Cartuns explosivos

Um livro de cartuns políticos nunca deve ser visto só como uma reunião de trabalhos representativos de um artista para uma leitura leve e enfeitar a estante. Obras como O Lixo da História, de Angeli, deveriam ser adotadas em escolas como leitura devido à sua funcionalidade em ensinar por meio de imagens sobre os conflitos que aconteceram no Oriente Médio nos últimos 12 anos, depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001. Nesse período, na página de Opinião da Folha de S. Paulo, ele representou com seu humor singular os mais importantes fatos do noticiário internacional. E não foram poucos. Primeiro, os bombardeios ao World Trade Center, seguidos do trauma da tragédia, a reação destemperada do presidente George W. Bush, que levou às guerras do Afeganistão e do Iraque, a execução de Sadan Hussen e Bin Laden, além do conflito entre israelenses e palestinos, além dos distúrbios recentes no Egito e na Síria.

Ao expressar pelo riso crítico sua visão dos fatos, Angeli fornece uma ferramenta eficiente de aprender história com diversão – por isso, seu livro deveria ser incluído no programa de compra e distribuição de livros do governo, além de adotado como reforço para o vestibular. Nesse sentido, porém, há um problema na edição: a falta das datas em que cada cartum foi publicado originalmente, o que ajudaria a contextualizar as piadas cronologicamente. O volume traz apenas uma divisão por ano. Esse detalhe pode ser compensado, em parte, pela cronologia dos temas tratados por ele, que fecha o volume.

Mesmo depois de quatro décadas como cartunista – três terços desse período, na Folha –, o que impressiona em O Lixo da História é como Angeli continua contundente, enquanto é comum que talentos do humor gráfico tendam a se acomodar e a ser menos incisivos. Ele transita com desenvoltura entre o escracho e o lirismo. No primeiro caso, como um ultimato que Bush deu a Deus: “Ou está conosco, ou está contra nós”. Ou o novo sistema imposto pelos americanos aos afegãos, que inclui um drive thru do McDonalds, com uma fila de clientes com camelos do lado de fora, esperando seu Big Mac com fritas e um milk shake. Tem ainda a seita fundamentalista de John Wayne, levada para o Oriente Médio pelos americanos. Noutro, o FBI descobre uma prova contra Hussein: o exame que ele tinha feito aos 11 anos, de matemática, em que tirou zero e cometeu vários erros de ortografia.

Mas Angeli sabe ser reflexivo, impactante, sensível, marcante, em vários cartuns, cujo sentido não é provocar riso. Somente reflexão. Em um desenho de 2009, sobre a prévia eleitoral no Iraque, por exemplo, um casal limpa a sujeira do lado de fora de um prédio em ruínas, onde se lê “Zona Eleitoral”. No “Carnaval na Líbia”, a condecoração do ditador Kadaf é formada por dezenas de líbios miseráveis em miniaturas, pendurados em sua farda. Emocionante mesmo é a celebração do Dia Internacional da Mulher na Palestina. Muitos olhos amedrontados que brotam das burcas, num lugar sombrio, observam no chão o corpo de uma mulher assassinada. Não dá para fechar o livro e esquecê-lo facilmente, como no dia da leitura de jornais.

 


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