No coração do Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, metro quadrado mais caro do Brasil e antro do antipetismo, o Teatro Casa Grande resiste. A meses de completar cinco décadas de existência, o espaço, que divide parede com o Shopping Leblon, se mantém como histórico núcleo de reflexão da esquerda. O teatro, chamado de “território livre da democracia no Brasil” por Tancredo Neves, foi palco de diversos atos pela anistia política e contra a censura durante os anos de chumbo. Ali foi realizada a primeira reunião da campanha Diretas Já, com Ulysses Guimarães e Teotônio Vilela, em 1984. Foi também onde o então Ministro da Justiça Fernando Lyra assinou o decreto que pôs fim à censura, no ano seguinte.
Nesse espaço, Milton Temer (PSOL), Mauro Iasi (PCB), Darlan Montenegro (Consulta Popular) e Pedro Celestino (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos) se reuniram para discutir a crise política do PT, no debate O PT Visto de Fora: As Esquerdas e o 5o Congresso do PT.
Existe uma crítica de esquerda ao partido e ela não deve ser confundida com uma crítica conservadora, defende Mauro Iasi. Como se posicionar entre o excesso de pragmatismo do PT e o chamado “esquerdismo” dos demais partidos, que se dividem politicamente, é a questão a ser respondida pela esquerda brasileira.
“Essa história de estigmatizar o ‘esquerdismo’, de dizer que fazemos o jogo da direita, não nos leva a lugar algum. Na luta de classes não existe empate. Até agora, os interesses das classes dominantes foram mantidos”, diz Iasi, que optou por votar nulo nas últimas eleições presidenciais. “Não é que o PT deixou de ser revolucionário, ele deixou de ser reformista. Se um governo reformista depois de 12 anos não conseguiu fazer reformas, algo deu errado.”
Milton Temer, por sua vez, fez campanha para Dilma Rousseff em 2014 e diz que o faria novamente: “O maior aliado do PT é o PSDB. Tivemos de votar contra os tucanos”. Para o ex-deputado federal e estadual, que começou no PCB e integrou o PT de 1998 a 2003, Lula foi o culpado por implementar a lógica do não enfrentamento no partido. “Foi ele quem assinou a Carta aos Brasileiros, na qual se comprometeu com tudo que combatíamos no governo FHC. Lula é mais grave para a esquerda brasileira do que o PT.”
Montenegro concorda que, a despeito de todas as críticas à trajetória do PT, o cenário com Aécio Neves na Presidência seria pior do que o atual. “A estratégia do PSDB é aumentar o desemprego e diminuir os salários para desorganizar os trabalhadores, assim como ensinou Margaret Thatcher, que conseguiu destruir os sindicatos.” Ainda assim, defende que, para quem propõe uma ruptura da ordem burguesa, o PT é um partido a ser superado: “Precisamos construir um projeto de alternativa que combine uma política de massa com estratégia”.
Pedro Celestino foi o único a defender a importância das conquistas alcançadas desde a eleição de Lula à Presidência, em 2003, e não acredita que o ciclo do PT tenha chegado ao fim. “O partido tem condições de superar a crise na qual se encontra. Um golpe foi dado quando Joaquim Levy assumiu o Ministério da Fazenda. O poder, no entanto, ainda está em disputa.” Para o diretor do IBEP, há de se construir uma frente de esquerda para se contrapor à ofensiva conservadora. “Temos de lutar contra o domínio absoluto do capital financeiro, contra esse ajuste fiscal que não deu certo em nenhum lugar do mundo. Não temos base de massa, não será a partir de propostas revolucionárias que neguem os avanços que vamos conseguir superar esse impasse. Precisamos nos unir a despeito de nossas diferenças.”
O ex-senador Saturnino Braga, presidente do Instituto Casa Grande, não pôde comparecer ao debate no qual seria mediador, mas recebeu a reportagem da Brasileiros em sua casa, antes do evento. Para ele, que saiu do PSB para integrar o PT e apoiar a candidatura de Lula em 2003, a crise do partido não está relacionada com o ajuste fiscal ou qualquer política econômica implementada até agora. “A crise tem muito a ver com o seu passado. O PT surgiu na política brasileira como um partido que se propunha a ser efetivamente diferente dos outros, no sentido de ser puro na questão da ética dos meios. Os escândalos de corrupção causaram essa crise de identidade e imagem.”
Braga, após 60 anos de vida política, continua filiado ao PT, mas não participa das atividades do partido. Tampouco irá ao 5o Congresso, em junho, em Salvador. “Político sem mandato nem é escutado. Vou lá para tentar falar e ser vaiado?”
O ex-senador foi contra o ajuste fiscal que Lula implementou em 2003, mas hoje considera que funcionou e defende o que Dilma propõe. “Eu fui relator do Plano Plurianual de Lula. Quando vi aquela projeção de taxas de juros e superávit fiscal, eu disse para o líder do partido, que era o Mercadante: ‘Eu não assino isso’. Fui substituído. Lula executou aquela política e conseguiu avançar na questão da distribuição de renda, da participação das empresas estatais, reativou a economia, fez uma boa política externa. Não dá para julgar o governo apenas pelo ajuste fiscal, não significa que essa será a tônica. Se prosseguir no acordo com os BRICs, nesse relacionamento com a China, mantiver a política de integração com a América do Sul, a política de valorização do salário… É lícito que o partido discuta isso e acho que o ajuste fiscal deva se adaptar a essa discussão, sofrer alterações. Na política é assim, o papel do partido é esse mesmo.”
Para Braga, o PT tem de recompor a imagem de partido ético e ir até as últimas consequências na apuração das acusações de corrupção. “Aqui para nós, eu acho que a história do Brasil vai registrar o período da presidenta Dilma Rousseff como sendo aquele em que houve efetivamente um combate à corrupção. Isso vai ficar como uma marca da Dilma e, na medida em que ela é do PT, vai ficar como uma marca do PT também. Mas tem de tirar consequências disso, mudar o seu comportamento nessa questão do aparelhamento do Estado e buscar mais a utilização de funcionários concursados.”
Braga também é favorável à construção de uma frente de esquerda, que una demais partidos, movimentos sociais e sindicatos. Diz, no entanto, que a iniciativa não garantiria maioria no Congresso e que descartar a aliança com o PMDB, portanto, seria um “desastre”. “Pode ter maior ou menor habilidade na composição das articulações políticas. Eu lamento muito a eleição do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Aqui no Rio todo mundo sabe quem ele é. Não sei como ele conseguiu atravessar a Lei da Ficha Limpa e se candidatar. É um homem extremamente pragmático e hábil nessa pequena política de chantagem. Mas não tem saída. A solução é conviver com o PMDB, com todas as dificuldades, aproveitando brechas, fazendo o ajuste fiscal até pelo menos o final deste ano e depois retomando a iniciativa na condução da economia.”
Deixe um comentário