Nascido em Birkenhead, vizinha a Liverpool dos Beatles, na margem oposta do Rio Mersey, Dom Phillips fez sua primeira visita ao Brasil em 1998. Nove anos mais tarde, fixou residência em São Paulo, para atuar como correspondente da revista Heat e escrever seu livro Superstar DJ’s Here we Go, publicado em março de 2009. Hoje, é correspondente do jornal britânico The Times, além de colaborador das revistas People e Grazia, e dos portais Global Post e The Daily Beast. Phillips vem aprendendo a dominar o português e ganhando brasilidade. Admirador de nosso futebol, aderiu ao “bando de loucos” do parque São Jorge e, a convite da Brasileiros, revela as impressões de um legítimo “gringo” sobre os três principais candidatos à sucessão presidencial. Com a palavra o homem do The Times no Brasil.
Sucessão para inglês ver
Serão três candidatos nessa eleição. Três partidos, três ideologias, três estilos. Três palavras para cada um. A Dilma Rousseff: durona, séria, eficiente. O José Serra: experiente, loquaz, frio. A Marina Silva: idealista, previdente, otimista. Uma palavra que, talvez, a eles falte: carisma. Mas observemos as histórias de vida que eles têm e como elas representam a miscigenação e a diversidade do Brasil. Dois são filhos de imigrantes, e uma é filha de seringueiros. Dois candidatos viram suas vidas transformadas pela ditadura. A outra era empregada doméstica e foi alfabetizada aos 16 anos. Tudo lembra o roteiro de um filme de Walter Salles: uma grande história brasileira, três batalhadores que, no dia 3 de outubro, sonham em realizar a ambição de serem presidentes, mas, se aos atores desse drama falta carisma, isso importa ou não?
Dilma cresceu em uma família de classe média de Uberaba (MG), filha do poeta e empresário búlgaro Pétar Russév, que mudou o nome para Pedro Rousseff. A mãe era a professora Dilma Jane Silva. Dilma abandonou o curso de economia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para viver na clandestinidade, quando entrou na luta armada. Foi presa e torturada. Formou-se em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Trabalhou no governo do Rio Grande do Sul, nas secretarias da Fazenda e de Energia, Minas e Comunicações. Apoiou Lula em 1998, e entrou para o PT, em 2001. A partir de 2003, foi ministra de Minas e Energia e, em 2005, se tornou ministra-chefe da Casa Civil. Casou-se duas vezes e tem uma filha. Conhecida como centralizadora, burocrata e muito eficiente, superou um câncer no sistema linfático, em 2009, e fez uma cirurgia plástica no rosto. Dilma teve importante papel nas mudanças fundamentais dos últimos oito anos do governo Lula: economia forte, 30 milhões de brasileiros tirados da pobreza, o crescimento da classe C para níveis acima de 50% da população e o PAC.
Ano passado, a revista britânica The Economist observou que Dilma é uma administradora capaz e que ganhou reputação com empresários como “uma negociadora dura, mas justa”. Mas é inegável que Dilma tem certa inflexibilidade. Um colega meu, outro jornalista estrangeiro, esteve em uma entrevista coletiva dela. Encontrou uma mulher muito bem preparada. Tinha todos os dados em seu arsenal e evitou alguns assuntos. Uma pergunta sobre corrupção foi respondida com fatos sobre o etanol. Dilma sabe bem o que faz, mas não gosta de andar fora do roteiro – como foi visto quando a recente questão de um dossiê surgiu. O suposto documento teria informações, como dados de depósitos em conta de banco do vice-presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge, e o partido diz que o dossiê foi produzido por um grupo dentro da campanha de Dilma. A primeira reação da candidata foi falar: “Isso é uma falsidade e eu não vou ficar batendo boca sobre isso”. Em novembro de 2009, o Brasil sofreu um blecaute. Duas semanas antes, Dilma tinha falado que não havia risco de um novo apagão. Aconteceu o blecaute e ela não gostou nada da pergunta que uma jornalista da Globo fez sobre o assunto. “Você está confundindo as coisas, minha filha. Trabalhamos em um sistema de transmissão de milhares de quilômetros e interrupções, ninguém promete que não vão ter”, insistiu. Não respondeu a pergunta e anotem esse “minha filha”. Pelo visto, a doutora não quer ser desafiada Mas é inegável que, em outros assuntos, Dilma responde bem. Particularmente, em uma entrevista dada nesse ano à revista Época. No assunto da mudança de luta armada para democracia, foi eloquente. “Quando você está na cadeia e vê tortura, mortes e o diabo, o valor da democracia, o direito de expressão e de discordar, começa a ser cada vez mais um valor intrínseco”, explicou. Quando o assunto é religião, mostra mais flexibilidade. “Não sei se é o seu Deus, mas eu acredito em uma força maior do que a gente”, disse à Época, em fevereiro. Em maio, foi a uma missa em Brasília, rezou, ajoelhou-se e afirmou ser católica.
José Serra diz que sempre quis ser presidente. É como se chegasse do parto, gritando: “Mãe, quero ser presidente!”. Sobre ele, a revista The Economist destacou: “Tem uma história impressionante como acadêmico, ministro e governador do Estado, mas tem uma personalidade curiosa”. A revista ainda relatou que os colegas de Serra o descrevem como um homem que trabalha à noite inteira e quer controlar tudo. Mesmo que muitos achem que ele fez um bom trabalho como governador, será que São Paulo estava mesmo bem preparada para as enchentes que atingiram o Estado no último verão?
