Até 20 de fevereiro de 2010, a Galeria Mário Schenberg, do Complexo Cultural Funarte São Paulo, abriga a Cabana Extemporânea do Atelier do Centro. Pelo menos seis de seus 28 componentes se mudaram de mala e cuia ou, melhor dizendo, de mochila, iMac e celular, para o local. A Cabana Extemporânea faz parte da exposição Entorno de – Nos Limites da Arte – 2a Edição que inclui Da Terra ao Povo, mostra do grupo Mestres da Obra (Galeria Flávio de Carvalho), e a intervenção Café Vacance de Laura Huzak Andreato (Centro de Convivência Waly Salomão). Flávio de Carvalho? Mário Schenberg? Waly Salomão? A Funarte é outra.

Rubens Espírito Santo é o coordenador geral da Cabana Extemporânea. Quem entra na sala-galeria defronta-se com fogão, geladeira, cafezinho sendo feito, gente dormindo, músicos de fone diante de luzinhas. Mas não se trata de um caos hippie retrô, Living Theatre-Novos Baianos. Mesmo porque Espírito Santo atribui o nome da obra ao fato de “não ser contemporânea”. Talvez nem produza um objeto acabado. No dia 20 de fevereiro, eles simplesmente arrumarão suas coisas e irão embora. Rubens é um artista-pensador-professor cercado por alunos-discípulos-inventores. O importante para ele é amarrar a produção a um discurso intelectual. Tem sua lógica.
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Rubens, 43 anos, fazia gravura em metal. Evoluiu para a pintura a óleo, que ganhou tridimensionalidade com a aquisição de objetos. Começou juntando o que encontrava na rua até partir para a arqueologia pessoal, agregando elementos de sua infância. Começou com eixos de carrinhos de rolimã, que lhe abriram as portas de grandes galerias, até chegar ao conceito “cabana”, quem sabe inspirado na cabana do Josias, um andarilho adotado pelo pai de Rubens, em São José dos Campos (SP). Da Cabana do Josias, que tinha uma função estética, pictórica, nada de favela como a original, chegou à Cabana Stalker – em uma referência ao filme de Andrei Tarkovsky, de 1980, em que guias (stalkers, ou melhor, Rubens) levam pessoas em direção a uma zona atípica, perigosa. Esta teve de ser habitada a exemplo da Cabana Extemporânea. “A partir de sua ocupação, deixou de ser um barraco para se tornar um lugar sagrado, espaço de convivência para questões fundamentais”, explica. O pensador surgiu de sua (des-in)formação. Filho de vigilante noturno e mãe feirante, Rubens não tinha livros em casa, mas nutria “um desespero por conhecimento”. Após a oitava série, tornou-se um autodidata atípico, já que tinha professores. Ao filósofo alemão Christophe Kotanyi, radioastrônomo que apareceu no Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (INPE), vizinho da sua casa em São José e que lhe ensinou estética, juntaram-se Helena Calil, ex-aluna de Jean-Paul Sartre, inseminando-o de filosofia existencialista, e Sonia Leal, semiótica. Para completar, 15 anos de psicanálise lacaniana.

Como professor, é um cara convidado pelo governo federal para fazer uma obra que consiste em reunir um monte de gente morando ali dentro e vivendo suas guerras interiores. Não é mais arte contemporânea, mas extemporânea. Uma arapuca que captura o instante em que as pessoas estão antes de fazer algo. Rubens não espera, pelo menos não induz, que se produza algo ali dentro. Quer que saiam homens, seres humanos melhores. Que produzam algo dentro de si mesmos. É bem ambicioso.

Vendo essa moçada não sei porque me lembrei de uma música de Maria Bethânia, uma das raras parcerias com irmão Caetano Veloso, Trampolim. A letra diz: “No ar, antes de mergulhar, antes de mergulhar”. Do disco Drama. 1972.


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