Para um amante do samba e do Rio de Janeiro, uma viagem ao carnaval carioca é praticamente uma obrigação. Um destino tão indispensável quanto ir a Meca para os muçulmanos. Foi neste espírito que dirigi de São Paulo à Cidade Maravilhosa no sábado, 18 de fevereiro. Como não sou muito afeito a congestionamentos, multidões e fantasias, fui com algum medo.
O que motivou a viagem foi a procura de um carnaval “de raiz”, sem as regras de uma passarela e sem os preços abusivos de shows e festas fechadas. Os blocos de rua, que foram revividos nos últimos anos, eram a promessa de que a procura não seria vã.
Chegando ao Rio, no entanto, uma surpresa desagradável. Assim que entramos na Linha Vermelha fomos parados pela Polícia Militar. Foi quase uma hora de revista e questionamentos. Depois de um policial, que carregava um fuzil a tiracolo, olhar dentro de todas as malas e compartimentos do carro, fomos liberados. Por causa do contratempo, só chegamos ao Rio às 23h30, mas ainda a tempo de pegar um fim de festa na Praça São Salvador, no Flamengo, onde ficamos hospedados.
O histórico Paço Imperial, no centro, foi palco do bloco Cordão do Boitatá, que completou 15 anos. Às 8h já estávamos na folia. Ao som de uma bandinha de metais, uma multidão de fantasiados acompanhava o bloco. Um dragão gigante dava rasantes em cima dos foliões. E, por um momento, cercados por prédios históricos, era possível acreditar que, realmente, estávamos no período imperial.
No resto do dia e, para ser bem sincero, até o final da tarde de segunda-feira, passamos boa parte do tempo presos no meio de multidões. Uma ida a Ipanema, às 16h de domingo, virou um transtorno. A praia e a rua estavam totalmente tomadas, era impossível dar um passo sem esbarrar nas pessoas. Decidimos voltar. Mas como? A fila do metrô dobrava o quarteirão, os ônibus estavam lotados e os táxis não paravam. O jeito foi pegar uma lotação.
Na segunda de manhã o que eu imaginava ser um bloco de metais tocando Beatles, era, na verdade, um show com direito a carro elétrico e tudo mais. O Sargento Pimenta, como é conhecido, lotou o aterro do Flamengo. Mas, com todo respeito aos Beatles, quem quer ouvir Rock & Roll em pleno carnaval? Eu não.
O Boitatá, no Paço Imperial, foi incrível. Mas era muito pouco para quem estava atrás das raízes do samba. Um bloquinho na tarde de segunda-feira prometia salvar meu carnaval. Pouco mais de 50 pessoas reunidas na frente de um casarão no Catete iriam até o Largo do Machado. Todas as músicas, sem exceção, eram do mestre Agenor Oliveira, o Cartola. Foi divertido. Cantamos Ensaboa, Alvorada, As Rosas Não Falam e outros estandartes do samba. O melhor, no entanto, foi encontrar com um grupo de conhecidos que me sugeriram esticar a folia para o botequim Bip-Bip, em Copacabana.
Inexperiente em assuntos cariocas, não conhecia o bar. “Há 46 anos a serviço do porre e da amizade”, como diz o próprio slogan, o Bip-Bip é um resistente da velha guarda da boemia. Por lá já passaram todos os grandes do samba. É meio estranho para quem não está acostumado com o jeito do Rio. O botequim é clássico. Pequeno, sem janelas e apertado. O bar, como explicou uma cliente, é “familiar”. “Por isso, é só você se servir naquela geladeira e pedir para aquele senhor anotar”. Ficamos um pouco acanhados no começo. Mas deu tudo certo.
Em menos de uma hora estávamos dentro do bar cantando Zé Ketti, Cartola (ele, de novo) e Nelson Cavaquinho. Teve espaço até para um paulistano, o Adoniran Barbosa. O senhor que anotava os pedidos, fiquei sabendo depois de conversar com ele, era o Alfredinho. Um amante do samba de raiz e, por que não?, da boemia de raiz.
Alfredinho me contou que o bloco Flor do Sereno, filho do Bip-Bip, deveria tomar as ruas de Copa naquele dia. No entanto, a falta de incentivos da prefeitura não deixou que eles saíssem. É engraçado, ele comentou, o governo do Rio coloca uma dinheirada em blocos que pouco tem a ver com o carnaval e, para eles, nada.
Em pouco tempo no Bip-Bip tive tempo de conversar sobre muitas coisas com Alfredinho. E me emocionei, pois, enfim, tinha encontrado o espírito de carnaval que me fez ir ao Rio. Entre outras coisas, o carinhoso senhor me contou que o escritor João Antônio era um habituê do botequim. “Ele vinha com sua sunga preta e um maço de cigarros, ficava aqui, proseava com todos”. No final, depois de falarmos sobre música e literatura, ele se despediu: “morro mais feliz sabendo que ainda existem jovens preocupados com a cultura brasileira”.
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