A água da chuva é redirecionada da calha para um reservatório: pesquisa, criatividade, tecnologia. Grama e flores crescem planejadamente na parede e no telhado: ideias inteligentes, pensamento ecológico, sustentabilidade. Lixo orgânico vira adubo no jardim: mudança de comportamento, eficiência. Todos estes conceitos parecem complicados, caros e distantes do momento atual de crise, mas a EcoBuild – maior feira de construção ecológica e sustentável do mundo, que acontece anualmente em Londres desde 2004 – provou o contrário com suas 800 exibições, seus cem seminários e dezenas de palestras e entrevistas.
Na edição deste ano, foram três dias em que arquitetos, engenheiros, jardineiros, donas-de-casa e decoradores puderam conferir pessoalmente o que existe de novo no mercado para construir, ou reformar, sem prejudicar o meio ambiente. Casas ecologicamente corretas não são apenas mais uma opção da construção civil na Inglaterra, são obrigação. Tanto que o governo planeja, até 2016, construir apenas casas que sigam à risca as normas de proteção ao meio ambiente, de acordo com a campanha lançada na feira pelo chefe executivo do UK Green Building Council, Paul King. O UK-GBC é uma instituição do governo inglês idealizada para ‘melhorar dramaticamente a sustentabilidade’ da construção civil, transformando a maneira como é planejada, desenhada, construída, mantida e operada, ajudando a moldar uma nova parceria entre governo, indústrias e stakeholders.
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Para orientar o nível de sustentabilidade de cada construção há uma escala que vai de 1, indicando casas que emitem mais carbono, até 6, nível ideal que significa a não emissão do gás (zero carbon). Ao final dos próximos sete anos, devem ser construídas apenas habitações carbono zero na Grã-Bretanha – atualmente a construção civil de residências é responsável por 27% da emissão de CO2 no Reino Unido. Para diminuir esse índice o governo concede benefícios, abatimento de impostos, assistência no financiamento, entre outras ações. “Estamos lançando um Código de Sustentabilidade em Construção para que até 2050 o mercado da construção civil na Grã-Bretanha seja totalmente livre da emissão do carbono”, reiterou King em sua apresentação.
Apesar do ambicioso plano governamental, o apresentador do programa Grand Designs, do Canal 4, Kevin McCloud, lembra que há pequenas e imediatas ações bastante relevantes que podem ser tomadas em residências e ambientes de trabalho. “Há uma lista extensa de pequenas coisas que podem fazer grandes diferenças, por exemplo, economizar energia com lâmpadas fluorescentes, melhorar o isolamento nas janelas, reciclar o lixo”, cita.
Estilo de vida
Também denominadas de casas verdes, as habitações ecologicamente corretas não precisam ser construídas desde sua fundação. O mercado de reforma é o maior e mais competitivo quando se trata de construção civil na Inglaterra – o índice de construção de novas casas no Reino Unido é o mais baixo desde o final da II Guerra Mundial.
Pequenos projetos residenciais são parte da transformação necessária para que uma casa saia do nível 1 e caminhe em direção ao almejado nível 6 de emissão de carbono, ou melhor, da não emissão do gás.
Mas morar em uma casa ecológica não significa simplesmente cortar a emissão de dióxido de carbono e pronto. Trata-se de um novo conceito de vida que deve modificar comportamentos e, mais que uma tendência em voga, a bioconstrução veio para ficar.
A Brasileiros participou da feira EcoBuild e selecionou ideias criativas, simples e eficientes que podem ser facilmente adaptadas ao mercado brasileiro, apesar de diferenças culturais e de biodiversidade entre o Brasil e a Inglaterra.
Confira os dez passos mais importantes para tornar sua casa mais ‘amiga do meio ambiente’ (ecofriendly).
1. Lâmpadas
Iluminação consome cerca de 20% da eletricidade no mundo, sendo um dos maiores vilões do aquecimento global. Então a primeira atitude que se pode tomar (e que será notada rapidamente na conta de luz) é a troca das lâmpadas incandescentes, conhecidas como amarelas, pelas lâmpadas eletrônicas ou fluorescentes, as lâmpadas brancas. Apesar de mais caras, a sua durabilidade é até oito vezes maior e a economia é de até 75%.
2. Torneiras
Há válvulas especiais que podem ser adaptadas à sua atual torneira que diminui a quantidade de água despejada. Essas válvulas são uma espécie de tarraxas com pequenos furos que fazem a água sair borbulhante, economizando até 40% em volume. O mesmo sistema pode ser utilizado para chuveiros e descargas de vasos sanitários, o que economiza cerca de 20 mil litros de água por ano no ambiente familiar (cálculo baseado numa família formada pelo casal e dois filhos). Outra novidade é a ‘ecobanheira’, mais rasa e com o ladrão (overflow) três centímetros abaixo do padrão, que economiza 30 litros por banho.
3. Luz solar
O Brasil é um país geograficamente privilegiado, que disponibiliza uma quantidade significativa de luz solar durante todo o ano por longos períodos. O aproveitamento da iluminação natural e do calor para aquecimento de ambientes, denominado aquecimento solar passivo, decorre da penetração ou absorção da radiação solar nas edificações. Para ajudar na iluminação interna a ideia do ‘tubo solar’ é, literalmente, brilhante. Um cano de alumínio capta a luz solar através de uma redoma no telhado e canaliza esta luz para pontos específicos dentro de casa. Ideal para corredores, escadas (locais onde não há janelas), o ‘tubo solar’ dispensa iluminação artificial.
