Celebração dos mestres

Ethan Coen, Joel Coen promovendo o “No Country For Old Men”

A paranoia de tentar encaixar a maior quantidade possível de filmes em um só dia, os cafés entre uma sessão e outra e pernas para subir e descer a Rua Augusta. Eis parte do ritual que centenas de pessoas repetem todos os anos na cidade de São Paulo. De 18 a 31 deste mês, acontece a 37a edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Como diz Renata Almeida, diretora do evento, o momento é como sentir “a brisa que traz ventos de outros lugares” (distantes do circuito de shoppings e afins).

As cortinas se abrem com a estreia dos irmãos Coen, Inside Llewyn Davis, prêmio do júri em Cannes este ano. Mas a estrela é a que ilustra o cartaz desta mostra: Stanley Kubrick. Não apenas pela retrospectiva de seus filmes (restaurados), mas pela exposição montada no Museu da Imagem e do Som – MIS (mais sobre o diretor nas páginas 36 e 121). Além do diretor, a mostra traz homenagem ao cineasta filipino Lav Diaz, conhecido pelo seu “slow cinema”, com filmes políticos, quase sempre centrados no contexto histórico das Filipinas que, em alguns casos, duram até mais de dez horas (em 2008, foi exibido Melancholia, com oito horas de projeção). O que significa dizer que, para assistir aos 12 títulos de Diaz neste ano, será preciso ter mais de 47 horas livres. Também homenageado, o japonês Yasujiro Ozu, no ano de comemoração do que seria seu 110o aniversário, terá três de seus filmes exibidos: Tôkyô Monogatari (Tokyo Stories), Higanbana (Equinox Flower) e Sanma No Aji (An Autumn Afternoon).

Na já tradicional exibição ao ar livre, com música ao vivo, no Parque Ibirapuera, o evento traz um filme que, por décadas, foi tido como desaparecido. Nathan, o Sábio é de 1922, mas poderia ser de 2013. O filme alemão de Manfred Noa é adaptado de uma peça de 1779. Mais de dois séculos adiante, espelha um mundo que não mudou tanto assim. O longa usa como premissa as batalhas travadas entre cristãos, judeus e muçulmanos para falar sobre tolerância. Na Alemanha pré-nazista, a ideia não foi vista com bons olhos. Depois que Hitler assumiu o poder, o filme evaporou-se e só foi achado em 1996, em Moscou. Não é um filme tão “pop” como os últimos exibidos no local − Metropolis, Amacord ou Nosferatu −, mas é um épico.

“A gente apresenta há anos essa sessão com música ao vivo”, diz Renata que, pelo segundo ano consecutivo, é a responsável pela curadoria dos filmes, antes dividida com Leon Cakoff, fundador da mostra e marido dela, morto em 2011, poucos dias antes da 35a edição do evento. A exibição de Nathan, o Sábio será acompanhada por trilha composta para o filme pelo libanês Rabih Abou-Khalil, executada pela Orquestra Petrobras Sinfônica, com regência do maestro Armando Prazeres.
 

Boa safra nacional

Tatuagem.

Tatuagem, de Hilton Lacerda, vencedor do último Festival de Gramado, é de Pernambuco. Mas há outros imperdíveis, como Depois da Chuva, de Cláudio Marques e Marília Hughes; Os Amigos, de Lina Chamie; Riocorrente, de Paulo Sacramento; e o delicado Avanti Popolo, de Michael Wahrmann, vencedor do prêmio principal da Mostra Cinema XXI do Festival de Roma, em janeiro deste ano. Não esquecendo de Educação Sentimental, de Julio Bressane, bastante elogiado pela crítica no último Festival de Locarno, e do mais experimental Feio, Eu?, de Helena Ignez, um autoproclamado “filme-manifesto” de uma das atrizes mais importantes do cinema marginal brasileiro. No time dos documentários, é possível ressaltar títulos como A Farra do Circo, de Roberto Berliner e Pedro Bronz, sobre a geração que fez e aconteceu no Circo Voador dos anos 1980; Morro dos Prazeres, de Maria Augusta Ramos, sobre a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) em uma comunidade do Rio de Janeiro; Revelando Sebastião Salgado, de Betse de Paula, cujo título já fala por si; e o esperado Verdade 12.528, de Paula Sacchetta e Peu Robles, que traz depoimentos de pessoas afetadas pela ditadura.


Godard também é destaque

Entre os títulos internacionais já confirmados para a mostra, estão filmes que chamaram atenção no Festival de Cannes deste ano, como o aguardado 3x3D, de Jean-Luc Godard, Peter Greenaway e Edgar Pêra (sim, são três filmes em um, sendo o de Godard uma experiência necessária para discutir o cinema, meios-mensagens e, claro, a indústria). Ilo, Ilo, de Anthony Chen, vencedor da Câmera D’Or, também será concorrido, assim como o mexicano La Jaula de Oro, de Diego Quemada-Díez, cujo elenco foi premiado em Cannes na mostra Un Certain Regard. Não dá para não mencionar Les Garçons et Guilhaume, à Table, de Guillaume Gallienne, que levou o prêmio da Confederação Internacional de Cinemas de Arte.

Ainda entre os mais aguardados, títulos como Dark Blood, de George Sluizer, último filme do ator River Phoenix que, 19 anos após sua conclusão, foi finalmente montado e os novos trabalhos de dois dos cineastas iranianos mais importantes. O primeiro é Jafar Panahi, que está proibido de fazer cinema, agora dirigindo em parceria com Kumbuzia Partovi o longa Pardé, uma alegoria à própria situação do diretor que é prisioneiro em sua casa. O segundo é Mohsen Makhmalbaf, com seu poético documentário The Gardener, tido por Manohla Dargis, hoje a mais influente crítica do New York Times, como “um íntimo e discursivo inquérito sobre crenças religiosas que se abre também para questionar o cinema”. A lista é bem maior, mas impossível citar aqui tudo que deve entrar no pacote do imprescindível. 

Digital

Ciente de que para organizar um evento desse porte – são mais de 300 filmes em exibição por boa parte do circuito de cinemas da cidade – é preciso ter paciência e capacidade de gerenciar crises, a produção da Mostra SP tem lidado nos últimos anos com um problema frequente em festivais mundo, vide a terrível experiência com a abertura do Festival de Brasília: a projeção digital. “É preciso lembrar que não se pode transferir para a mostra uma questão que é do mercado, mas não só. É um problema de uma mídia nova, que vendeu uma ideia que não é verdadeira, de que é mais barata e mais segura. Pode até ser mais segura para quem faz o filme, mas para o exibidor não é por que estamos falando de um arquivo fechado, que pode dar todo o tipo de aborrecimento”, afirma Renata.

Presente em 2012 no tradicional Festival de Cinema de Nova York, Renata acompanhou o que a imprensa local chamou de “o desastre digital”, quando o filme Passion, de Brian De Palma, não pôde ser exibido, graças a um distúrbio no DCP.   


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