Serra cresceu em uma família de classe média baixa, em São Paulo, filho do imigrante italiano Francesco Serra e da brasileira Serafina Chirico Serra. Era estudante de Engenharia Civil na Universidade de São Paulo e presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), quando o golpe militar ocorreu. Escolheu exílio em lugar de luta armada. Morou na Bolívia, França e Chile e se casou com uma bailarina chilena. Tem dois filhos. Formado no Chile, durante o exílio, doutorou-se nos Estados Unidos em Ciências Econômicas, na Universidade de Cornell. Foi um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), em 1988. Em 1994, foi eleito senador e, em 1995, tornou-se ministro do Planejamento. Em 1998, assumiu o ministério da Saúde do governo de FHC. Implementou os remédios genéricos e um programa de combate a AIDS, reconhecido internacionalmente.
Se ganhar, Serra quer enfrentar o problema da criminalidade. “Segurança é um dos três grandes problemas do Brasil. Temos de enfrentá-lo”, falou em entrevista à revista Veja. Em outra entrevista, insistiu que se considera um ambientalista, sem citar detalhes (será que os ambientalistas concordam?). Serra inspira lealdade nas pessoas que trabalham com ele. Em sua despedida do Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, a sala estava lotada e a plateia gritou seu nome. Seu discurso foi confiante, verboso, loquaz. Mas em seus trejeitos falta populismo. Ele age quase como um aristocrata. Popular no Sul do País, e nas classes altas de São Paulo, será ele capaz de capturar votos do povo no Norte e Nordeste? Serra bem sabe que o mensalão de 2005 e outros escândalos – como os “atos secretos” do aliado José Sarney, no ano passado – são pontos fracos do governo petista. Recentemente, foram publicadas reportagens dizendo que o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, tem oito parentes do seu assistente Caio Mário Mello Costa Oliveira, trabalhando em seu escritório em Recife. Serra ainda não se pronunciou sobre o assunto. Persistente, conhece vitórias e derrotas – perdeu a eleição de 2002 para Lula, e ganhou a prefeitura de São Paulo, em 2005, depois de duas derrotas.
Marina Silva tem uma história que lembra o trajeto dramático do próprio Lula. Seus pais, Pedro Augusto da Silva e Maria Augusta da Silva, seringueiros do Acre, tiveram 11 filhos. Três deles morreram e Marina conheceu a fome. Somente aos 16 anos foi alfabetizada. Encontrou as ideias políticas na Universidade Federal do Acre. Trabalhou como professora e conheceu Chico Mendes – os dois fundaram a Central Única dos Trabalhadores no Acre, em 1984. Mendes foi assassinado. Foi eleita vereadora em Rio Branco, pelo PT, com a maior votação. Depois, foi deputada estadual. Representou seu Estado no Congresso por duas vezes e foi a senadora mais jovem da República. Tornou-se Ministra do Meio Ambiente, em 2003. Durante sua gestão, o desmatamento na Amazônia caiu 60%. Em maio de 2008, saiu do governo de Lula e migrou para o PV. Casada, Marina tem quatro filhos. Agora, flerta com a base de Lula, enfatizando as origens pobres, o fato de ser negra, e seu nome “Silva”. “O Brasil precisa de um sucessor, e não de um continuador ou um opositor”, disse na sabatina à Folha de S.Paulo. Suas políticas de “crescimento com sustentabilidade” são corajosas, originais e importantes, mas Marina só tem 9% nas últimas pesquisas. Talvez sua candidatura seja saudável para a consciência nacional. Os brasileiros gostam da ideia de salvar o meio ambiente, devem estar felizes que alguém esteja cuidando disso, mas não ao ponto de votar nela.
Então, se existem dois candidatos nessa corrida o que chama atenção aos olhos desse estrangeiro não são as diferenças entre os dois, mas as semelhanças. Ambos são burocratas, técnicos, centralizadores. Talvez Dilma seja mais estadista e Serra fique mais ao lado do mercado, mas nenhum deles vai mexer com o crescimento do País. Talvez o carisma seja menos importante que capacidade e experiência. O jogo é político, não um filme. Mesmo que tomem medidas para que a economia continue crescendo, o País enfrenta muitos problemas. Segurança, pobreza, violência nas favelas, controle do meio ambiente, corrupção endêmica, estratégias diplomáticas fora do Brasil, dos EUA até Chávez, da China até o Irã, liderança no Mercosul, prevenção de enchentes e desastres naturais. Isso e muito mais. Há quem diga que, após oito anos de PT, é preciso mudança. Quem fica muito tempo no poder corre risco de complacência e relutância em admitir erros. Grande falha do ex-primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, de um outro partido trabalhista – o Labour Party.
Mas a atuação do governo Lula também encontra argumentos poderosos, particularmente para as pessoas cujas vidas melhoraram na última década. Lula ainda tem uma aprovação de mais de 70%. Em abril, Serra liderava as pesquisas e 14% da população não sabia que Dilma era a candidata de Lula. Agora, Dilma lidera as pesquisas com 40% e Serra está em segundo lugar com 35%. Parece que, enfim, descobriram Dilma. No dia da despedida de Serra, ouvi de uma sindicalista: “O discurso do Serra é bom. Mas gosto do governo Lula. Se Dilma vai continuar, por que não votar nela?”. José Serra ainda tem muito trabalho pela frente.
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