4. Ventilação
A arquitetura ideal de uma habitação deve considerar a rosa-dos-ventos, ou seja, utilizar os pontos cardeais para aproveitar ao máximo os condicionantes naturais (sol e vento) do local. A ventilação cruzada é uma técnica que, através de painéis de PVC ou fibra de vidro, possibilita a alta vazão de ar, mesmo com correntes de pouca velocidade. Este efeito garante a renovação do ar ambiente, dilui vapores e fontes de poluição, deixando a temperatura saudável em todos os ambientes por longos períodos – sem utilizar agentes mecânicos, como ventilador ou ar condicionado.
5. Água reciclada
A água é um recurso finito. Conforme pesquisas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, nos próximos 20 anos a média mundial de abastecimento de água por habitante terá diminuído em um terço. Atualmente estão em desenvolvimento diversas pesquisas para encontrar meios eficazes de reciclagem da água e o seu reaproveitamento é estimulado por campanhas públicas.
Sistemas domésticos já são comercializados na Europa e América do Norte e consistem em filtragens mecânicas, biológicas e químicas da água que vai para o ralo em pias, chuveiros e banheiras. Após as filtragens, o último processo é a esterilização, que elimina odor e partículas orgânicas. Por fim, a água está limpa e pode ser reutilizada para outros fins como descarga, lavar roupa, limpeza e jardinagem.
6. Água da chuva
A captação e o armazenamento da água da chuva, além de serem processos simples e baratos, trazem vantagens tanto para o meio ambiente quanto para o seu bolso. Reutilizar a água que cai do céu reduz o consumo da rede pública e, consequentemente, seu custo, evitando o desperdício de água potável em descarga, jardinagem ou limpeza. Ecologicamente corretíssimo, a economia de um recurso natural não-renovável, escasso em toda grande cidade e disponível em abundância em telhado, colabora também na contenção de enchentes ao represar parte do volume de água que seria drenada para galerias e rios.
A medida adotada em 2006 pela prefeitura de Curitiba é um grande exemplo a ser seguido. A lei municipal número 293/06 estipula, entre outras coisas, que novas edificações na cidade não obterão o alvará de construção caso não prevejam e instalem um sistema de reaproveitamento de água da chuva.
7. Materiais renováveis
Pesquisar a origem dos materiais que serão utilizados na construção ou reforma é inevitável para qualquer projeto ecológico. Materiais construtivos renováveis aparecem cada vez mais no mercado da construção civil, desde PVC, concreto e vidro até tintas, pedras e argamassas. Sejam materiais brutos ou reciclados, materiais renováveis ou não, é importante pesquisar como este foi extraído, transportado, manufaturado, processos de reciclagem utilizados, etc. antes de ser incorporado ao seu projeto.
8. Telhados verdes
Jardins nos fundos de casa é coisa do século XX. A moda agora é cultivar plantas e flores no telhado, retomando uma tradição do séculoXIX, que originalmente buscava o conforto térmico das casas. O ‘telhado vivo’ tem isolamento acústico superior ao convencional, ameniza os impactos da mudança climática e transforma as coberturas de edificações em áreas verdes.
Os benefícios não são restritos apenas aos moradores, pois a água retida nos substratos das plantas diminui o risco de enchentes. O telhado jardim também atua como filtro e retém impurezas da poluição do ar, absorve o gás carbônico, diminui o calor urbano gerado pelo reflexo dos raios infravermelhos – comuns nas áreas asfaltadas e grandes massas de concreto – e possibilita a formação de um microecossistema de sua escolha.
A instalação é simples e a sobrecarga em função da vegetação é pouco significativa, equivalendo ao peso de uma estrutura com telhas de barro. O custo é superior ao de um telhado convencional, mas levando em consideração a diminuição de gastos com energia de aquecimento, resfriamento dos ambientes e a maior durabilidade, o telhado verde fica mais econômico a longo prazo.
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9. Reciclagem
Praticamente todas as cidades no Brasil têm algum projeto de reciclagem do lixo doméstico. Mas o que os ingleses pretendem é mudar o comportamento da família para que a reciclagem seja de 100%. Para isso, separação vira seleção. Lixeiras com divisórias facilitam e ajudam nesse quesito. Não apenas vidro, alumínio, plástico e papel são selecionados; lixo orgânico vira adubo no quintal ou pode ser recolhido em sacolas plásticas biodegradáveis pela prefeitura. Projetos do governo são fundamentais para que a reciclagem seja eficiente nas grandes cidades. Em vários bairros de Londres, as prefeituras locais obrigam seus moradores a separarem o lixo, podendo inclusive aplicar multas.
10. Energia solar
Quase todas as fontes de energia – hidráulica, biomassa, eólica, combustíveis fósseis e energia dos oceanos – são formas indiretas de energia solar. A radiação solar pode ser utilizada diretamente como fonte de energia térmica, para aquecimento de fluidos e ambientes, ou para geração de potência mecânica ou elétrica. Entre os vários tipos de aproveitamento da energia solar, os mais usados são o aquecimento de água (energia térmica) e a geração fotovoltaica (energia elétrica). A tecnologia fotovoltaica produz eletricidade diretamente dos elétrons liberados pela interação da luz do sol com determinados materiais semicondutores, como o silício. No Brasil, a conversão para energia térmica é mais encontrada nas regiões Sul e Sudeste, devido a características climáticas. Nas regiões Norte e Nordeste, comunidades isoladas da rede de energia elétrica utilizam o processo fotovoltaico. A tecnologia ainda é bastante cara, mas projetos comunitários desenvolvidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em locais isolados no interior do Brasil, têm demonstrado resultados satisfatórios.
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