O Braga é um sujeito vibrante. Puro entusiasmo, energia. Há anos, fomos ao Tijolo’s, um bar de Pinheiros. Não era grande coisa, mas tinha um piano aberto aos clientes. Um risco enorme, mas bem resolvido pela casa. Embaixo de cada mesa havia uma buzina de bicicleta, daquelas antigas com uma bolota de borracha preta na ponta. Uma buzinada e o artista saía de cena. Essa era a norma da casa, escrita na parede.
Aquela noite, pedimos nosso red nas pedras e umas endívias com tapenade de azeitonas negras. Uma delícia ensinada pelo Braga ao dono, amigo dele. A casa estava cheia, imaginei que alguém iria tocar.
Estávamos ali proseando quando o dono, inesperadamente, acomodou duas morenas e seus proseccos à nossa mesa: Vocês se importariam? Sinalizamos um claro que não e elas sentaram. Acho que foi pelo belo anel da mignon que o Braga começou a falar de joias, tesouros e logo das Mil e Uma Noites. Mandou bem, o danado. Peguei a deixa e falei de Ali Baba que, logo esclareci, não era o chefe dos Quarenta Ladrões. A surpresa das duas me estimulou, prossegui. Ali Baba era um pobretão que descobriu um grupo de ladrões, que guardava o fruto de seus roubos em uma caverna secreta. Para abri-la, bastava dizer as palavras mágicas: Abre-te Sésamo!
Cassim, rico irmão de Ali Baba, vendo-o próspero, pressionou-o. Ali Baba contou tudo, levou Cassim à caverna e se mandou. Cassim, deslumbrado com o tesouro, esqueceu-se das palavras mágicas e ficou lá, preso com as riquezas. Mais tarde, foi trucidado pelos ladrões. Ah, a cobiça!
Dramatizei bem, as duas estavam encantadas. O Braga estava enciumado, vi pelo olhar.
Elas pediram mais duas taças de prosecco. Eu queria mesmo é champagne, disse a mais forte. Eu peguei a deixa e explorei a semelhança dos métodos produtivos, as variedades de uva e a singularidade do terroir. Falei da região de Champagne.
O Braga sabe que não entendo nada do assunto. Seu olhar dizia que eu era um picareta. Segui falando porque a vida é assim. Dura.
De repente, em lance de mestre, o Braga disse que seu cachorro – ele não tem cachorro! – gostava muito de receber um cafuné ouvindo Champagne for Ali Baba, um boogie-woogie. A mignon surpreendeu-se: Champagne for Ali Baba? Eu também me surpreendi. Muito.
O Braga falou sobre o cachorro e sobre Champagne for Ali Baba. Então, serenamente, foi até o piano e estraçalhou. E não foi só essa, mandou bala numa fieira de boogies pra levantar qualquer defunto.
Contagiadas pela energia e pelo sincopado talento do Braga, as duas chegaram ao piano. Dançavam para ele!
Apesar de todo meu fairplay e sólidas referências éticas, fiquei incomodado. Em consonância com as normas da casa, mandei uma joelhada na buzina e tirei o Braga de cena.
Aquilo desestabilizou o amigo. Desconcertado, ele empalideceu, encurvou e murchou. Mulher não gosta disso, claro. Esvaneceram.
Mais tarde, inquerido pelo amigo, eu disse que não tinha a menor ideia de quem partira tamanha crueldade. Dizer o quê? Que tocar boogie-woogie pra mulher que tomou prosecco é covardia? Eu nunca diria isso, poderia soar a inveja.
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