há uma coisa que permanece constante: a preciosa comunicação que existe, ao vivo, entre o artista e seu público. Para mim e para eles, é a coisa mais importante a ser preservada para se manter a verdade da música. A banda é formada por músicos jovens, grandes instrumentistas com quem tenho aprendido muito. Marcus Gilmore, o baterista, tem sua própria maneira de fazer as coisas. Gosto de tudo o que ele faz e não preciso dar a ele nenhuma instrução. Conheci o guitarrista Charles Altura por meio de uma recomendação do Stanley Clarke. Charles teve sua própria banda por um tempo e foi perfeito para minha música. A banda que virá ao Brasil é a mesma que gravou o álbum The Vigil, com exceção do baixista, que agora é Carlitos del Puerto (substituto do francês Hadrien Feraud). Carlitos é cubano, excelente, tanto no contrabaixo acústico quanto no elétrico. Além deles, há o saxofonista Tim Garland e o percussionista Luisito Quintero, que é venezuelano, compõem com Carlito e Marcus uma seção rítmica muito quente. Estamos explosivos!

O que o público do MIMO pode esperar das apresentações?  

Adoro tocar em concertos gratuitos e abertos, pois todo o tipo de gente pode comparecer e não há restrição a um público específico. Tocaremos todas as músicas do álbum de 2013, mas o repertório poderá ter outras coisas além do que está na gravação. Estamos ensaiando para colocar as ideias em conjunto. É um trabalho em progresso, mas certamente escolheremos outros temas. Estamos muito ansiosos para fazer esses shows no Brasil.


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